Canto L

“‘A revolução’ disse o Sr. Adams ‘ocorreu nas / cabeças do povo'”: este Canto remete ao XXXII, no qual essa mesma citação (uma ideia recorrente de Adams, expressa em diversas cartas nos seus últimos anos de vida) aparece.

“… antes de Lexington”: em 19 de abril de 1775, a primeira batalha da Guerra de Independência ocorreu nessa cidadezinha próxima de Boston.

“… na época de Pedro Leopoldo”: Pietro Leopoldo (1747-92), filho de Francisco I, sucedeu seu irmão, José II, como imperador romano-germânico (1790-92), quando passou a se chamar Leopoldo II. Antes, foi Grão-Duque da Toscana (1765-90), a quem Adams procurou a fim de angariar ajuda financeira para a Guerra de Independência. No Canto XXXIII, Pound cita uma carta de Jefferson para Adams na qual o primeiro sugere que busquem a ajuda de Leopoldo. No Canto XLIV, Pound remete às reformas econômicas feitas por Leopoldo como Grão-Duque.

“Conde Orso”: também mencionado no Canto XLIII, a exemplo da “dívida quando os Médici tomaram o trono”. A jurisdição de Orso, concedida pelos Médici, limitava-se à cidadezinha de Monte Pescali, perto de Grosseto. Ele foi orientado a cobrar o imposto do sal, mas sem inflacionar do preço, a não proteger criminosos e a não inventar nada que criasse desaprovação popular. O controle dos Médici sobre a Toscana cessou em 1737.

“a primeira loucura”: Pound encontrou essas informações na Storia civile della Toscana, de Antonio Zorbi (1808-1879), um historiador anticlerical, contrário aos Médici e apoiador dos Habsburgo. A decadência da indústria têxtil de Florença se deu porque os florentinos importavam lã crua da Inglaterra e estabeleceram manufaturas no exterior, a fim de poupar os custos com o transporte. Isso fez com que Flandres e a Inglaterra desenvolvessem suas próprias indústrias e, eventualmente, parassem de trabalhar com Florença.

“as artes foram abaixo”: segundo Zorbi, houve uma decadência generalizada das artes e ciências sob o domínio dos Médici.

“Un’ abbondanza che affamava”, “uma abundância que enfaimava”: criado por Cosimo I no século XVI, o escritório da “Abbondanza” era responsável por supervisionar a importação e a distribuição de grãos na Toscana. Em certas épocas de crise e/ou escassez, o “Abbondanza” não conseguia fazer seu trabalho direito — daí a ideia da “abundância que enfaimava”.

“… o ensaio do Sr. Locke”: no caso, Several Papers Relating to Money, Interest and Trade.

“mas Gênova (…) para o prejuízo de Livorno”: na época da Guerra de Independência, o Sacro Império Romano assinou o tratado de neutralidade com a Inglaterra. Com isso, não obstante as vantagens de fazer comércio com os Estados Unidos, Leopoldo manteve a Toscana fiel a o tratado, e os norte-americanos firmaram uma parceria com Gênova. Ao final da guerra, em 1783, os EUA e Gênova já tinham uma relação comercial estabelecida, ao contrário da Toscana e de seu porto em Livorno. Os toscanos tiveram de recorrer a embarcações genovesas para transportar seus produtos para os EUA.

“Te, admirabile, O VashinnnTTonn!”, “Voi, popoli trasatlantici admirabili”: Zorbi louvando Washington e os EUA.

“e então enviaram-no para ser imperador”: no caso, Leopoldo após a morte do irmão.

“Francisco José”: a exemplo do que faz nos Cantos XVI, XXXV e XXXVIII, Pound expressa seu desprezo pelo imperador austríaco Francisco José (1830-1916).

“na merda de Metternich na podridão absoluta”: Klemens von Metternich (1773-1859) foi um político austríaco. Foi nomeado ministro das relações exteriores em 1809 e chanceler em 1821. Ele é considerado o arquiteto da restauração conservadora na Europa pós-Napoleão. Caiu por conta dos levantes revolucionários de 1848.

“Mas Ferdinando protelou um Anschluss”: Fernando III, filho de Leopoldo, tornou-se Grão-Duque da Toscana em 1790, depois da renúncia de seu pai em 29 de julho. A ideia era preservar a separação das coroas toscana e austríaca, bem como a independência da Toscana. Em 1799, Napoleão forçou Ferdinando a deixar o trono, o qual ele retomou em 1814. Reinou até morrer, em 1824.

“‘certas práticas denominadas religiosas’ disse Zorbi” / “‘falta de experiência em assuntos econômicos'”: Zorbi digressiona acerca das razões pelas quais o fulgor revolucionário foi bem-sucedido nos EUA, mas não na Toscana. Uma das razões seria a influência do clero sobre o povo. A incompetência toscana na administração econômica também é mencionada.

“Pio sexto, vigário da loucura”: o conde Giovanni Angelo Braschi (1717-1799) se tornou o papa Pio VI em 1775. Ele condenou a Revolução Francesa por razões óbvias. Em 1796, Napoleão derrotou as tropas papais em sua primeira campanha italiana. Dois anos depois, quando se recusou a renunciar ao poder temporal, Pio VI foi capturado e levado para a França, onde morreu meses depois.

“MARENGO”: a vitória contra os austríacos na Batalha de Marengo, em 14 de junho de 1800, assegurou o controle napoleônico sobre toda a Itália.

“Primeiro Cônsul”: Napoleão foi “Primeiro Cônsul” durante o período do “Consulado” (1799-1804), inaugurado pelo golpe do 18 de Brumário de 1799. Em 2 de dezembro de 1804, quando Napoleão foi coroado imperador, o Consulado chegou ao fim.

“Deixei paz. Encontrei guerra.”: impressões de Napoleão ao retornar do Egito, em outubro de 1799.

“1791”: erro. O correto é 1799.

“Marte significando, no caso, ordem / Aquele dia era o Direito junto ao vitorioso”: Pound liga o deus grego da guerra à figura de Napoleão, que instituiu uma ditadura com o golpe e consolidou seu poder após Marengo, após o que implementou (entre outras coisas) o seu código legal.

“juros de 24 por cento”: após a vitória de Napoleão em Marengo, houve um aumento da atividade dos usurários na Toscana, segundo Zorbi, o que contribuiu para o definhamento do comércio.

“1801 os triúnvirus…”: sob o domínio francês, houve diversas trocas de governantes na Toscana. Em 1801, ela chegou a ser administrada por três homens, Chiarenti, Pontelli e De-Ghores, os “triúnviros”. A desordem econômica e política era constante.

“Portoferraio”: cidade na ilha de Elba, na costa da Toscana, onde Napoleão foi exilado em maio de 1814, após sua derrota na Batalha de Leipzig (também chamada de Batalha das Nações), em 16-19 de outubro de 1813. Dois milhões (de francos) era a pensão que Napoleão recebia no exílio, metade dos quais ele repassava à esposa, Maria Luísa (1791-1847), filha do imperador Francisco I.

“recebeu um estado livre de dívidas”: referência à restauração das antigas monarquias europeias via Congresso de Viena (1814-15).

“reconduzir o Papa, mas / não reinstalar qualquer república”: o papa reconduzido foi Pio VII (1742-1823), que, eleito após a morte de Pio VI, também foi capturado por Napoleão. Pio VII permaneceu preso na França por catorze anos, só retornando a Roma após a derrota de Napoleão em 1813. Por sua vez, as repúblicas de Veneza e Gênova foram incorporadas aos reinos da Áustria e da Sardenha, respectivamente. Lucca foi dada a Maria Ana Elisa, irmã de Napoleão.

“ao dividir a Polônia”: no caso, entre Rússia, Áustria e Prússia.

“e aquele filho de uma cadela, Rospigliosi”: Giuseppe Rospigliosi (1755-1833) foi comissário especial para a Toscana, onde liderou um governo provisório entre maio e setembro de 1814, até o retorno de Ferdinando III.

“M… a no trono da Inglaterra, m…a no sofá austríaco”: “Merda” e “merda”, claro. No caso, George III (o louco), e Francisco I, além (provavelmente) de Metternich.

“… os quatro Jorges”: os “Jorges” da dinastia de Hanover, que governaram a Grã-Bretanha entre 1714 e 1830. O “pus” na Espanha são os Bourbon.

“… Wellington era um proxeneta de judeus (…) fazia”: Pound parece usar Wellington para xingar os Rothschild aqui, cuja ascensão se deu durante as Guerras Napoleônicas. Arthur Colley Wellesley, 1.º Duque de Wellington (1769-1852), foi um marechal e político britânico, e primeiro-ministro do Reino Unido por duas vezes. No entanto, a julgar por decisões tomadas em sua carreira política, é possível afirmar que Wellington não tivesse qualquer apreço pelos judeus.

“‘Deixe o Duque! Vá pro ouro!'”: durante o primeiro mandato de Wellington como primeiro-ministro (1828-1830) pelo Partido Conservador, houve uma campanha por reformas políticas que permitissem à classe média votar para o parlamento. Francis Place, um agitador radical, celebrizou os dizeres “Pare o Duque! Vá atrás do ouro!”. Com isso, ele queria dizer que uma corrida ao Banco da Inglaterra desestabilizaria a Câmara dos Lordes, forçando os conservadores a apoiar a reforma. Em junho de 1832, Wellington cedeu à pressão pública e desistiu de se opor à Lei de Reforma, permitindo que os Whigs (que chegaram ao poder em 1831) passassem seu projeto pelas duas casas e implementassem a lei (diluída) em 1833. Pound mudou os dizeres de Place, trocando “Stop” por “Leave”.

“‘Da brigantine Incostante'”: Napoleão deixou Elba no bergantim (“brigantine”) Inconstante e desembarcou em Cannes no dia 1º de março de 1815.

“Ney fora de sua sela / Grouchy demorou”: dentre os fatores que contribuíram para a derrota de Napoleão em Waterloo, estão a queda do Marechal Ney de seu cavalo e o fracasso do Marquês de Grouchy em impedir o exército prussiano de unir forças com Wellington.

“A palavra de Bentinck”: em 26 de abril de 1814, quando da capitulação de Gênova, o lorde William Bentinck, comandante militar das tropas britânicas, leu uma proclamação na qual reconhecia o desejo dos genoveses de voltar ao governo republicano. Mas, depois, o Congresso de Viena decidiu que Gênova seria incorporada ao Reino da Sardenha.

“ÓBITO, aetatis 57, quinhentos anos após D. Alighieri”: Napoleão morreu em 5 de maio de 1821 (Dante, em 1321), mas tinha 51 anos de idade (completaria 52 em 15 de agosto).

“Marie de Parma”: Maria Luísa, viúva de Napoleão.

“Mastai, Pio Nono”: Giovanni-Maria Mastai-Ferretti (1792-1878) foi eleito papa e se tornou Pio IX em 1846.

“D’Azeglio”: Massimo Taparelli, Marquês D’Azeglio (1798-1866), estadista, escritor e pintor piemontês.

“Lord Minto”: Gilbert Elliot (1782-1859), segundo Conde de Minto, foi um diplomata britânico e político do partido Whig. Em 1847, ele foi enviado à Itália para incentivar reformas políticas e relatar as condições reinantes no país.

“Bowring”: John Bowring (1792-1872), político britânico, economista e defensor do livre comércio. Ele visitou a Itália em 1836 e escreveu um relatório para a Câmara dos Comuns.

“o novo Leopoldo”: Leopoldo II (1797-1870), filho de Ferdinando III e neto de Pedro Leopoldo.

“Lalage”: provável referência ao epigrama II.66, de Marcial, no qual uma senhora romana, Lalage, golpeia uma escrava com o espelho por causa de uma mecha solta de cabelos.

“… pela base do afresco”: possível referência a um afresco encontrado em Pompéia na chamada Casa do Grão-Duque da Toscana (é a imagem que ilustra o post). Representa Dirce sendo amarrada ao touro como punição pela perseguição de Antíope. A “sombra” pode se referir à cor mais escura entre as pernas do touro atrás de Dirce, ou talvez seja uma metáfora sobre como a crueldade de Lalage para com a escrava é apagada pela crueldade maior de Dirce para com Antíope. Lalage, um nome romano, é encontrado em algumas inscrições em Pompeia.

“Dirce”: rainha mítica de Tebas, Dirce perseguiu e torturou sua escrava Antíope, forçando-a a expor seus gêmeos recém-nascidos. Dirce tentou matá-la amarrando-a a um touro, mas, em vez disso, foram os filhos de Antíope que amarraram Dirce ao touro e a fizeram experimentar a morte que queria infligir à outra.