Canto XLVIII

“E se o dinheiro fosse arrendado”: v. Canto XLVII e a forma como o Bank of England cobrava juros do governo inglês para emitir moeda. No verso seguinte, uma referência ao “dinheiro que desaparece” (“Schwundgeld”) citado por Silvio Gesell. Em Wörgl, uma cidadezinha austríaca, entre 1932 e 33, Gesell observou que era preciso colar um selo a cada semana em cada nota para preservar o valor desta. Quando não havia mais lugar para colar os selos, a nota era jogada fora e substituída. O selo poderia ser considerado um “imposto sobre o dinheiro” ou “arrendamento” (ou “aluguel”).

“Mahomet VIº Yahid Eddin Han”: Mehmet VI Vahideddin (1861-1926) foi o último sultão (1918-1922) do Império Otomano, o qual foi dissolvido após a derrota na Primeira Guerra Mundial e substituído, em 1922, pela República da Turquia, tendo Mustafá Kemal como primeiro presidente (outubro de 1923). Mehmet era filho de Abdul Mejid (1823-1861, reinou entre 1839 e 61), morto quando o filho tinha apenas seis meses de idade. Mejid fez diversas reformas e aproximou o império das potências ocidentais, em especial da Inglaterra e da França.

A “beatificação” referida é de Paula Frassinetti (1809-1882), em 8 de junho de 1930. Ela era uma freira que dedicou a vida a ajudar os mais necessitados. Foi canonizada em 1984.

“Guerra da Turquia”: a Grande Guerra Turca (1677-83) entre o Império Otomano e a Liga Santa (Áustria, Polônia, Veneza e Rússia). Culminou no Cerco de Viena, no qual os otomanos foram derrotados pelo rei polonês Jan III Sobiesk.

“Sr. Kolschitzky”: Jerzy Franciszek Kulczycki (1640-1694), nobre polonês que estabeleceu uma empresa de comércio em Viena e que, durante o cerco, ajudou a resistência contra os otomanos. Chegou, inclusive, a se disfarçar de soldado otomano, passar pelas linhas inimigas e pedir ajuda a Charles V, duque de Lorraine (1643-90), o que se revelou indispensável para a vitória final.

“de Banchiis cambi tenendi”, “banco de câmbio”: Pound não aprovava Kulczycki, por assim dizer, independentemente de seu papel heroico contra os otomanos.

“mil e seiscentos”: em 1683, o Império Otomano chegou ao ápice territorial. A derrota no cerco de Viena (12 de setembro de 1683) e a Paz de Karlowitz interromperam a expansão turca na Europa central, provocando uma política de contenção e declínio que levaria, por fim, à malfadada aliança com a Áustria na Primeira Guerra Mundial.

“Von Unruh”: Fritz von Unruh (1885-1970), escritor alemão que vivia em Zoagli, perto de Rapallo, e amigo de Pound, já citado no Canto XLI.

“Kaiser”: o imperador alemão Guilherme II (1859-1941), chamado por Pound de “aquele nojento em Berlim” no verso 47 do Canto XXXVIII.

“Verdun”: a mais longa batalha da Primeira Guerra, travada entre 21 de fevereiro e 18 de dezembro de 1916. Estima-se que mais 700 mil perderam a vida por lá.

“e o que escreveu”: Fritz von Unruh escreveu sobre suas experiências na guerra no romance Opfergang (1918). A anedota sobre o sargento não aparece no livro.

“Sr. Charles Francis Adams”: Pound retorna ao papel de Adams em Londres durante a Guerra Civil, já referido no Canto XLII. Como os britânicos importavam algodão dos estados sulistas, temia-se que eles se posicionassem contra a União e a favor dos Confederados. Assim, durante a Guerra Civil, Adams atuou como enviado dos EUA na Inglaterra e conseguiu assegurar a neutralidade inglesa.

“Van Buren havendo registrado”: referência à autobiografia do presidente norte-americano.

“John Adams”: possível referência a uma carta de Adams para Jefferson datada de 9 de julho de 1813, em que o missivista comenta sobre a obliteração de registros históricos. Essa carta será novamente mencionada no Canto LXXI.

“tornem-se pais…”: d’O Capital, quando Marx se refere à exploração do trabalho infantil na Inglaterra vitoriana.

“Bismarck”: Otto von Bismarck (1815-1898), estadista alemão. Bismarck é tido como o responsável pela vitória alemã na Guerra Franco-Prussiana (1870-71) e a unificação da Alemanha. Da unificação, em 1871, até 1890, ele foi o primeiro chanceler do país.

“culpava”: do artigo “The Mystery of the Civil War and Lincoln’s Death”, de Dudley Pelley, no jornal Liberation (10 de fevereiro de 1934). O antissemitismo de Pound volta a marcar presença, em especial aqui e nos versos seguintes, quando se ocupa de desancar os Rothschild e Benjamin Disraeli (1804-1881), primeiro-ministro inglês (1874-1880) de ascendência judia. A suposta fala de Lionel de Rothschild (1808-1879) para Disraeli é citada no livro Money: Questions and Answers, do padre Charles Coughlin (1891-1979), célebre propagandista do nazismo.

“Δίγονος”, “digonos”, “nascido duas vezes”: Dionísio.

“Cawdor, 23 de set.”: carta de A. E. Evans para o príncipe de Mônaco. Diferentemente do cachorro Dhu Achil (“Aquiles Negro”, em gaélico), o “Sr. Rhumby”, Bainbridge Colby (1869-1950), secretário de estado no governo de Woodrow Wilson, não tinha “pedigree” e foi escolhido para o cargo em meio a uma bebedeira.

“err’ un’ imbecile (…) mondo”, “era um imbecil e emburreceu o mundo” (no caso, Galileu).

“12% de rendimentos na Bitínia”: a província da Bitínia localizava-se no noroeste da Turquia, nas margens do Mar de Mármara (Propontis) e do Mar Negro (Pontus Euxinus), a leste de Tróia. Fez parte do Império Romano e Bizantino de 74 a.C. até ser conquistada pelos otomanos em 1333. A informação sobre os rendimentos está em Claudius Salmasius, De Modo Usurarum.

“Athelstan”: neto de Alfredo, o Grande, Athelstan viveu entre 894 e 939 e foi um rei anglo-saxão (924-39). Graças aos sucessos militares contra os vikings, Athelstan unificou os reinos de Mércia, Wessex, Nortúmbria e York, e é considerado o primeiro a governar todos os ingleses em um reino unido (Rex totius Britanniae). Pound o apresenta como um governante que entendeu a natureza da soberania inglesa como algo baseado no poder marítimo e comercial.

“aqui”: Gais, no Tirol do Sul, onde a filha de Pound, Mary Rudge (depois Mary de Rachewiltz), foi criada por uma família local. Pound e Olga visitavam-na ocasionalmente.

“nuova messa”, “nova missa”.

“dodicesimo anno E.F.”, “o décimo segundo ano da Era Fascista”: entre 28 de outubro de 1933 e 27 de outubro de 1934, segundo o calendário fascista.

“Posso retornar ali”: em Discretions, suas memórias, Mary conta que, em uma viagem ao Lido com seu pai, ela disse que queria ir para “casa”, isto é, Veneza, mas Pound entendeu que ela queria voltar para Gais. Os “sapatos de domingo”, por sua vez, referem-se a um momento de ternura vivido com o pai.

“Veludo (…) orquídea”: metáfora enigmática inspirada em uma tradução de Remy de Gourmont feita por Pound.

“… escada ainda rachada”: Pound visitou Montségur em 23 de junho de 1919. A visita também é mencionada no Canto XXIII (74-81).

“Val Cabrere”: entre Valcabrère e San Bertrand, são pouco mais de dois quilômetros. Pound e Dorothy passaram por ali naquela viagem, e é possível que tenham ido a pé de uma cidade à outra.

“Savairic”: Savari de Mauléon (c.1181-1233), soldado francês, senhor de Mauléon, senescal de Poitou, poeta e patrono de Gaubertz de Poicebot. V. Canto V.

“… não estariam sob Paris”: referência ao Tratado de Paris-Meaus (1229), que pôs fim à Cruzada Albigense e à autonomia política da Occitânia. O protetor militar dos cátaros, Raimundo VII de Toulouse, admitiu a derrota e tornou-se vassalo do rei da França, Luís IX. Suas terras foram transferidas para a coroa francesa após sua morte. Pound gostava de pensar que cavaleiros e trovadores provençais como Savari de Mauléon, Gaubertz de Poicebot e Peire de Maensac não se submeteram à nova situação: ele os imagina indo a Montségur para continuar sua resistência ao poder da Igreja.

“Tombando Marte”: referência a um assassinato brutal no mundo dos insetos que Pound testemunhou em Excideuil, em agosto de 1919, referido por ele em J/M: uma vespa despedaçando uma aranha.

“… ao nível do topo da torre…”: Pound revisita a cena em Excideuil, onde Eliot lhe contou um segredo. Isso já foi referido antes, no Canto XXIX (136-42). As duas cenas, da confissão do poeta e da vespa matando a aranha, são complementares. Elas levam o leitor àquele momento em agosto de 1919, quando dois homens e poetas muito diferentes “se abriram”, por assim dizer. Pound admirava a vespa e se identificava com os trovadores-soldados que resistiram à Igreja; Eliot estava mais preocupado com o problema cristão do pecado e com a própria salvação.

“cesta de pedras”: na praia do Lido, a tarefa desse velho era colocar pedras nas roupas para que não fossem levadas pelo vento.