Canto XLVI

Canto XLVI

“Reverendo Eliot”: trata-se, é claro, de T. S. Eliot (1888-1971). Eliot converteu-se ao anglocatolicismo em 1927 e passou a explorar temas religiosos em seus escritos. Diferentemente de Pound, que considerava a ideologia da economia de mercado a mola-mestre da cultura capitalista, Eliot pensava que a religião era o que havia de mais importante na sociedade.

“vocês que pensam (…) a jato”: é possível que Pound esteja se endereçando aos leitores de “A terra devastada”, de Eliot, que enxergaram ali o inferno de nossa modernidade. Ele talvez queira dizer que o inferno ainda marcará presença nos Cantos.

“Zoagli”: cidade próxima de Rapallo.

“Dezessete anos (…) dezenove anos, noventa anos”: “dezessete” se refere ao ano de 1918 (sendo que esse Canto foi escrito em 1935-36), quando Pound conheceu Clifford Hugh Douglas, o teórico do Crédito Social, na redação da revista The New Age; “dezenove” diz respeito à origem dos Cantos (em 1916, ele começou a trabalhar nos “Three Cantos”); “noventa anos”, no caso, dos esforços para combater o capitalismo financeiro, nas décadas de 1830 e 40, esforços mencionados pelo autor nos Cantos XXXIII e XXXVII. O “sujeito bobo” mencionado a seguir é o próprio Pound quando era jovem e vivia em Londres. Os “dividendos” são um ponto importante das teorias econômicas de Douglas (referido nesse trecho do Canto como “major”): a ideia de se criar um “dividendo nacional” que diminuísse o abismo entre os salários e os preços.

“Decennio”: La Mostra della Rivoluzione Fascista, exposição que comemorou o décimo aniversário da chegada dos fascistas ao poder, foi aberta por Mussolini em 28 de outubro de 1932, em Roma.

“Il Popolo”: Il Popolo d’Italia, jornal fundado por Mussolini em Milão, em 1914, após sua expulsão do Partido Socialista Italiano. Deixou de circular em 1943, com a morte do ditador.

“o nosso foi assim”: referência à redação da New Age em Londres.

“granada de Mills”: granada de mão inventada por William Mills em 1915, a princípio fabricada em Birmingham, e usada pelos aliados na Primeira Guerra Mundial.

“sujeito de lábios grossos”: Alfred Richard Orage (1875-1934), editor da New Age e da New English Weekly, revistas com as quais Pound colaborou. Ele considerava Orage um grande amigo e benfeitor, e sentiu muito a sua perda.

“CRIME / De dois SÉculos”: referência à criação do Banco da Inglaterra em 1694 e ao crescimento da dívida nacional britânica. O crime foi que um grupo de acionistas privados criou uma sociedade anônima (Bank of England) para fazer empréstimos ao Estado. E, ao mesmo tempo, esses acionistas adquiriram o direito de emitir papel-moeda, usurpando uma das prerrogativas do Estado. Ou seja, o dinheiro é emitido pelo Banco da Inglaterra como um empréstimo com juros ao governo, o qual deve ser pago com impostos. O problema é que, dada as instabilidades políticas e as guerras, essa dívida nunca era paga, mas, sim, perpetuada. Pound afirmava que o Banco da Inglaterra era uma das causas das guerras, da exploração e da pobreza existentes. A situação foi corrigida no governo trabalhista de Attlee, que, em 1946, nacionalizou o banco.

“Dívidas do Sul”: a tese de Two Nations, de Christopher Hollis, para quem a Guerra Civil foi causada não só pela escravidão, mas pelas tensões econômicas entre os estados do Sul e do Norte dos EUA.

“Johnny Bull” é um apelido da Grã-Bretanha.

“G. B. S.”: George Bernard Shaw (1856-1950), dramaturgo irlandês.

“Sr. Xtertn”: Gilbert Keith Chesterton (1874-1936), escritor e jornalista britânico.

“Sr. Wells”: Herbert George Wells (1866-1946), romancista britânico, prolífico em vários gêneros e hoje lembrado principalmente por suas obras de ficção científica.

“John Marmaduke”: pseudônimo de Marmaduke William Pickthall (1875-1936), romancista inglês que se converteu ao Islã em novembro de 1917. Ele traduziu o Alcorão para o inglês em 1930.

“‘(…) jamais poderiam estabelecer uma NAÇÃO!'”: fato bastante conhecido, a Grécia antiga era constituída por cidades-estados independentes.

“Abdul Baha”: Abdu’l-Bahá (“servo de Bahá”), título de Abbas (1844-1921), líder da fé Bahá’i fundada por seu pai, Bahá U’lláh. Pound conheceu Bahá na Inglaterra, em 1911, e teve uma boa impressão dele e de seu movimento de unificação religiosa. No entanto, ao escrever o Canto XLVI, qualquer admiração que tivesse evaporara, pois Bahá é apresentado como alguém obtuso, incapaz de compreender o verdadeiro significado da religião. Embora Pound descreva uma conversa que teria envolvido Marmaduke e Bahá, é improvável que os dois tenham se encontrado dessa forma. Trata-se de uma maneira que o poeta encontrou para expor visões conflitantes.

“Paterson”: William Paterson (1658-1719), comerciante escocês, fundador do Banco da Inglaterra (1694) e do Banco da Escócia (1695). Ele também instigou o ruinoso esquema de Darien, cujo fracasso levou a aristocracia escocesa à falência e foi uma das causas diretas do Ato de União com a Inglaterra, em 1707, pelo qual a Escócia perdeu sua independência.

“cria do nada”: há quem diga que essa fala de Paterson seja apócrifa, inventada na década de 1930.

“o prédio carcomido”: em oposição à “casa de boa pedra” do Canto anterior, aqui Pound se refere ao sistema de “leasehold” inglês, em que uma casa não é vendida, mas arrendada ou alugada por 99 anos.

“Regius Professores”: cátedra de história moderna e línguas criada em Cambridge e Oxford em 1724. Cada professor tinha que ministrar uma conferência por ano e supervisionar um grupo de vinte acadêmicos.

“Liberalismo”: no original, “Whiggery”. A visão Whig da história moderna era uma narrativa de progresso que culminava no presente, o qual era considerado o melhor mundo possível. Tal ideário de inspiração leibniziana foi satirizado por Voltaire no Cândido (1754).

“Comissão Macmillan”: após o “crash” de 1929, o Comitê Macmillan foi formado pelo governo britânico para descobrir as causas da depressão econômica no Reino Unido. O comitê publicou suas conclusões em 1931, no Relatório Macmillan. A referência a Paterson no verso seguinte diz respeito ao trecho do relatório que se ocupa das origens e dos privilégios do Banco da Inglaterra.

“Marx”: Pound objetava que Marx não questiona o dinheiro enquanto tal.

“São Pedro (basílica)”: a construção da basílica foi, em parte, financiada pela venda de indulgências.

“Olhe os bairros pobres de Manchester”: no original, “Manchester slums”. Quem primeiro chamou a atenção para as condições em que vivia a classe trabalhadora foi Friedrich Engels, que descreveu a pobreza em Manchester por volta de 1840.

“Hic est hyper-usura”, “Eis aqui a hiper-usura”. A “hiper-usura” é a usura em nível nacional, a dívida pública criada pelos empréstimos contraídos de um banco central privado.

“Sr. Jefferson”: o que se segue é de uma carta de Thomas Jefferson para John Wayle Eppes datada de 24 de junho de 1813. Foi nessa carta que Jefferson afirmou que “a Terra pertence aos vivos”.

“Replevin”: também conhecida como “reivindicação e entrega”, trata-se de uma ação para recuperar bens pessoais que foram apreendidos ou retidos indevidamente.

“1527”: ano do saque de Roma pelas tropas de Carlos V, Sacro Imperador Romano, ocorrido durante o papado de Clemente VII (Giulio de Médici). Clemente era sobrinho de Lorenzo de Médici e primo de Leão X.

“barroco”: no entender de Pound, o barroco, que dominou a arte italiana nos séculos XVI e XVII, foi uma abominação criada por sociedades dominadas pela usura.

“Hic nefas commune sepulchrum”, “Aqui está o crime, a vala comum”: inspirado em Catulo, “Carmen 68b”, verso 89. Para o poeta latino, Tróia foi o crime e a vala comum da Europa: “Troia (nefas) commune sepulcrum Asiae Europaeque”.

“Aurum commune sepulcrum”, “ouro, a vala comum”.

“helandros kai heleptolis kai helarxe”, “destruidora de homens, destruidora de cidades, destruidora de navios”: do Agamêmnon de Ésquilo, trecho já citado diversas vezes (v. Canto II).

“Hic Geryon est. Hic hyperusura”, “Eis aqui Gerion. Eis a hiper-usura”: Gerion é o monstro que leva Dante e Virgílio a sobrevoar o oitavo círculo no Inferno. Na tradução de Italo Eugenio Mauro (ed. 34): “Ei-la, a fera que vem, de cauda aguda; / que montes, muros e armas vai vencendo, / e em todo o mundo o miasma seu ressuda” (XVII, 1-3).

“assinado F. Delano, seu tio”: o nome de Franklin Delano Roosevelt (1882-1945) reflete o grande papel que sua mãe, Sara Delano, desempenhou em sua vida. O tio de Roosevelt por parte de mãe era Warren Delano IV (1852-1920).

“… a França sob um foetor de governantes”: após ler um artigo de Francis Delaisi, “Nous n’avons plus de Roi, mais nous avons des Régents. Les vrais maîtres de la France siègent à la Banque de France” (1935), Pound ficou ainda mais convencido de que a França era governada por um grupo invisível de industriais e banqueiros. (V. Canto XXXVIII e o poder político do Comité des Forges.)

“O Sr. Cummings deseja o emprego de Farley”: a fofoca sobre as manobras políticas de Cummings foi publicada na coluna de Drew Pearson (“The Washington Merry Go Round”, 27 de novembro de 1935), veiculada nacionalmente. Homer S. Cummings (1870-1956), um péssimo procurador-geral (1933-39), queria se transferir para a chefia dos correios, cargo que supostamente vagaria em janeiro de 1936 porque seu ocupante, James Farley (1888-1976), gerenciaria a campanha para a reeleição de Roosevelt. No entanto, dado o sucesso da campanha, Farley manteve-se no cargo até 1940, quando se demitiu por discordar da busca de Roosevelt por um terceiro mandato. Por tudo isso, a fofoca que Pound lia nos grandes jornais não era, a rigor, uma notícia, mas apenas fofoca, ao passo que artigos como o de Delaisi eram publicados em veículos de pequena circulação.

Canto XLV

Antes de passar às notas sobre o Canto, publico aqui outra (bela) tradução do mesmo, feita em conjunto por Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos, e publicada no volume Ezra Pound – Poesia (São Paulo: HUCITEC; Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1993), encontrável nos sebos. Para as notas, seguirei usando a tradução de Grünewald.

CANTO 45

Com Usura

Com usura nenhum homem tem casa de boa pedra
blocos lisos e certos
que o desenho possa cobrir,
com usura
nenhum homem tem um paraíso
pintado na parede de sua igreja
harpes et luthes
ou onde a virgem receba a mensagem
e um halo se irradie do entalhe,
com usura
ninguém vê Gonzaga seus herdeiros e concubinas
nenhum quadro é feito para durar e viver conosco,
mas para vender, vender depressa,
com usura, pecado contra a natureza,
teu pão é mais e mais feito de panos podres
teu pão é um papel seco,
sem trigo do monte, sem farinha pura
com usura o traço se torna espesso
com usura não há clara demarcação
e ninguém acha lugar para sua casa.
Quem lavra a pedra é afastado da pedra
O tecelão é afastado do tear
COM USURA
a lã não chega ao mercado
a ovelha não dá lucro com a usura
A usura é uma praga, a usura
embota a agulha nos dedos da donzela
tolhe a perícia da fiandeira. Pietro Lombardo
não veio da usura
Duccio não veio da usura
nem Pier della Francesca, nem Zuan Bellini veio
nem Usura pintou “La Callunia”.
Angelico não veio da usura; Ambrogio Praedis não veio,
Nenhuma igreja de pedra lavrada, com a inscrição: Adamo me fecit.
Nenhuma St. Trophime
Nenhuma Saint Hilaire,
Usura enferruja o cinzel
Enferruja a arte e o artesão
Rói o fio no tear
Mulher alguma aprende a urdir o ouro em sua trama;
A usura é um câncer no azul; o carmesim não é bordado,
O esmeralda não encontra um Memling.
Usura mata a criança no ventre
Detém o galanteio do moço
Ela
trouxe paralisia ao leito, jaz
entre noivo e noiva
…………..CONTRA NATURAM
Putas para Elêusis
Cadáveres no banquete
a comando da usura.

…………

“Com”: no original, “With”. Em uma carta de janeiro de 1938 para Carlo Izzo, seu tradutor para o italiano, Pound ressalta o “aroma opositor” do termo “with”, como em “withstand” significando “estar contra” (algo ou alguém). Não por acaso, Mary de Rachewiltz traduziu para o italiano como “Contro l’Usura”. Na mesma carta para Izzo, Pound deixa claro que “Com Usura” não é o título do poema, mas seu primeiro verso.

“Usura”: no original, Pound usa o termo em latim. Usura não é apenas “usura” (juros excessivos cobrados sobre empréstimos; no entender de Pound, qualquer coisa acima de 8%), mas um termo utilizado para definir a economia de mercado como um todo, entendida como algo fundamentalmente doentio, que afeta todas as esferas da vida e da criação humanas.

“paraíso pintado”: referência ao verso de François Villon em Grand Testament: “Paradis peint, où sont harpes et luths” (as “harpas e alaúdes” dos anjos pintados nas paredes da igreja).

“ou onde a virgem receba a mensagem”: referência não só à Anunciação, mas também à obra do florentino Fra Angelico (Guido di Pietro, 1387-1455), da mesma forma como o halo projetado do verso seguinte remete ao escultor florentino Agostino di Duccio (1418-1481) e seus desenhos entalhados no Templo Malatestiano. Duccio é citado nominalmente no Canto mais adiante.

“… Gonzaga seus herdeiros e concubinas”: afresco de Andrea Mantegna (1431-506) na “Camera degli Sposi” do palácio ducal em Mântua.

“o talhador não talha sua pedra”: em Memoir to Gaudier-Brzeska, Pound aponta que, não raro, o escultor não tem condições de comprar mármore, material precioso tantas vezes desperdiçado em lápides.

“não vai a lã até a feira”: provável referência a uma passagem de Storia civile della Toscana, de Antonio Zobi, em que o autor discorre sobre como os mercadores florentinos, a fim de economizar os custos do transporte da lã crua de países distantes, criaram fábricas de lã em Flandres, na Inglaterra e noutros lugares. Com isso, outros povos aprenderam a lidar e a lucrar com o material. Pior: como tinham a matéria-prima, os ingleses pararam de exportá-la. Com isso, as fábricas de lã na Toscana declinaram.

“Pietro Lombardo” (1435-1515): arquiteto e escultor renascentista, erigiu o interior da igreja de Sta. Maria dei Miracoli, em Veneza, uma das prediletas de Pound. Lombardo “não veio via usura” porque seu trabalho foi pago por doações públicas.

“Pier della Francesca”: Piero degli Franceschi (1420-92) foi um pintor toscano, responsável pelo afresco “Sigismondo diante de São Sigismundo” no Tempio Malatestiano. Ele também pintou o retrato de Sigismondo Malatesta que hoje se encontra exposto no Louvre. O nome da obra de Piero pode ser considerado uma “assinatura verbal”, indicando aquilo que Pound considerava a melhor forma de mecenato, conforme evidenciado em uma carta datada de 7 de abril de 1449, escrita e enviada por Sigismondo Malatesta para Giovanni de Médici. É a carta citada no Canto VIII, que Pound encontrou no livro de Charles Yriarte, Un condottiere au XV siècle.

“Zuan Bellini”: Giovanni Bellini (1430-1516), ou “Zuan Bellin” (no dialeto veneziano), tido em seus dias como o pintor mais importante da república, tanto que recebia uma “sansaria” (uma bela “ajuda de custo” que o senado de Veneza concedia aos artistas mais proeminentes).

“‘La Calunnia'”: referência à “Calúnia de Apeles” (c.1495), pintura de Sandro Botticelli (1445-1510) que ilustra este post.

“Ambrogio Praedis”: Ambrogio de Predis (1455-1508), pintor milanês a serviço da família Sforza.

“Adamo me fecit”, “Adão me fez”: gravado por um arquiteto em uma coluna da catedral de San Zeno Maggiore, em Verona, construída entre 967 e 1398. Pound viu a inscrição em 1911, quando visitou a igreja com o arquiteto Edgar Williams (irmão de William Carlos Williams). Essa assinatura na coluna foi vista, decifrada e transcrita por John Ruskin (1819-1900) em The Stones of Venice. Tal referência sublinha a influência de Ruskin (um importante crítico de arte, desenhista e aquarelista britânico, cujos ensaios sobre arte e arquitetura continuam bastante influentes) sobre a visão econômica apresentada no poema.

“St. Trophime” e “Saint Hilaire”: igrejas românicas. St. Trophime foi construída no século XII, em Arles; Hilaire, no século XI, em Poitiers.

“O azul é necrosado…”: no Renascimento, a cor azul era geralmente feita de azurita (porções superiores oxidadas dos depósitos de minério de cobre). Com o tempo, a azurita tende a se degradar e assumir um tom esverdeado, por ter uma composição química similar à da malaquita (usada pelos pintores renascentistas como pigmento verde). Os clientes mais ricos costumavam estipular em contrato os pigmentos a serem usados ​​pelos pintores, e alguns pagavam pelo uso do ultramarino, pigmento azul muito mais estável derivado do lápis-lazúli.

“carmesim”: o “velours cramoisi” (veludo carmesim), sugerido pela primeira vez no Canto XX. Os pintores renascentistas costumavam indicar a beleza, a riqueza e o status de seus modelos por meio desses detalhes da alta moda, como os bordados feitos à mão em veludo carmesim. A própria cor era uma especialidade veneziana e comercializada em toda a Europa.

“Memling”: Hans Memling (1433-1495), pintor alemão que viveu em Bruges. Pintava no estilo flamengo de Jan van Eyck e Rogier van der Weyden. Memling tinha ricos patronos italianos em Bruges, como Tomasso Portinari, diretor do Banco dos Médici na cidade.

“CONTRA NATURAM”, “CONTRÁRIA À NATUREZA”: a noção de que a usura é algo contrário à natureza é encontrada em Aristóteles, que sustentava que o dinheiro é e deve ser apenas um meio de troca que substitui o escambo. Em outras palavras, o dinheiro é algo estéril, que não (deveria) se multiplica(r) naturalmente, como os seres vivos. V. Política I, III.23.

“… meretrizes para Elêusis”: aqui, a sugestão é óbvia, na medida em que a usura transforma o sexo, tido pelos antigos como um ato natural e sacramental, em uma transação comercial. É algo que remete à corrupção do templo pelo mercado. Os rituais religiosos mais importantes da Grécia antiga eram os mistérios de Deméter e Perséfone, celebrados no Templo de Elêusis (perto de Atenas). As festividades se prolongavam por vários dias, durante a primavera e o outono, e apenas os iniciados podiam testemunhar o que ocorria no interior do templo. A principal fonte de informação de Pound sobre os ritos de Elêusis foi Sacerdotesse e danzatrici nelle religioni antiche, editado por Edoardo Tinto. As mulheres tinham uma importância enorme nesses rituais, inclusive como sacerdotisas, pois eles eram mistérios acerca da fertilidade, encenando o brotar da semente de trigo na terra.. A cópula sacramental, portanto, imita os processos da natureza. Ao substituir as sacerdotisas por putas, Pound aponta uma corrupção do ritual e dos próprios processos naturais. Em sua carta para Carlo Izzo, Pound também afirma que o casamento, entendido tradicionalmente como a venda da fertilidade feminina para um único homem (e santificado pelo cristianismo), também é algo oposto a “Elêusis” e, enquanto tal, um componente da usura em sua acepção mais geral.

Por fim, na nota ao pé do poema (N.B., “nota bene”), é interessante notar que Pound distingue o Banco dos Médici do Monte dei Paschi: o Monte, banco que existe em Siena desde 1624, é uma instituição pública que concede empréstimos a juros baixos e a pessoas de quaisquer classes sociais, com vistas ao incremento da produtividade geral e ao crescimento econômico da região como um todo; o Banco dos Médici, fechado há séculos, era uma instituição privada que emprestava apenas aos papas, reis e nobres, e cujos empréstimos não tinham valor produtivo, mas, com frequência, serviam para financiar guerras. Dada a instabilidade política na Europa, esses empréstimos muitas vezes não eram pagos, pois vários desses monarcas e aristocratas morriam nos campos de batalha ou eram depostos ou assassinados em intrigas palacianas.

Canto XLIV

“E”: Pound inicia o Canto dessa forma a fim de sublinhar a força das reformas perpetradas por Pietro Leopoldo na Toscana após se tornar Grão-Duque. É algo similar ao início do Canto XXXVII, com aquele “Você não vai (…) metê-los na cadeia por dívidas” de Martin van Buren. Pietro Leopoldo (1747-92), filho de Francisco I e Maria Teresa de Habsburgo, era o irmão caçula de José II, imperador da Áustria. Ele se tornou Grão-Duque da Toscana em 1765 e governou até a morte de seu irmão em 1790, quando se tornou imperador do sacro império romano-germânico como Leopoldo II. A principal fonte de Pound é o volume 6 de Il Monte dei Paschi di Siena e le aziende in esso riunite, a partir do qual delineia as reformas de Leopoldo (que elenca no início e no final do poema, e a elas retorna no Canto L), em especial a legislação introduzida em 1766.

“motu proprio”, “por seu próprio impulso”: decreto feito por iniciativa do rei ou governante.

“Ferdinando”: Ferdinando III (1769-1824), segundo filho de Pietro Leopoldo, tornou-se Grã-Duque em 1790. Seu irmão mais velho, Francisco, tornou-se imperador após a morte de seu pai em 1790. Ferdinando foi forçado a deixar o ducado quando da invasão da Itália por Napoleão, em 1799. Ele fugiu para Viena e abdicou em 1801, mas retornou quando Napoleão foi derrotado, em 1814, e governou a Toscana até morrer, em 1824.

“Bandeiras, trombetas…”: houve uma celebração pública em Siena quando Ferdinando proibiu a exportação de grãos em 5 de dezembro de 1792. Pound aprovava a autossuficiência, e acreditava que a primeira obrigação de todo governante é para com seus súditos locais.

“di tutte le qualità”, “de todos os tipos”: isto é, pessoas de todas as classes sociais. Nos versos anteriores, Pound se refere a diversos locais e edifícios de Siena, como a Capela de Alexandre e o Palácio dos Senhores (o Palazzo Pubblico, a câmara da cidade).

“mortaretti”, “pequenos morteiros”.”Evviva Ferdinando il Terzo”, “Viva Ferdinando III”. “Dovizia annonaria”, “abundância de provisões”.

“Frumentorum licentia (…) conservit”: no original, “Frumentariorum licentia coercita / Re annonaria laxata / Pauperum aeque ac divitum bono / consuluerit”, “(Para a segurança / de Ferdinando III da Áustria / porque /) quando a licença dos comerciantes de milho foi restringida / e as provisões foram reduzidas / ele tomou medidas / para o bem dos pobres e dos ricos”. “Frumentorum” é um erro do impressor, apontado por Pound em suas anotações; o correto seria “Frumentariorum”, e o “Re” deveria ser “De”. Pound errou ao transcrever “consuluerit” como “conservit” no Canto.

“1796”: na verdade, conforma já assinalado acima, “il più galantuomo del paese” (“o cavalheiro mais gentil do país”), fugiu da Toscana em 1799. A referência ao “padre cidadão” aponta para o domínio napoleônico, pois, conforme o vocabulário revolucionário francês, todos eram “cidadãos”. Pound também sublinha a inflação da fanga de trigo após a chegada de Napoleão, de 7,50 para 12 scudi.

“… vieram homens de Arezzo”: de fato, forças italianas foram a Siena para tentar expulsar os invasores, mas, em vez de atacar os franceses no castelo, fizeram um pogrom, perseguindo e matando a população judia. Quando, em 3 de julho, finalmente atacaram o forte, descobriram que tinham sido sabotados. Napoleão restabeleceu o controle sobre a Toscana após a Batalha de Marengo, em 14 de junho de 1800.

“respectons les prêtres”, “respeite os padres”: em carta para Talleyrand (1754-1838) de 22 de novembro de 1800, Napoleão disse que, para evitar rebeliões dos camponeses italianos, era preciso respeitar os clérigos locais.

“Premier Brumaire”: no calendário revolucionário francês, brumário era o mês que ia de 20 de outubro a 20 de novembro. “Vous voudrez citoyen”, “Cidadãos, vocês irão”.

“Delort”: Jacques Antoine Adrien Baron Delort (1773-1846), oficial do exército de Bonaparte. “Dupont”: Pierre-Antoine, Conde Dupont de l’Étang (1765-1840), outro oficial.

“Luis Rei da Etrúria, Primus”: após conquistar a Itália, Napoleão queria que a Espanha se tornasse sua aliada contra os ingleses. Para tanto, ele tornou Luís, o duque de Parma (e membro da família Bourbon, que governava a Espanha), rei da Etrúria, reino recém-criado na Toscana que existiu por sete anos (1801-1807). Luís morreu de epilepsia em 1803. Sua viúva, Maria Luísa, tornou-se regente (Carlos Luís, filho de ambos, era menor de idade). Ferdinando III foi compensado com o Eleitorado de Salzburgo.

“Gen. Clarke”: Henri Jacques Guillaume Clarke (1765-1818), franco-irlandês que iniciou a carreira nas guerras revolucionárias francesas.

“Ministro degli Esteri”, “Ministro das Relações Exteriores”: no caso, Talleyrand.

“proveitos do Monte”: juros então correntes no Monte dei Paschi.

“Madame / ma soeur et cousine”, “Madame / minha irmã e prima”: de uma carta de Maria Luísa, viúva de Luís I, rei da Etrúria, em 1807, depois que Napoleão extinguiu o reino e queria que a região da Toscana fosse anexada pela França. Maria Luísa era filha do rei Carlos IV, da Espanha, e queria voltar para casa.

“General Reile”: Honoré Charles Michel Joseph Reille (1775-1860), do exército de Napoleão.

“importar tropas de Lisboa”: na fonte original, lê-se “Livorno”. Pound deve ter se confundido porque a próxima na fila de conquistas napoleônicas foi Lisboa, como se vê a seguir. Bonaparte invadiu Portugal no dia 19 de novembro de 1807, forçando a família real a fugir para o Brasil. A resistência portuguesa ganhou corpo em julho de 1808. Em agosto, sob o comando de Arthur Wellesley, tropas britânicas aportaram na Baía do Mondego, e teve início a Guerra Peninsular. Napoleão e Maria Luísa se encontraram em Milão, mas não chegaram a um acordo. Ele prometeu a ela o Reino da Lusitânia do Norte, isto é, a região correspondente de Portugal, após a conquista do país pelas forças franco-espanholas e conforme o Tratado de Fontainebleau (que também anexou a Etrúria à França). Napoleão queria que Maria Luísa se casasse com seu (dele) irmão, Lucien Bonaparte, mas ambos se recusaram: Lucien teria de se divorciar da esposa, a quem era apegado, e Maria Luísa não queria tomar o que era de sua irmã mais velha, Carlota Joaquina. Napoleão, então, quis que Maria Luísa se estabelecesse em Nice ou Turim, mas ela preferiu se juntar aos pais na Espanha, o que eventualmente ocorreu.

“aqueles homens”: em 14 de maio de 1809, Napoleão deu o ducado da Toscana para sua irmã, Maria Ana Elisa Bonaparte (1777-1820), princesa de Lucca e Piombino. O diarista Francesco Antonio Bandini (c.1762-1838) relatou que, quando ela entrou em Siena, os homens tiraram os cavalos de sua carruagem e a puxaram, mas que ele tinha certeza de que a ação não foi baseada em entusiasmo genuíno. Os diários de Bandini estão na biblioteca pública de Siena.

“‘Semíramis'”: Maria Ana Elisa Bonaparte foi comparada com a rainha Semíramis, da Babilônia, por seu apoio às artes.

“E antes dele”: após comentar as melhorias feitas por Bonaparte, Narciso Mengozzi retorna a Pietro Leopoldo e, por três páginas, elenca suas reformas, terminando com as introduzidas por Ferdinando III. Pound coloca a redução da dívida pública no topo da lista.

“mortmain”, “morte main”, “mão morta”: privilégio da propriedade perpétua da terra, geralmente concedido ao clero, mas também às corporações.

“Val di Chiana”: vale do rio Chiana, na Toscana. A referência ao “porto franco” se refere ao fato de que Leopoldo II, filho e sucessor de Ferdinando III, abriu o porto de Livorno.

“Madame Letizia”: Maria Letícia Ramolino Bonaparte (1750-1836), mãe de Napoleão. Ela esteve em Siena entre 3 a 13 de agosto de 1815. A visita de um membro da família Bonaparte em Siena, dois meses após a Batalha de Waterloo, tornou-se uma notícia qualquer, registrada pelo diarista Bandini.

“Provveditore”, “supervisor”.

Canto XLIII

“serenissimo Dno”, “sereníssimo Senhor”: esta e as seguintes são frases do Documento C (v. Canto anterior).

“et omnia alia juva [jura]”, “e todos os outros direitos”; “eiusdem civitatis Senén” [“ejusdem Civitatis Senarum”], “da mesma cidade de Siena”. A partir de “no terceiro lugar” estão as garantias oferecidas pela cidade de Siena à família Ducal florentina em caso de falência do Monte. “M Dux” é o “Magnus Dux”, o “Grande Duque”; “videlicet alligati”, “a saber, o que se segue”.

“No Nome de Deus…”: a partir daqui, a fonte é outro documento (B1), no qual está registrada a deliberação do Generale Consiglio del Populo (117 membros) na Sala del Mappamondo, em Siena, no dia 4 de março de 1623, após o aval de Florença para a criação do banco.

“Tuscanissimo”: abreviação de “Toscana Serenissimo”; “siano soddisfatti”, “estão satisfeitos”; “Ob pecuniae scarsitatem”, “por causa da escassez de dinheiro”.

“SP. (…) civitatis”: no documento original, “Senatus Populusque Senensis, ac pro eo amplissimum Baliae Collegium cujus vigilantiae totius Civitas”, “o Senado e o povo de Siena e, em seu nome, o Ilustre Colegiado do Bailio e sua vigilância sobre todo a cidade”.

“Urbano (…) eleito”: no documento original, “Urbano Octavo Summo Pontifice, Ferdinando Secundo Romanorum Imperator electo, et Sermo Ferdinando Secundo Hetruriae Magno Duce quinto, Domino Nostro feliciter dominante”, “Urbano VIII, Sumo Pontífice, Fernando II, Imperador Romano eleito, e o Sereníssimo Ferdinando II, o quinto Grão-Duque da Toscana, Nosso feliz governante”. Urbano VIII era Maffeo Barberini (1568-1644), filho de um nobre florentino; tornou-se papa em 1623. O Grão-Duque da Toscana era Ferdinando II (1578-1637).

“1251 dos Protocolos”: local em que estava guardado o documento nos arquivos de Siena. O documento estava em uma coleção chamada “Notarile postcosimiano”, e o nº 1251 era o “Libro dei protocolli del notaio Livio Pasquini”, “Livro dos protocolos do notário Livio Pasquini”.

“carroccio”: espécie de carro alegórico que desfila no Palio, em Siena, após a corrida de cavalos. É puxado por quatro bois.

“águias de ouro”: símbolo da guilda predominante na “contrada” (distrito) onde Pound alugou um quarto em Siena. No caso, a guilda dos notários (Aquila). Mais adiante, Pound menciona “17 estandartes” porque apenas 17 distritos podiam participar do Palio.

“São Jorge…”: Pound enumera os símbolos que viu no carroccio. “Nicchio” era o nome de outra contrada, simbolizada por uma concha marinha.

“salite”, “caminho da colina”; “laudate pueri”, “louvem, meninos”; “Duomo” é a catedral de Siena.

“quocunque aliunde”, “quorumcumque aliorum”, “quaisquer outros”: cada cidadão de Siena seria responsabilizado e taxado em caso de falência do Monte a fim de ressarcir a família ducal.

“ducatorum? no. ducentorum”, “de ducados? não. de duzentos”.

“Estar ou não estar amarrado à Loja de Penhores”: o Monte dei Paschi estava “amarrado” ao Monte di Pietà no negócio.

“libris septem”, “sete libras”; “summam, scutorum”, “a soma dos scudi”.

“Fora de Siracusa”: Pound se refere a uma história contada por Demóstenes no discurso “Contra Zenothemis”.

“S.O.”: Standard Oil. Referência ao escândalo Teapot Dome (1921-23), no qual o então Secretário do Interior do governo Harding, Albert B. Fall (1861-1944), recebeu 385 mil dólares de propina para dar a concessão de uma lucrativa reserva de petróleo em Teapot Dome, no Wyoming, à Standard Oil. Fall cedeu a concessão sem que houvesse concorrência pública. Um operador local, enfurecido com tudo isso, escreveu para um dos senadores que representavam o estado e exigiu uma investigação. As concessões não eram ilegais, ao contrário do súbito enriquecimento de Fall. Ele foi o primeiro membro de um gabinete presidencial a ser preso por corrupção. A pena foi de um ano.

“PIEDADE”: o Monte di Pietà, também chamado de Loja de Penhores, pois oferecia empréstimos com juros baixos para os mais necessitados. Em outras cidades, instituições assim foram fundadas pelos franciscanos, mas, em Siena, o Pietà pertencia à cidade. Dada a sua indisposição para com quaisquer práticas usurárias, Pound sustenta que o Pietà não era nenhuma instituição de caridade, mas algo capaz de fomentar bons negócios e ajudar a população.

“Illus Balia eseguisca in tutto”, “L’Illre. Balia eseguiva in tutto” (“o ilustre Bailio executa em tudo”): diretiva no ato pelo qual Maria Maddalena Tutrice cede o poder executivo relativo ao Monte dei Paschi para o Bailio de Siena, em dezembro de 1622.

“hoc die decim’ octavo”, “neste décimo oitavo dia”: Pound retorna à transcrição de Pasquini (B2), datada de 18 de julho de 1623. O latim correto seria “hac die decima octava”.

“Celso”: Celso Cittadini (1555-1627), filólogo e arquivista de Siena.

“elevado a Senhoria”: o Monte tinha poderes políticos e judiciais em Siena.

“Paris Bolgarini”: membro do Bailio que participou das deliberações sobre a petição para a criação do Monte.

“cancellarius”: “secretário”.

“entrate”: “entradas”, isto é, receitas advindas dos impostos.

“gabelle”: imposto especial de consumo, do tipo que recai em produtos como sal, combustível, tabaco etc.

“dogana”: alfândega, aduana.

“janeiro de 1622”: referência ao documento (A2) de aprovação ducal.

“dinheiro negro”: dinheiro em chumbo.

“Monte di Firenze, vacabile”: banco florentino fundado por Ferdinando I em 1591. O termo “vacabile” se refere à taxa de juros dos títulos emitidos pelo banco (8,5%), títulos que se extinguiam com a morte do obrigacionista. Os títulos do Monte dei Paschi eram “non-vacabili”: perpétuos, com 5% de juros.

“admitiram os bandidos”: no original, “gangsters admitted”. Que tal “bandidos admitidos”? Ou “admitem-se bandidos”?

“Orazio della Rena”: secretário de Maria Maddalena.

“Orbem bellis, urbem gabellis (…) implevit”, “Urbano VIII encheu o mundo de guerras e a cidade de impostos”.

“Monte Paschale, fatto Signoria”: Montepescali, cidadezinha perto de Grosseto, ao Sul de Siena.

“1676 (…) Grão-Duque”: no caso, trata-se de Cosimo III (1642-1723, reinou entre 1670 e 1723), filho de Ferdinando II.

“non intendeva di quella materia”, “ele não entendia aquelas questões”.

“Buonomini”, “bons homens”. No caso, seria “dos Buonomini”.

“fundação Tolomei”: Celso Tolomei deixou dinheiro para um colégio, ao qual o Monte fez um empréstimo sem juros em 1678.

“Paschi di detta Città”, “pastagens da referida cidade”.

“Cautele”, “garantias”.

“Florença 1749 (…) 12,000”: empréstimos feitos pelo imperador dos Habsburgo, Francisco I, para a construção de obras públicas. Os empréstimos foram feitos após a extinção da família Medici, em 1737, mas antes que Pietro Leopoldo se tornasse Grão-Duque, em 1765.

A quinta década dos Cantos XLII-LI (1937)

 

CANTO XLII
A fundação do Monte dei Paschi, em Siena.

CANTO XLIII
Ainda o Monte dei Paschi.
Demóstenes, “Contra Zenothemis”.
Escândalo de Teapot Dome.

CANTO XLIV
As reformas de Pietro Leopoldo.
Invasão napoleônica da Toscana,
tornada Reino da Etrúria.
O caráter de Maria Luísa.

CANTO XLV
O célebre “Canto da Usura”.

CANTO XLVI
No qual voltamos ao ideário econômico
advogado por Pound.
O “crime” do Banco da Inglaterra.
“Hic est hyper-usura.”

CANTO XLVII
Voltamos à cama de Circe,
que informa a Odisseu o que ele precisa fazer
(invocar as ânimas dos mortos e falar com Tirésias).
O mito de Adônis (Tamuz):
catábase, dromena, epopteia.

CANTO XLVIII
Império Otomano: dissolução.
Grande Guerra Turca e Cerco de Viena.
As memórias de von Unruh.
Mais escrotidão antissemita de Pound.
Das memórias de Mary de Rachewiltz.
Pound e Eliot revisitados (1919).

CANTO XLIX
O “canto dos sete lagos”.
As Oito Paisagens do Xiao-Xiang.
E dois poemas antigos das notas de Fenollosa.

CANTO L
Leopoldo e a decadência de Florença.
Napoleão: ascensão e queda.
Lalage e Dirce.

CANTO LI
O “quinto elemento” segundo Napoleão.
Os versos sobre a usura (XLV) revisitados
com uma dicção moderna.
Grosseteste e a luz.
O voo de Geryone. A Liga de Cambrai.
Retificação dos nomes.

Canto XLII

“Palmerston”: Henry John Temple, 3º Visconde Palmerston (1784-1865), político britânico e lider do Partido Liberal. Foi primeiro-ministro entre 1855 e 65. Pound cita uma carta dele para John Russell (1792-1898), outro político liberal, escrita em 1863. Palmerston reaparece nos Cantos 52, 89 e 104, e é apresentado sempre favoravelmente.

re / Chas. H. Adams”: Charles Francis Adams (1807-1886), neto de John Adams, historiador e político norte-americano. Como os britânicos importavam algodão dos estados sulistas, temia-se que eles se posicionassem contra a União e a favor dos Confederados. Assim, durante a Guerra Civil, Adams atuou como enviado dos EUA na Inglaterra e conseguiu assegurar a neutralidade inglesa.

“velho etcetera… monumento”: referência ao memorial da Rainha Vitória, localizado defronte ao Palácio de Buckingham.

“H.G.”: Herbert George Wells (1866-1946), romancista britânico.

“Lex salica”: a Lei Sálica foi criada por Clovis I, rei dos Francos, no século V. Entre outras coisas, ela excluiu as mulheres das sucessões reais. Acaso a Inglaterra seguisse essa lei, Vitória (por exemplo) jamais teria assumido o trono.

“Lex germanica”: na lei alemã, havia uma igualdade entre os irmãos herdeiros e, caso não houvesse homens, as mulheres podiam herdar e até mesmo controlar a propriedade. Pound sugere, com ironia, que a sucessão britânica segue a lei germânica.

“Antoninus”: Antonino Pio (86-161 d.C.), imperador romano tido como um excelente administrador.

“a lei regia no mar”: resposta de Antonino à petição de um mercador da Nicomédia (atual İzmit, na Turquia) chamado Eudaemones. O mercador alegou que seu navio tinha naufragado, e que fiscais das Cíclades confiscaram suas propriedades. Chamando Antonino de “kyrios”, “Senhor do Mundo”, Eudaemones pede que seja poupado do confisco. Daí a resposta de Antonino: “Eu governo a terra, mas a lei [de Rodes] governa o mar, e nisso não contradiz a lei romana”. Essa “lei marítima” previa a usura, justificando o confisco dos bens do mercador para saldar as dívidas que tivesse. Pound retorna à resposta de Antonino nos Cantos 46, 78 e 87.

Os dizeres de Antonino ligam o início do Canto (em que a postura de Palmerston deixa claro que, embora Vitória seja retratada como a “imperatriz do mundo”, quem governa são os ministros e políticos) à principal história do poema: a fundação do Monte dei Paschi. Sobre a fundação do Monte, vemos como as receitas dos impostos poderiam ser usadas para garantir um empreendimento bancário dos mais arriscados, em uma época na qual o poder político na Toscana era débil. Assim, o Canto expõe ao ridículo as contradições entre os soberanos e as leis que regem, de fato, um determinado estado ou comunidade. Assim como Eudaemones pediu uma reparação ao imperador, os senenses pediram aos seus governantes que ajudassem a cidade, estendendo os acordos legais existentes entre Siena e Florença.

“Ilustre Colegiado”: Collegio di Balìa, o senado de Siena, constituído por vinte membros (“Bailio”) escolhidos pelo duque.

“Monte”: o Monte dei Paschi (Monte das Pastagens) derivou seu nome do já existente Monte di Pietà, a casa de penhores de Siena. Embora Pound apresente a fundação do Monte como tendo ocorrido em 1624 e en separado do Monte di Pietà, historiadores demonstraram a continuidade entre as duas instituições e consideram uma só data para a criação de ambos (1472).

“banco di giro”: faz movimentações financeiras entre contas de indivíduos e empresas por meio de anotações nos livros de cada conta, sem a necessidade de lançar títulos ou cheques.

“pareceres”: nos Cantos 42 e 43, Pound recorre a três conjuntos de documentos: o relatório do senado florentino para a família ducal com respeito à petição dos senenses e, depois, a aprovação da petição em 30 de dezembro de 1622, autenticada em 2 de janeiro de 1623; a reunião dos membros do conselho senense para discutir o estatuto e as garantias do banco na Sala del Mappamondo da câmara da cidade, em 4 de março de 1623, autenticada por Livio Pasquini em 18 julho de 1623; e o documento de fundação do Monte, escrito em latim e italiano, em 2 de novembro de 1624, assinado por Pasquini (representando Siena) e Nicolaus Ulixis (representando Florença). Pound inicia sua apresentação dos materiais de Siena in medias res, com a reunião dos conselheiros em 4 de março de 1623. Ele retorna à mesma cena (e ao que foi acordado ali) no começo do Canto 43.

“Senado”: Cosimo I derrotou Siena na guerra de 1555, quando a cidade perdeu sua independência e se tornou parte do Grande Ducado da Toscana. Assim, todas as decisões relativas à criação do Monte dei Paschi foram tomadas em Florença, cujo Senado era composto por 48 homens. Foram eles quem apresentaram à família ducal a petição do Bailio senense para criar um novo “Monte” a partir de recursos recebidos via impostos, em um relatório de 29 de dezembro de 1622.

“contrato”: no original, “contrade”. Trata-se de uma mancada do tradutor. “Contrade”, em italiano, significa “bairros”, “distritos”.

“cai a onda…”: esses quatro versos funcionam como uma transição lírica entre a primeira parte, sobre o estabelecimento do Monte, à segunda, que retorna à petição dos senenses.

“AA VV”: “Altezze vostre”, “vossas altezas” (letras duplicadas como indicativo do plural). Mais abaixo, “Luoghi”, “instituições”, “organizações”.

“Grão-Duque”: à época, Ferdinando II (1610-1670), que ainda era menor de idade.

“‘A Abundância'”: “L’Abbondanza”, magistratura responsável pela distribuição de grãos em tempos de escassez.

“Nicolo (…) Gionfiglioli”: Pound escreve erroneamente os nomes desses dois signatários. O correto: Niccolò dell’Antella e Horatio Gianfigliazzi.

“Tutrice”: tutora. “Xembre”: dezembro.

“Fabbizio bollo vedo”: Pound parodia o nome de Fabrizio Colloredo. “bollo vedo” significa “vejo um selo” em italiano. Com “Cenzio Grcolini”, outra paródia (de Orazio Ercolani).

“ACTUM SENIS”, “transacionado em Siena”.

“o eco retornou à minha mente”: referência a três cidades do norte da Itália, localizadas entre Milão e Veneza — Pavia, Vincenza e Verona (a igreja San Zeno e o rio Adige são citados no trecho).

“Nicolaus Ulivis de Cagnascis”: Nicolaus Ulixis de Magnanis, notário florentino que assinou o documento de fundação do Monte dei Paschi junto com o notário senense Livio Pasquini. “Ulivi”, “oliveiras”; “Ulixis” remete a “Ulisses”.

“Senatus Populusque Senensis”, “o Senado e o povo de Siena”; “OB PECUNIAE SCARSITATEM”, “por causa da escassez de dinheiro”; “Monte non vacabilis publico”, “ações não expiram com a morte”. Aqui, Pound retorna ao documento de 2 de novembro de 1624, no qual os senenses apresentam as razões para a fundação do Monte.

“com precauções”: no caso, as garantias que Siena oferecia à família ducal para a criação do banco. A primeira precaução é de que os lucros seriam usados para cobrir perdas, e que o banco manteria uma pequena reserva para quaisquer eventualidades.

“die decima ottava”: dia 18.

“Della Rena”: Horatio della Rena, secretário da tutora Maria Maddalena e um dos signatários do ato de 30 de dezembro de 1622, pelo qual o estabelecimento do Monte foi aprovado pela família ducal. “Don Ferdinandus”: Ferdinando II, o Gão-Duque.

O logo que aparece no Canto é o brasão da família Chigi, banqueiros em Siena desde o século XV. Agostino Chigi estava entre os primeiros magistrados do Monte. Em 1933, quando o conde Guido Chigi Saracini fundou sua Accademia Musicale Chigiana, ela foi patrocinada pelo Monte. Olga Rudge, a amante de Pound, tornou-se a primeira secretária da Accademia, o que suscitou o interesse do poeta por Siena e sua história.

“Chigi, Soffici (…) St. Alban”: Agostino Chigi, Alessandro de Sozzini, Marcellus de Agostini, Cesare Marescotti di Mont’Albano, os oficiais responsáveis pela administração do Monte dei Paschi em 1624.

“Loca Montis”: ações no Monte.

“ex certe scientia et”, “a partir de conhecimento certo” (segundo a tradução do próprio Pound no verso anterior).

“de libris septeno”: o correto seria “de libris septem”, “de sete libras”. Cada escudo valia 7 libras.

Canto XL

“esprit de corps”: Pound cita uma carta de Jefferson para Albert Gallatin (13 de dezembro de 1803), em que o norte-americano enumera as vantagens da rotatividade dos congressistas dos EUA.

“De banchis cambi tenendi…”, “banco de câmbio”: citação de Storia delle banche, de Pietro Rota. Em 1361, o senado veneziano discutiu a necessidade da criação de bancos para regular as taxas e as transações entre os diversos estados. No entanto, foi apenas em 1584 (“guardado por uns dois séculos”) que o primeiro banco público foi criado na cidade, o Banco della Piazza del Rialto.

“sete merlins”: no original, “seven marlin”, isto é, “espadins”. De uma carta de Hemingway para Pound, 22 de julho de 1933.

“Peabody”: George Peabody (1795-1869), banqueiro norte-americano, especializou-se em canalizar investimentos britânicos para os EUA. Era um concorrente dos Rothschild. Em 1857, durante uma crise, o Bank of England tentou arruiná-lo ao recusar um empréstimo substancial.

“D’ARCY”: William Knox D’Arcy (1849-1917), negociante britânico que investiu na prospecção de petróleo na Pérsia. Criou a Anglo-Persian Oil Company.

“’62, relatório do comitê”: em 1862, um comitê do congresso dos EUA investigou e identificou várias fraudes cometidas durante a Guerra Civil, algumas delas pelo banqueiro John Pierpont Morgan (1837-1913), que vendeu armas danificadas que pertenciam à União para a própria União, lucrando horrores com isso. No ano seguinte, e isso também é mencionado no Canto (“por forçar a alta do ouro”), Morgan comprou uma grande quantidade de ouro a um preço baixo e enviou a metade para a Inglaterra; com a escassez de ouro no mercado dos EUA, o preço foi às alturas. Além disso, o preço do ouro subia com as vitórias dos Confederados e caía com as vitórias da União, fato mencionado pela fonte de Pound (Lewis Corey, House of Morgan).

“Boutwell”: George S. Boutwell (1818-1905), político de Massachusetts, foi Secretário do Tesouro no governo de Ulysses Grant (1869-73).

“A igreja de Beecher”: Henry Ward Beecher (1813-87), da Plymouth Church, no Brooklyn, Nova York, e irmão de Harriet Beecher Stowe.

“Belmont representando os Rothschild”: August Belmont (1816-90), financista e político de ascendência judia. Nascido na Alemanha, aprendeu o ofício no banco dos Rothschild em Frankfurt. Enviado por eles para representar seus interesses nos EUA, chegou a Nova York em meio ao Pânico de 1837. Fundou a bem-sucedida firma de investimentos Belmont & Co., participou ativamente do Partido Democrata (então escravista e apoiador do Sul).

“… nenhuma instituição central”: referência à crise de 1907, que contribuiu para a criação do Federal Reserve poucos anos depois.

“A investigação de Pujo”: Arsène Paulin Pujo (1861-39), advogado e congressista pela Louisiana, presidiu um subcomitê que investigou a criação de monopólios por banqueiros de Wall Street. Eles descobriram que poucos financistas controlavam as manufaturas, os transportes, as minas, as telecomunicações e os mercados financeiros. No caso, corporações controladas por Morgan, George F. Baker (presidente do First National Bank, o “tenente” de Morgan, segundo Corey) e James Stillman. Essas descobertas levaram à ratificação da 16ª Emenda, à criação do Federal Reserve e à aprovação do Clayton Antitrust Act.

“Palladio”: Andrea Palladio (1518-1580), arquiteto nascido em Pádua, trabalhou em Veneza e região.

“ÁGALMA”: ornamento.

“… procurando uma saída”: transição para a segunda parte do Canto, dedicada à viagem do cartaginês Hanno (ou Hanão) pela costa oeste africana, em c. 470 a.C. Hanno fundou sete cidades no litoral marroquino, todas elas citadas no decorrer do Canto: Thumiatehyon (atual Mehdia), Karikon, Gutta, Akra, Meli e Arambo. Os “pilares de Herakles” correspondem ao Estreito de Gibraltar. “Lixos” (ou Lixus”) era o nome antigo do rio Draal, o mais extenso do Marrocos. “Lixtus” são a Cordilheira do Atlas. “Xrestes”: o rio Senegal, provavelmente. A “ampla baía ou estuário” pode ser a boca do rio Gâmbia.

“De tais coisas procurando uma saída”: paralelismo entre a corrupção nos EUA mencionada anteriormente e a viagem de saques e colonização empreendida por Hanno.

“empíreo”: ἔμπυρος, “em fogo”, a parte mais elevada do Paraíso (conforme Dante, Paraíso XXXI).

“Nous”: aqui, refere-se ao mundo platônico/neoplatônico das ideias.

“Karxedonion Basileos”, “[do] rei dos cartagineses”.

“templo”: o templo fenício de Baal, onde Hanno gravou em uma estela votiva o relato de sua viagem ou périplo pela África.

Canto XLI

“Ma questo (…) è divertente”, “Mas isso é divertido”: Mussolini, o “Chefe”, teria dito isso para Pound ao folhear o exemplar de A Draft of XXX Cantos com que fora presenteado pelo poeta, quando da célebre audiência em 30 de janeiro de 1933. O que ele achou divertido foi o inglês estropiado que Pound colocou na boca de um judeu em um dos poemas.

“Esperou 2000 mil anos”: Pound apresenta Mussolini como um homem que intuiu tudo aquilo de que a Itália precisava, mas era por demais inerte (a Itália, não Mussolini) para atingir seus objetivos por culpa do conservadorismo reinante. Assim, as realizações de Mussolini após chegar ao poder (citadas no Canto: as drenagens e construções de canais em Vada e na região do Monte Circeo) são dignas de comparação com as construções e projetos da Antiga Roma.

“XI de nossa era”: a “Era Fascista” começara em 27 de outubro de 1922, com a Marcha sobre Roma e a ascensão de Mussolini ao poder.

“mezzo-yit”: “meio judeu”.

“confine”: “confino”, “colonie di confino”. Lugares de detenção forçada para os politicamente “indesejáveis”, em ilhas isoladas: Ustica, Favignana, Lipari, Pantelleria, Lampedusa, San Nicola e San Domino.

“Noi ci facciam sgannar per Mussolini”, “Nós nos deixamos ser massacrados por Mussolini”.

“‘Onde vai o Papa…'”: Giovanni Uzzano descrevendo as dificuldades monetárias na Florença do século XV. “Messire Uzzano”: Pound não leu o livro de Uzzano, La pratica della mercatura (1442), mas encontrou uma citação em Storia delle banche, de Pietro Rota.

“Onze horas…”: nesse trecho, Pound reconta algumas anedotas sobre Mussolini narradas na biografia Dux, de Margherita Sarfatti.

“Geschichte und Lebensbilder…”: o livro de Baur citado (em tradução livre, “História e Imagens da Vida [da] Renovação da Vida Religiosa nas Guerras de Libertação Alemãs”) foi publicado em 1864; a cópia de Unruh era da edição de 1908. Pound intercala o título original do livro com algo que Mussolini escreveu em seus diários: “In guerra, poi, l’elemento temperatura ha enorme importanza; e nella guerra d’alta montagna, importanza assoluta, anche agli effetti pratici”.

“Augusta Victoria”: Augusta Victoria von Schleswig Holstein (1858-1921), imperatriz alemã e rainha da Prússia por seu casamento com Guilherme II. Ela teria dado o exemplar do livro de Baur para Unruh.

“na guerra da montanha”: a região ao norte da Itália, onde esta pretendia conquistar territórios do Império Austro-Húngaro na Primeira Guerra Mundial.

“ordine, contrordine e disordine”, “ordem, contraordem e desordem”: outra entrada dos diários de Mussolini citada por Sarfatti; “una pace qualunque”, “qualquer paz”.

“… o hospital onde Mussolini”: no inverno de 1916-17, Mussolini lutou nas trincheiras em Doberdó, como parte do esforço italiano de abrir caminho rumo a Trieste. Em 23 de fevereiro de 1917, ele foi gravemente ferido e levado para um hospital próximo. Os austríacos bombardearam o prédio em 18 de março de 1917. Os pacientes foram evacuados, mas, como o estado de Mussolini fosse grave, ele permaneceu no hospital com os médicos, enfermeiros e o capelão. A foto que ilustra o post é de Mussolini no front.

“Feldmarshall Hindenburg”: ninguém menos que Paul von Hindenburg (1847-1934), general e político alemão, veterano de várias guerras, vencedor na Batalha de Tannenberg, presidente da Alemanha durante a República de Weimar e personagem importantíssimo (por omissão e falta de traquejo político) na ascensão de Hitler à chancelaria.

“Mas o pai de Fritz”: Karl von Unruh (1843-1912), militar e pai do escritor e pacifista alemão; Pound conheceu Fritz em 1912, em Rapallo.

“Batalha de Waffenschlag”: inventada por Pound. “Waffenschlag” é um trocadilho bobo, significando “golpe por/de arma”.

“… àquela águia um portento”: em Udine, no dia 20 de setembro de 1922, durante um comício de Mussolini, as pessoas viram uma águia preta voando e interpretaram como um augúrio. Pouco mais de um mês depois, em 28 de outubro, ocorreu a Marcha sobre Roma.

“de licença na França”: deserção.

“… a mamãe de Winston”: Lady Randolph Churchill (1854-1921).

“… Winston ao seu primo”: o primo-irmão, no caso, é John Randolph Leslie (1885–1971), diplomata e escritor.

“Crevel”: René Crevel (1900-1935), escritor surrealista francês. “Esperanza, Primrose e Augusta” são, respectivamente, a duquesa de Monte Putina, a marquesa de Sussex e arquiduquesa austríaca, e as três protagonistas do romance Les Pieds dans le plat, de Clevel.

“Cosimo Primeiro”: Cosimo I de Médici (1519-74), grande duque da Toscana. Ele “garantiu” a fundação do banco Monte dei Paschi em Siena após conquistar a cidasde em 1554.

“Woergl”: Wörgl, cidadezinha austríaca que colocou em prática a teoria do Schwundgeld, de Silvio Gesell. O “C.H.” citado antes é, claro, Clifford Hugh Douglas, inventor do Crédito Social.

“Conde de Vergennes”: Charles Gravier (1719-1787), diplomata e estadista francês, Ministro do Exterior de Luís XVI, trabalhou para enfraquecer a Grã-Bretanha usando fundos estatais para financiar insurreições na América e na Índia. Pound cita uma carta de Jefferson para Gravier. O norte-americano era, então, embaixador dos EUA na França, daí a menção no verso seguinte ao “consumo de tabaco” (produto exportado pela Virginia). Nos versos seguintes, Pound cita várias cartas de Jefferson, para a “Sra. Trist”, Eliza House, que cuidou da filha dele enquanto ele esteve em Paris, e para James Monroe e Gallatin.

“Sr. Hatfield”: Robert Abbott Hadfield (1858-1940), britânico, dono da Hadfield Steel Foundry, em Sheffield.

“ad interim”, “por agora”.

“Ado”, de Connie Willis

Eis um excelente conto da norte-americana Connie Willis (1945). Quem me enviou foi a querida Maira Parula. O conto integra a coletânea Impossible Things (Bantam Books, 1994) e foi publicado no Brasil pela Isaac Asimov Magazine nº 3 (julho de 1990). A tradução é de Ronaldo Sergio de Biasi.

Leia “Ado” clicando AQUI.

 

 

Canto XXXIX

“Na trilha da colina: ‘thkk, thgk'”: Pound alude à localização do palácio de Circe segundo Victor Bérard, em Les Phéniciens et l’Odyssée, sugerindo que se trate da casa da violinista Olga Rudge (foto) em San Ambrogio. Rudge (1885-1996) foi amante de Pound por mais de cinco décadas. Eles tiveram uma filha, Mary de Rachewiltz (1925). O “thkk, thgk” era o som dos ramos de oliveira no térreo da casa. Pound sugere que, a exemplo de Circe, a sedução de Olga se dava por meio da música.

“Quando na lareira de Circe…”: é Elpênor, um dos companheiros de Odisseu, quem fala. A morte de Elpênor (bêbado, caindo do telhado da casa de Circe) é referida no Canto I.

“obesos leopardos”: possível referência a Dionísio (o manto com o qual ele às vezes aparece é de pele de leão ou leopardo), sugerindo que o vinho era abundante. A “tisana” é a poção mágica de Circe.

“kακὰ φάρμακ’ ἔδωκεν”, “enfeitiçados por apavorantes fármacos”: Odisseia X, 213 (na tradução de Trajano Vieira. Ed. 34). Pound recorreu a uma edição bilíngue da Odisseia, com o texto em grego e latim: Homeri opera omnia: ex recensione et cum notis Samuelis Clarkii, S.T.P. Accessit varietas lectionum ms. lips. et edd. veterum, cura Jo. Augusti Ernesti: qui et suas notas adspersit. 5 volumes. Glasgow, Londres: Andrew Duncan, Richard Priestley, 1814.

“λύκοι (…) ὀρέστεροι ἠδὲ λέοντες”, “lobos monteses (…) e leões”: Odisseia X, 212 (na tradução de Trajano Vieira. Ed. 34). Pound omite uma palavra (ἦσαν) ao citar o verso: “(…) ἀμφὶ δέ μιν λύκοι ἦσαν ὀρέστεροι ἠδὲ λέοντες”.

“nascida de Helios (…) gêmea”: Circe, é claro.

“Venter venustus, cunni cultrix”, “barriga como a de Vênus, cuidadora da cona”; “Ver novum, canorum, ver novum”, “nova primavera, cantando, nova primavera”. Do poema Pervigilium Veneris (a “Vigília de Vénus”), poema provavelmente escrito no século IV. Há quem o atribua a Tiberiano, há quem diga que é obra de Publius Annius Florus.

“Καλὸν ἀοιδιάει”, “plenirressoando a voz sublime” (de Circe): Odisseia X, 227.

“θεòς, ήὲ γυνή…..φθεγγώμεθα θα̃σσον”, “‘(…) ou uma deusa / ou uma mulher. Chamemo-la, soerguendo a voz!'”: Odisseia X, 227-8. É Polites, outro companheiro de Odisseu, quem fala.

“illa dolore obmutuit pariter vocem”, “[Ela], com a dor, fica muda. / Esta afoga-lhe ao mesmo tempo a voz (…)”: Metamorfoses XIII, 538-39 (na tradução de Domingos Lucas Dias. Ed. 34). “Ela”, no caso, é Hécuba, rainha da Troia, ao contemplar o corpo de seu filho caçula, Polidoro, que julgava a salvo na Trácia. Na edição da Odisseia usada por Pound, esse trecho de Ovídio está em uma nota de rodapé relativa ao momento em que Euríloco retorna ao navio para contar a Odisseu e aos outros a recepção que tiveram na casa de Circe, que transformou os companheiros em suínos (Odisseia X, 246-8): “Falhava nas palavras, por mais que as buscasse, / que a dor profunda o solapava. Seu olhar / vidrava, o coração queria prantear”.

“Ἀλλ᾽ ἄλλην χρὴ πρώτον όδὸν τελέσαι, καὶ ἱκέσθαι 490/5 (…) Περσεφόνεια”: “Outra viagem haverás / de executar primeiramente, à residência / do Hades e da terribilíssima Perséfone, / a fim de consultar a psique do tebano / Tirésias, vate cego de epigástrio sólido: / só a ele, mesmo morto, concedeu Perséfone / o sopro da sapiência. Os outros vagam: sombras” (Odisseia X, 489-95).

“Hathor”, “Mava”: não se trata de Hathor, a deusa egípcia, mas de uma entidade masculina, “espécie de Adão ou homem prototípico cuja separação dos animais está apenas começando” (como escreve Richard Sawyer AQUI). Nos primeiros rascunhos do Canto, analisados por Sawyer, Elpênor (estendido “na lareira de Circe”) narrava uma série de fábulas bestiais envolvendo Hathor e outros seres. Mava é outra deidade inventada por Pound.

“Che mai da me non si parte il diletto”, “que nunca o deleite se afaste de mim”: variação de “che mai da me non si partì ‘l diletto” (Paraíso XXIII, 129), “tal que mais nunca esqueci sua querença” (trad.: Italo Eugenio Mauro. Ed. 34).

“Fulvida di folgore”, “de fulgores fulgindo”: do Paraíso XXX, 62.

“Vim aqui despercebida com Glaucus”: embora Grünewald opte por uma voz feminina, o mais provável é que seja Odisseu quem fale — o que é corroborado pelo trecho em latim “nec ivi in harum / Nec in harum ingressus sum”, “não fui ao chiqueiro / Nem entrei nele”, frase escrita por Pound com referência ao momento em que Odisseu resiste ao feitiço de Circe (Odisseia X, 315-45). A história envolvendo Glauco, Circe e Cila é narrada por Ovídio nas Metamorfoses XIV, 1-74.

“Discuta isso na cama disse a dama”: uma vez que não consegue enfeitiçar Odisseu, Circe se lembra da profecia de Hermes, de que ele (Odisseu) viria, e o convida para se deitar com ela; “Εὺνῆ καὶ φιλότητι, ἔφατα Κίρκη”, “nós dois ao tálamo! A união de nossos corpos / no amor”, Odisseia X, 335-36); “Ἐς θάλαμόν”, “ao próprio tálamo” (Odisseia X, 340).

“Eurilochus”: um dos companheiros de Odisseu, está no primeiro grupo que vai à casa de Circe, mas, “temendo o ardil”, não entra e não é enfeitiçado (transformado em suíno). Euríloco corre ao navio para contar a Odisseu que os companheiros não retornaram. Depois (Odisseia XI), é o mesmo Euríloco quem insta os companheiros a matar e comer os gados de Hélio-Sol, causando a morte de todos (exceto, claro, Odisseu).

“Macer”: Macareu é outro companheiro de Odisseu, que, nas Metamorfoses (XIV, 223-314), reconta a história envolvendo Circe, Odisseu e os demais. Sendo um dos transformados em porcos, afirma que Euríloco adentrou a casa, mas não bebeu a poção de Circe, e só então foi alertar Odisseu. Ou seja, Macareu deve sua vida a Euríloco (até porque deserta antes que cheguem à ilha de Hélio-Sol).

“… com boas escândeas”: Pound introduz, assim, a perspectiva dos desertores (Macareu) e traidores (Euríloco).

“Ad Orcum autem (…) pervenit”, “Para o Hades nenhum homem jamais foi em embarcação escura”: Pound parafraseia o verso da tradução latina da Odisseia (X, 502) que está lendo, “Ad Orcum autem nondum quisquam pervenit nave nigra”. No original, “Ἄϊδος δ᾽ οὔπώ τις ἀφίκετο νηὶ μελαίνῃ”, “Jamais / alguém desceu ao Hades num baixel escuro” (Trajano Vieira). Em seguida, volta a parafrasear/parodiar: “Já foi de bote para o inferno?”.

Os dois versos seguintes são de Catulo, 34 (“Hino a Diana”): “Sumus in fide”, “sob a tutela [de Diana]”; “Puellaeque canamus”, “puras cantaremos”. A seguir, uma expressão retirada de um verso de Virgílio, Eneida VI, 268: “sub nocte”, “sob a noite”. Os versos (269-69) completos: “Ibant obscuri sola sub nocte per umbram / perque domos Ditis vacuas et inania regna:”, “Sem vacilar, adiantaram-se pelo negrume da noite / e as moradias inanes de Dite e seus reinos desertos” (na tradução de Carlos Alberto Nunes. Ed. 34). Sobre Catulo, leia AQUI um estudo e uma tradução do poema.

“Flora”: deusa romana da primavera e das flores.

“ERI MEN AI TE KUDONIAI”, “na primavera os marmelos”.

“Betuene Aprile and Merche”: possível referência ao poema “Alisoun”, cujo primeiro verso é “Bitweene Merch and Averil”. Leia AQUI.

“Por Circeo, por Terracina”: Pound visitou esses lugares em outubro de 1930. Circeo é um promontório a cerca de 100km a sudoeste de Roma. Bérard afirma em seu livro que Circeo seria, na verdade, a ilha de Circe (“Circeo” seria uma tradução latina do nome homérico (semítico) “Aeaea”). Terracina é um pequeno porto localizado a 25Km a leste de Circeo. Perto de Terracina, estão as ruínas de um templo dedicado a Zeus e Juno.

“‘Fac deum!’ ‘Est Factus.'”, “‘Faça deus!’ ‘Está feito.”

“A traverso le foglie”, “através das folhas”.

“Sic loquitur (…) nupta”, “Assim falou a noiva / Assim cantou a noiva”. A “noiva” seria Olga? E o encontro carnal descrito (“Mesclado de carne e luz), dela com Pound? Talvez.