Alguns parágrafos sobre 'Argo'.

Alguns parágrafos sobre 'Argo'.

Em novembro de 1979, nos píncaros da Revolução Iraniana, a embaixada dos EUA em Teerã foi invadida. Durante 444 dias, 52 norte-americanos foram mantidos reféns pela Guarda Revolucionária, que exigia a deportação do Xá deposto Mohammad Reza Pahlevi (então nos EUA). Argo, terceiro longa dirigido por Ben Affleck, ocupa-se de uma operação da CIA para libertar não aqueles 52, mas outros seis que debandaram da embaixada no dia da invasão e foram se esconder na casa do embaixador canadense.

O plano mirabolante para resgatá-los era, sob qualquer aspecto, a “melhor má ideia” que a CIA tinha à disposição (sugeriu-se, por exemplo, que os seis fugissem de bicicleta até a fronteira com a Turquia; pedalar centenas de quilômetros no inverno…): disfarçá-los como uma falsa equipe de produção canadense de um filme falso a ser rodado no Irã, uma ficção-científica intitulada Argo. Affleck interpreta o agente responsável pela operação.

Argo, o filme real que temos à nossa frente, reafirma o que já constatáramos antes: Affleck, ator dos mais limitados, às vezes sofrível, é um diretor dos bons, às vezes excelente. Medo da Verdade e Atração Perigosa, seus trabalhos anteriores, deslizam pela tela que é uma beleza, sobretudo o primeiro, filmes realizados com tesão e precisão, coisa de quem está realmente interessado em trazer o público para junto de si. Cinema americano no que ele tem de melhor.

No que diz respeito a Argo, o recrudescimento atual da crise EUA-Irã, dadas as pretensões nucleares e reiteradas ameaças deste último contra Israel, é um bom momento para nos voltarmos a um passado não muito distante e analisarmos a coisa toda com um mínimo de consciência histórica. Óbvio que Pahlevi, colocado no poder graças à ajuda dos EUA, era um filho-da-puta sanguinário que passou quase quatro décadas trucidando o próprio povo no melhor estilo dos sírios Assad, pai e filho. Óbvio, também, que a tal Revolução Iraniana trouxe uma escalada em que fundamentalismo religioso e opressão política dão o tom; são tão filhos-da-puta sanguinários quanto aqueles que os antecederam.

O que Affleck deixa bem claro desde o começo, seja pelo que é mostrado, seja pelo que é dito aqui e ali: não há inocentes nessa história (em história alguma, aliás). Como diz um figurão do governo dos EUA a certa altura, Pahlevi é um canalha, mas é um canalha que está “do nosso lado”.

Colocando as coisas nesses termos, e evitando assim patriotadas e coisas do tipo, ele se sente livre para se concentrar nos personagens pelo que eles são, sem maiores ou menores “transcendências”: o agente da CIA é um sujeito meio fodido (tocante vê-lo sintonizar a TV no mesmo canal a que o filho distante (e com quem fala por telefone) assiste) e mal pago que, bem, vai fazer o que tem que fazer; e as pessoas a serem resgatadas são o que são, um bando de gente desesperada que só quer dar o fora de Teerã.

Não há “heroísmo”, pelo menos não no sentido tradicional, baixo-hollywoodiano, do termo. Affleck não abre caminho a bala, não enfrenta (e vence) sozinho oitocentos guardas revolucionários, não tortura ninguém, não é torturado, não redime pecados passados ou futuros de seu país. É um peão ousado, está certo, mas totalmente consciente de que vive num mundo de merda em que os certos estão errados e os errados, idem. Não há ingenuidade, não há condescendência ou autocondescendência, não há lamentação: as coisas são como são, e tendem a piorar.

Mesmo a bandeira dos EUA, queimada a certa altura (linda reconstituição histórica, aliás), ao reaparecer no final, tremulando em solo norte-americano, não traz nada de triunfalismo, não oferece qualquer segurança. O que ela faz é reiterar a precariedade da coisa toda, a ideia de que, seja quem for e esteja onde estiver, ninguém está seguro. Nunca estivemos.

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Em torno de 'Antígona'

No texto de apresentação à edição brasileira de Introdução à tragédia de Sófocles, Ernani Chaves nos chama a atenção para a Segunda consideração extemporânea, na qual Friedrich Nietzsche afirma que “o estudo dos clássicos precisa assegurar a permanente ligação entre conhecimento e vida”. Seguindo por esse caminho, talvez seja o caso de citar outra apresentação, feita por Donaldo Schüler para a sua própria tradução de Antígona, de que esta “é uma aventura de lealdade, dignidade, linguagem, vida”.

Por mais genérica que nos pareça a descrição de Schüler, não convém desmerecê-la ou esvaziá-la assim de imediato. Afinal de contas, e nisso somos corroborados pela própria tragédia em questão, há em Antígona elementos que justificam cada um dos termos enfileirados pelo tradutor.

Temos, assim, a lealdade da personagem-título para com seu irmão insepulto e a lei maior, divina, em contraposição à ordem, ao poder humano, citadino, temporal; a dignidade de Antígona diante do que está à sua espera após afrontar o decreto de Creonte, “criminosamente pura”, pronta para “morrer gloriosamente”, isto é, conforme a sua própria consciência e seu ideal de justiça; a linguagem como o incipit que não só coloca tudo em movimento mas que é, ela própria, movimento ou, para recorrer à imagem joyceana que abre o Finnegans Wake, riocorrente (riverrun, no original); e, por fim, vida, aqui conforme o entendimento nietzschiano da tragédia como uma afirmação da vida, a “ideia trágica é a do culto dionisíaco: a dissolução da individuação em uma outra ordem cósmica, a iniciação na crença na transcendência através dos terríveis meios geradores de pavor da existência”.

Uma das coisas que Nietzsche critica é justamente a ideia aristotélica de catarse e, sobretudo, a apropriação de cunho moralista desse conceito perpetrada por outros tantos. Paralelamente, ele também aponta o atrofiamento do dionisíaco na tragédia “por meio da prepotência da reflexão e do socratismo”. Antes, o coro era algo como a transcendência citada há pouco tornada alcançável, palpável:

O mundo poético é restaurado com o coro; a tragédia é depurada, na medida em que a reflexão é banida do diálogo; ela é posta sobre coturnos por meio da existência de um ser supranatural, altamente patético; ela suscita uma contemplação estética involuntária, na medida em que não nos fundimos com o tema. Em outras palavras, o coro é o idealizável da tragédia: sem ele, temos uma imitação naturalista da realidade (pp. 69/70).

Antígona, terceiro elo do que hoje conhecemos como Trilogia Tebana (os outros são Édipo Rei e Édipo em Colono), e muito embora não se possa afirmar que Sófocles tenha pensado em uma trilogia ao escrever cada uma dessas peças, distancia-se das origens ditirâmbicas apontadas por Nietzsche. Segundo ele, Sófocles teria introduzido uma nova forma de tragédia, caminhando “para além da trilha de Ésquilo: até então, era o instinto artístico da tragédia que a impulsionava; agora é o pensamento”. Ainda de acordo com Nietzsche, tal caminho seria levado ao extremo por Eurípedes, em cujas peças o pensamento “torna-se destrutivo em relação ao instinto”. Por outro lado, o pensador martela que Sófocles seria o único a exibir uma visão trágica do mundo, fundada no “destino imerecido” e nos enigmas aterradores da vida humana. Ele seria, portanto, um meio-termo entre a arte antiga, instintiva, representada por Ésquilo, e a ruptura trazida por Eurípedes, “o termômetro do pensamento estético e ético-político de sua época”, filosófico-socrático.

Usando dois termos caros a Guimarães Rosa, talvez possamos pensar em Antígona como um ser das mediações, dos entremeios, na medida em que é esmagada pela confrontação entre o direito natural e o direito positivo, representado por Creonte.

Filha de Édipo e de Jocasta, isto é, fruto de uma união incestuosa, ela arrasta consigo tal herança desventurosa. E, não por acaso, a tragédia inicia logo após mais um desdobramento dessa sina familiar: os irmãos de Antígona, Etéocles e Polinice, morreram um pelas mãos do outro, em sangrenta disputa pelo trono tebano; o primeiro, defendendo a cidade da invasão perpetrada pelo segundo juntamente com seus aliados argivos. Logo após assumir o poder, Creonte, irmão de Jocasta, decreta que, por ter se lançado contra a sua própria cidade, Polinice não poderá ser sepultado; aquele que tentar fazê-lo, será condenado à morte. Ao mesmo tempo, ordena que Etéocles, morto ao defender Tebas, tenha os funerais de um herói.

Antígona começa com um diálogo entre a personagem-título e sua irmã, Ismene. Há que se ignorar o decreto de Creonte e sepultar Polinice, diz Antígona. Há, reiteramos, a contraposição entre a lei (justiça divina) e a ordem (poder humano, temporal). Do ponto de vista de Antígona, Creonte estaria suplantando suas prerrogativas. Ao se colocar contra o poder da pólis, representado ou, melhor dizendo, personificado por Creonte, ela seria uma espécie de renovadora. Se levarmos em conta o fato de se tratar de uma mulher, o adjetivo revolucionária talvez sirva melhor.

É importante ressaltar que a ideia de justiça não se limita ou se conforma à ideia de poder, pois seria algo anterior, maior, e mesmo ulterior. Logo, o que se coloca em questão é: o que Creonte fez com o poder? Trata-se de algo justo ou injusto? Ele diz a certa altura que “jamais de mim obterão os maus a honra devida aos justos”. Ocorre que, para ele, “justo” é todo aquele que “tiver sentimentos partidários” à cidade, ou seja, for partidário seu. Como todo tirano, Creonte quer se confundir com a cidade que governa, como se fossem uma coisa só. Podemos enxergar isso em seu diálogo com Hemon:

HEMON
Não há cidade que seja de um só.

CREONTE
A cidade não pertence a quem governa?

HEMON
Belo governante serias, sendo único numa cidade deserta.

Voltando ao início da peça, vemos que, ainda que concorde com Antígona, Ismene não se rebela. Ela se submete à ordem vigente, talvez por encarar a situação do ponto de vista dos meios – ou da falta de meios. Diz a Antígona: “amas o impossível”. Diferentemente de Ismene, Antígona conforma tudo à sua força: “Quando me faltarem forças, cessarei”. Ironicamente, já no final da peça, é Creonte quem vê suas forças exauridas: “Eu não sou nada, / sou menos que ninguém”.

O coro, por sua vez, coloca-se noutra posição, ambígua, flutuante. Não dissuade e tampouco exorta. Isenta-se. Limita-se, a certa altura, a afirmar que não é dado ao homem colocar limites para os deuses. O ideal, portanto, é que haja um crescimento equilibrado do humano e do divino. A tragédia se inscreveria justamente quando não há esse equilíbrio, ou quando ele, por alguma razão, é perdido.

Em Aristóteles, há um entendimento muito claro desse equilíbrio. As tragédias, para ele, dariam a medida para uma melhor interação humana, distante de quaisquer extremos. O caráter, ademais, é mensurado pelas ações: você é o que faz. Estamos, assim, no âmbito da práxis (em oposição à poiesis platônica) e, na medida em que ela encerra um leque de possibilidades, pode-se afirmar que o estudo aristotélico da tragédia é eminentemente praxiológico, isto é, está debruçado sobre as diversas possibilidades de ação. A tragédia em questão é posta em movimento a partir da ação de Antígona de sepultar Polinice, contrariamente ao que fora decretado por Creonte. Nesse âmbito, Aristóteles também faz uma distinção muito clara entre o direito natural e o direito positivo na Retórica, conforme citado por Mário da Gama Kury em sua apresentação da Trilogia Tebana: “(…) É isso que a Antígona de Sófocles claramente quer exprimir quando diz que o funeral de Polinice era um ato justo apesar da proibição; ela pretende dizer que era justo por natureza”. Portando, ainda que estivesse violando as leis escritas ao ignorar o decreto de Creonte e sepultar o irmão, Antígona agiu conforme leis não escritas e, diferentemente daquelas, perenes.

Ainda conforme a leitura aristotélica, mas correndo o risco de, talvez, cometer alguma impropriedade, podemos enxergar a tragédia como uma espécie de dobra por meio da qual os gregos buscavam o próprio reflexo e o da pólis. Friedrich Hölderlin empreenderia uma leitura que muitos consideraram “desvairada” à época, mas que acaba por dever algo a essa praxiologia de Aristóteles. Segundo ele, a tragédia se basearia numa inversão: em lugar de desejar trocar este mundo por outro, o ideal seria trocar o outro mundo por este. Antígona é uma personagem selvagemente justa na medida em que é engolfada por uma hybris (desmesura, excesso) compaginada ao mundo dos mortos, ao passo que Creonte seria um legalista, um brutal ordenador. Sófocles, assim, buscaria um equilíbrio entre esses extremos por meio da imparcialidade do coro, incorporando os conflitos vividos pela pólis em seu tempo.

Condenada por Creonte ao sepultamento em vida, Antígona alcança um entendimento alucinado – logo, verdadeiro, puro – da condição humana e, vale dizer, do próprio tempo. Para Hölderlin, trágico em Sófocles não é o desfecho terrível e inevitável, mas, sim, a inevitabilidade, por parte do herói ou da heroína, quando finalmente colocado face a face com seu destino, de compreender o seu lugar no tempo, como se estivesse simultaneamente dentro e fora dele. Ela está, em suas palavras, partindo “viva para a morada dos mortos”. Logo, anuncia-se aí uma ruptura, a maior de todas.

Diferentemente da circularidade intrínseca às tragédias de Ésquilo, em que o desvio era consertado e tudo voltava ao que era antes, não é o que ocorre em Sófocles. Ante a condenação de Antígona e o que ela vislumbra em seu fim, impõe-se uma mudança de eixo: em vez de as coisas desenrolarem no tempo, é o próprio tempo que passa a se desenrolar. É o que permite a Hölderlin dizer que, na tragédia sofocliana, o começo e o fim cessam de rimar. A ruptura está feita. Nada será como antes.

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Trabalho de conclusão da disciplina Filosofia Geral I. Outono, 2012.

BIBLIOGRAFIA
HÖLDERLIN, Friedrich. Reflexões. Tradução: Marcia C. de Sá Cavalcanti. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
JOYCE, James. Finnegans Wake/Finnicius Revém – Volume 1. Tradução: Donaldo Schüler. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004.
JOYCE, James. Panorama do Finnegans Wake. Tradução: Haroldo de Campos, Augusto de Campos. São Paulo: Perspectiva, 2001.
NIETZSCHE, Friedrich. Introdução à tragédia de Sófocles. Apresentação, tradução e notas: Ernani Chaves. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.
SÓFOCLES. Antígona. Tradução: Donaldo Schüler. Porto Alegre: L&PM Editores, 1999.
SÓFOCLES. A Trilogia Tebana. Tradução e apresentação: Mário da Gama Kury. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1989. 15ª reimpressão: 2011.

Sobre ‘Cosmópolis’, de David Cronenberg.

::CABEÇA:: 
Sorri quando Cosmópolis começou e me deparei com a tela quadrada. O que seria aquilo? David Cronenberg classudão em todos os sentidos, desde a janela escolhida. Ele evita o formato scope para dar conta de um mundo em toda a sua estreiteza. Vastidão virtual não é vastidão. Cosmópolis, afinal de contas, é também um filme sobre especular no vazio.
Antes de vê-lo, foi ótimo reler o romance de Don DeLillo no qual se baseia. Não só reli como escrevi sobre o livro para o Blog do IMS. Mercado, capitalismo, globalização, nada disso interessa muito. Assim como DeLillo, Cronenberg me parece interessado no corpo.

::TRONCO::
Robert Pattinson é uma bela surpresa como Packer, o megaespeculador de vinte e oito anos que cruza Nova York em sua limusine para cortar o cabelo enquanto destroça o mercado financeiro numa série de manobras suicidas, apostando contra a moeda coreana (no livro, japonesa).
Ele está numa odisseia cuja Ítaca é o próprio corpo.
Packer fez fortuna movimentando-se por um mundo que está em todo lugar e em lugar nenhum. Abstração total. Números em telas. Logo, não há movimento real ali. Há códigos substituindo códigos.
Na trama, por alguma inquietação que não chega a ser explicada ou justificada (no mau sentido dos termos), ele inicia e dá prosseguimento a um movimento no sentido de recuperar a única coisa que lhe é tangível, real — o próprio corpo.
Falar com as pessoas, fodê-las, matá-las, lançar-se sozinho na cidade, debater-se inconclusivamente com alguém desgraçadamente real (porque invisível aos outros, como qualquer pessoa normal) e o tiro com que presenteia a própria mão a certa altura me parecem elementos desse movimento.
Há um crescendo aí.
São elementos importantes no reencarne do personagem. Buscar e encontrar o próprio corpo. Obliterar a abstração. Reencetar a carne, abraçá-la e ser abraçado por ela.

::MEMBROS::
David Cronenberg está, portanto, em terreno conhecido.
Videodrome, A Mosca, Gêmeos – Mórbida Semelhança, Crash (não confundir com o lixo ganhador do Oscar, por favor), eXistenZ, Senhores do Crime e Um Método Perigoso são filmes orientados para o corpo, de uma forma ou de outra.
Mesmo em eXistenZ, o jogo, isto é, a virtualidade só é possível se conectada ao corpo e a partir do momento em que interage diretamente com seus apetites mais básicos, primários. E, em Crash, os acidentes autoinfligidos e as ferragens automobilísticas têm a mesma função: são plataformas ou vias de acesso à fisicalidade.
Em Cosmópolis, o corpo é o que há. A carne é o que há. Todo o resto, amor, dinheiro, a própria cidade, o outro, todo o resto é incidental ou, no limite, irreal. O corpo, em princípio, é só o que temos. Se não estamos nele, não estamos em lugar nenhum. Se não estamos nele, não podemos ver, tocar, estar no outro. Se não estamos nele, não existimos. Não somos.
Cosmopólis é sobre alguém que passa a existir e toda a violência inerente a isso.

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Acontece com todo mundo, o tempo todo.

Trecho do meu romance
Como desaparecer completamente
[Rocco, 2010].

Minha primeira namorada: Cecília.
Vizinhas, famílias vizinhas. Crescendo juntas. Todo mundo, depois de um certo tempo, ora, todo mundo sabia. Mas, claro, não se comentava. As meninas trancadas no quarto. As meninas o tempo todo juntas. As meninas, tão amigas. Dezoito anos. Claro, uma relação aberta. Mas 18 anos. No que a piada, ela pensa e começa a rir no meio da rua, a piada, corretíssima: dykes não têm casos, não ficam, não enrolam, não; dykes se casam.
As famílias em suas respectivas salas, em seus respectivos sofás, diante de seus respectivos aparelhos de televisão, não comentando. Filhas únicas. Tomando todo o cuidado do mundo para não comentar.
Não.
Não as famílias. A família de Cecília, apenas. Porque a família de Augusta: ela e a mãe, e só. A mãe, mesmo não comentando, jamais as censurou. Um outro tipo de silêncio. Um silêncio que não machucava, diferente do silêncio dos pais de Cecília. O silêncio confortável de sua mãe contraposto ao silêncio áspero, pontiagudo, dos pais de Cecília.
Completaram 18 e foram morar juntas. Não têm casos, não ficam, não. Casadas, sim. Uma relação aberta, mas Cecília advertia:
“Com quem você quiser, menos com homens, por favor.”
Sem problemas. Nunca teve mesmo (muito) interesse. Ou curiosidade. Tão amigas. Até que a morte as separe. Quase vinte anos sob o mesmo teto, dos 18 aos 36, e, antes, quando eles não comentavam, dois anos de educação lesboafetiva. Até que.
Ora, não era para sempre? Como você pôde?
Cecília naquele quarto, naquela cama. Martirizada, feito o quê? Uma santa. Dizendo pouco antes de:
“Acontece com todo mundo.”
E aconteceu com ela, Cecília.
“O tempo todo.”
Nosso primeiro beijo, pensa: Foi bom.
Nosso último beijo, pensa: Foi só meu.
O primeiro beijo foi na pré-escola, as tias assustadas, irritadas, não sabendo o que fazer. Dizendo:
“Não pode, não. Vocês duas, menininhas. Não pode beijar na boca, não. Ouviram? Não pode, viu? É feio.”
Ela e Cecília, de mãos dadas:
“Sim, entendemos.”
O primeiro beijo, mas e o último?
O último, ela pensa: O último foi só meu.
Aquele barulho estranho, o traço no monitor e o médico entrando esbaforido e fazendo o possível, estão sempre fazendo o possível, e dizendo em seguida:
“Fizemos o possível. Sinto muito.”
Ela então se abaixou e colou os seus lábios nos de Cecília:
“Adeus, mulher.”
Acontece com todo mundo. O tempo todo. Mesmo quando fazem o possível. Mesmo com todos eles fazendo o possível, acontece.

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A constante lembrança do vazio.

1. O romance Quiçá, de Luisa Geisler, é um enorme apartamento vazio (exceto, talvez, por uma televisão (Full HD, conexão à Internet, com 3D, 52 polegadas)) por onde circulam Arthur e Clarissa. É, também, a ideia de uma cidade, Distante, de onde veio Arthur e para onde talvez voltará.

2. Distante é, parece ser, uma cidade repleta de casas vazias.

3. Quiçá é um romance ancorado no vazio. No vazio familiar, sobretudo. Mas também no vazio do consumo (sem didatismos, sem panfletagens, sem ideologismos, sem babaquices, em suma), no vazio escolar, no vazio profissional (os pais de Clarissa trabalham o tempo todo, estão sempre fora, ausentes) (o que Arthur será na vida?).

4. (Aquele apartamento vazio.)

5. Há três ambientes narrativos: o ano em que Arthur, o primo suicida e desajustado, dezoito anos, vai morar com Clarissa, onze anos, e os pais workaholics dela, Augusto e Lorena, na capital, como um favor, uma concessão, um gesto de caridade, uma (mais uma) hipocrisia familiar; um interminável almoço de Natal ao fim daquele ano, no interior, família reunida, o horror, o horror; nos intervalos, pequenas histórias, citações, anúncios (PRECISA-SE DE CHAPISTA), chistes e lindezas como “Algum dia — ela me olhava, eu sabia que ela ia chorar –, um dia, você vai sentir saudade de hoje”.

6. (          )

7. Família, claro. E um segredo jogado lá para o final, para além. Para . Mas o eixo é mesmo a relação entre os primos, a menina certinha, solitária, e o cara desajustado, poeira e cigarros e tatuagens, bebedeiras, garotas, e o que a menina vê? Ela vê o que ninguém mais vê, isto é, o outro ali do lado, junto dela, Arthur, e Arthur a vê, claro, o sujeito perdido, fodido, olhando para ela, falando com ela, vivendo com ela, às vezes odiado, às vezes adorado, mas sempre sentido por ela.

8. Linda a construção dessa amizade enquanto os céus escurecem e não há mais ninguém por ali.

9. O livro começa na estrada e termina com a promessa ou ameaça ou sensação de que “logo será hora de ir”. Entre uma coisa e outra, os estilhaços, o tecido familiar apodrecido, as risadas gravadas de um sitcom assombrando horas e horas de espera por mais do mesmo, ausências, suor, cheiro de suor, cigarros, cheiro de cigarros e a constante lembrança dos que ficaram, dos que irão, daquele que tentou ir, daquele que voltará.

10. A constante lembrança do vazio, em suma.

11. Finamente construído, algo como uma “louça com rachaduras expandidas”, em que tudo se quebra, mas nada se separa de fato, Quiçá tem a maturidade de sugerir que o único deslocamento possível é aquele feito em direção ao outro, esteja ele lá ou não. Importa tentar alcançá-lo. Importa estar ali, ainda que só por um momento.

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"O que é que eu tenho que procurar?"

Fuçando na papelada que abarrota a minha vida, encontro uma pasta com diversas versões de Aneurisma. Ali no meio, um punhado de folhas manuscritas, os primeiros rascunhos dessa que é a coisa que mais me apetece ter escrito até hoje. Aneurisma é uma novela publicada em meu segundo livro, Paz na Terra Entre os Monstros. Abaixo, um trecho do que presumo ser a versão que está no livro (não tenho um exemplar aqui para comparar). Futuramente, se assim me permitirem, pretendo relançá-la em livro-solo.

As imagens são pobres, muito pobres, mas o efeito é atingido. Ou não. De uma forma ou de outra: como se a cabeça se despregasse ou se desprendesse do corpo, caísse e quicasse uma duas três vezes e voltasse invertida para o lugar e assim se reencaixasse.
Ou como se uma marreta acertasse o alto da cabeça.
Ou uma bola de boliche.
Ou não, nada disso.
Assim: ele estava em pé ajeitando uns livros quando desmaiou. Um apagar-se geral, imediato, de todo. Desmontou sobre o tapete da sala, diante da estante que organizava, numa tarde de sexta-feira. Tinha acabado de almoçar, estava sozinho em casa e decidira tentar uma reorganização da estante abarrotada ao procurar em vão por um volume destroçado, de capa arrancada e repleto de anotações nas margens, de O Castelo. Um volume comprado em banca de jornal por uma ninharia e que o acompanhara desde o fim da adolescência. No momento em que terminou de recolocar na estante um exemplar de Vineland, apagou. Vinha, é verdade, sentindo dores de cabeça as quais caracterizava como “engraçadas”. Sentava-se, por exemplo, à mesa para jantar e comentava com ela que Estou com uma dor de cabeça engraçada. Engraçado para ela, no caso, era ele dizer que sentia uma “dor de cabeça engraçada” sem esboçar o menor ou o mais débil sorriso. Tampouco ocorreu a ela pedir a ele que caracterizasse uma “dor de cabeça engraçada”. Nada, pelo visto, que o fizesse rir.
Acordou estatelado no tapete, esvaziado. Nenhuma dor, nenhum pensamento. Como acordar em uma tarde nublada de quarta-feira útil no meio de imerecidas e improvisadas e fatalmente tediosas férias extemporâneas. Levantou-se, foi ao banheiro, enxaguou o rosto e, no quarto, ligou para ela. Acho que desmaiei, foi o que disse, o elmo cheio de quê?
Quando ela chegou, previsivelmente esbaforida e preocupada, tudo o que ele conseguia dizer eram coisas desconexas sobre um exemplar perdido de O Castelo. Ela aludiu às dores de cabeça e ele disse que sim, que a cabeça doía no momento em que apagou, mas a cabeça doía quase que o tempo todo, e que tinha procurado por um velho exemplar de O Castelo sem encontrá-lo, e que por isso resolvera dar uma organizada na estante. Está uma bagunça desgraçada. Você precisa ver.
Ajoelhada diante dele, buscava os seus olhos e só encontrava aquele fiapo de voz e aquelas frases soltas, libérrimas, sobre exemplares perdidos, bagunças desgraçadas e dores de cabeça engraçadas. Nenhuma narrativa coesa, estruturada, racional, sobre o que acontecera. Ele desmaiou. Ele estava arrumando a estante e desmaiou. Tendo acordado, me ligou. Eu vim correndo. Eu estou aqui. Mas e ele? Onde ele se meteu? O que fizeram com ele? Não, ele está aqui. Sentado na cama. Repetindo coisas sobre coisas banais. Não entendo. Ele tampouco parece entender coisa alguma. Bateu com a cabeça? Eu bati com a cabeça? Os olhos dele, ele não me olha nos olhos. Ele sempre me olha nos olhos. Mesmo quando eu não quero, quando eu não preciso, ele me olha nos, direto nos olhos. Mas agora ele foge. Ele não está aqui. Onde ele está? Livros. Ele fala de livros.
Está doendo agora? ela perguntou ainda ajoelhada diante dele, ele ainda sentado na beira da cama. Não sei. Acho que não. Ela suspirou, impaciente. Não sabia o que pensar. E ele: Uma bagunça desgraçada. Pára de falar dessa porra de estante! ela berrou, levantando-se, e saiu do quarto. Voltou em seguida, folheando o Grande Livro Azul do Plano de Saúde. Fez isso por quase dois minutos, até encará-lo completamente perdida: O que é que eu tenho que procurar?
Foi quando ele, mais do que nunca esvaziado, ele sorriu.

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Terra à vista.

Hoje, após acidentados três anos e dois meses de trabalho, terminei de escrever Terra de casas vazias. É o meu quarto romance. Tão logo o terminei, vasculhei minhas tralhas em busca do caderno Tilibra Opus no qual, em 24 de maio de 2009, em um hostel hierosolimita, rascunhei as primeiras páginas. O título já estava lá, bem como a vontade de situar parte da narrativa ali em Jerusalém.

Já escrevi um pouco sobre o processo de escrita bem AQUI e não vem ao caso repetir o que quer que seja. Só quero registrar a alegria que sinto neste momento. Uma alegria repleta de cansaço: nunca foi tão difícil escrever um livro. Não sei se é melhor ou pior do que os outros, e acho que nem cabe a mim dizer. Sei que é diferente, bem mais contido, mais ambicioso (ou pretensioso). Maior. Chegou a beirar as quatrocentas páginas. Na revisão final, cortei quase cem. O livro restou mais leve. Eu também.

Inevitável, agora, pensar como os últimos trinta e oito meses voaram. Coisas maravilhosas aconteceram. Retoquei e lancei dois livros que dava como enterrados. Encontrei uma editora que acredita e investe no meu trabalho. Aos poucos, estruturo uma vida em São Paulo. Voltei a estudar. Trabalho como nunca.

Coincidentemente ou não, Terra de casas vazias é um romance sobre personagens que buscam se reestruturar. Ainda que o desfecho não ofereça a eles uma segurança maior, um desenlace real, a certeza de ter chegado a algum lugar, qualquer que seja, gosto de pensar que o simples fato de vários deles se deslocarem já constitui algo importante. Eles não terminam “melhores” do que antes, não “superam” o que quer que seja, mas, por breves instantes (cada um tem o seu, ainda que eventualmente não se deem conta), saboreiam uma paz que, embora precária como todo o resto, lhes permite seguir viagem.

E é o que farei agora, a propósito: seguirei viagem. Terra de casas vazias será lançado em 2013 pela Editora Rocco.

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Anotações sobre o tema 'Escritas da Finitude' (Flip#2012).

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Dentes negros é um livro impulsionado para o fim. Talvez por isso seja tão breve.

A ideia era criar uma narrativa enamorada pela finitude. Um ideal de concisão que pressupõe, circunscreve e desenvolve o tema. Tenho para mim que romances apocalípticos devem ser breves. Não se tergiversa, não se digressiona demais diante do abismo.

(Ou enquanto despencamos nele.)

Todo romance apocalíptico não o é até as últimas consequências. Porque sempre há uma catástrofe, claro, mas há, também, o que sobrevive a ela, ainda que só por um tempo. Um romance efetivamente apocalíptico seria uma sucessão interminável de descrições de paisagens livres de seres humanos. Uma exposição interminável de naturezas mortas. Em Dentes negros, apenas as fotografias de Lívia Ramirez são, de fato, apocalípticas: não há figuras humanas nelas.

Elas, sim, sugerem com precisão a calmaria final.

A morte está presente em quase tudo o que escrevi. Em Hoje está um dia morto, está o anular-se. Alguns conhecidos meus cometeram suicídio. Então, logo tive contato com alguns questionamentos, por assim dizer, imbuídos de uma certa gravidade. Lembro de estar no velório de alguém e pensar que as pessoas ao redor, quando era o caso (a maioria não se arriscava), insistiam nas perguntas erradas. Elas se perguntavam: “Por que ele fez isso? Por que fazer uma coisa dessas?”. Com assombro, eu me peguei pensando: “Mas por que não?”.

Cresceu a necessidade não de me matar, mas de escrever algo a partir desse assombro.

Hoje está um dia morto oferece duas vias: a primeira delas é a da autoanulação; a segunda, impulsionada pela autoanulação do outro, escrever sobre ela justamente para evitar a própria. Gosto de pensar que isso é o mais próximo que eu poderia chegar da autoajuda.

A literatura não salva, mas adia o inevitável. E nos distrai.

Mais do que uma distração, a literatura oferece uma visada do abismo, um passeio pelas suas imediações, a possibilidade de olhar para baixo e, vendo o que há (nada), conversar um pouco a respeito.

Porque é sempre assombroso constatar que não há nada lá.

Ao mesmo tempo, no que constatamos não haver nada lá embaixo, no fundo do abismo, nós nos sentimos livres para procurar por algo aqui em cima, por mais transitório, efêmero e pueril que seja.

É disso também que trata o final feliz de Dentes negros.

Lembro de sorrir quando isso me ocorreu: meu romance apocalíptico terá um final feliz. A felicidade, nele, reside no fato de dois personagens, tendo contemplado o abismo, voltarem os olhos aqui para cima e conseguirem, ainda e apesar de tudo, enxergar o outro.

Experimentar a finitude e abrir os olhos para a transitoriedade.

Quase todos nós temos problemas para enxergar as coisas dessa forma. Eu mesmo tenho. Fui educado em colégio católico, meus pais são espíritas. O cristianismo, herdeiro direto do platonismo mais rasteiro, fala da transitoriedade da vida terrena, mas em vista de um outro plano, estável, perene, onde a salvação ou a danação terão lugar.

A literatura fala da transitoriedade, mas em vista do abismo.

Uma escrita da finitude é, para mim, uma escrita impulsionada por essa consciência da transitoriedade. Na medida em que não possuo, em meu material genético, nada que se assemelhe àquele gene da fé (se é que tal coisa existe) e, assim, não enxergo um princípio ordenador para além ou aquém do mundo sensível e imediato, busco fazer algo de que gosto enquanto não me esfarelo e, mais do que isso, algo que dê conta ou, pelo menos, gire em torno do próprio esfarelar-se.

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Silenciosa e tranquila terra de casas vazias.

Excerto de Terra de casas vazias, meu romancemprogresso.

Garoava quando Teresa deixou o prédio. A visão através das lentes dos óculos escuros impossibilitada em questão de segundos, o mundo mais e mais embaçado e disforme. Esperou até que tudo se transformasse em um borrão para só então tirar os óculos e encaixá-los na blusa, junto ao pescoço. Não precisava deles, na verdade. O dia tão escuro. Em seguida, cobriu a cabeça com o capuz, colocou as mãos nos bolsos da blusa de moletom e saiu pela calçada. Uma adolescente cabulando aula, vagabundeando. Dia útil para os outros, não para mim. Seus passos eram incertos, como se tivesse bebido um pouco, e caminhava olhando para o chão, com medo de tropeçar no pavimento cheio de buracos, rachaduras, poças d’água, entulhos. Estava agora a favor do vento, o que não era ruim. O vento investia contra as suas costas e era como se a empurrasse. (Veja: sem raízes aqui.) À sua esquerda, do outro lado da rua, as árvores do parque ainda se dobravam. Lembravam pessoas se alongando antes de correr num dia ensolarado. Evitou olhar para as árvores. A mesma sensação desoladora que tivera ao observá-las pela janela da sala, de que elas migrariam a qualquer momento. Não queria vê-las indo embora. Ou talvez elas apenas se dobrassem até quebrar. (Tudo se dobra e vem ao chão num estrondo, de um jeito ou de outro, mais cedo ou mais tarde.) Não queria vê-las se dobrando até quebrar. Não queria ver nada, mas um trecho menos acidentado da calçada permitiu que levantasse a cabeça. A cidade ao redor como que interditada, ninguém à vista. O cenário desolado de um filme apocalíptico. O mundo acabou: agora, podemos viver. Mas não havia ruínas. Os prédios inteiros se repetindo a distâncias regulares. Brasília, ora essa. Tudo em Brasília se repete a distâncias regulares. Fim do mundo, mas um apocalipse higiênico que extinguisse a vida humana, não as edificações. Os apartamentos todos vazios, como os de um prédio terminado e nunca inaugurado. Silenciosa e tranquila terra de casas vazias. Por alguma razão, isso lhe pareceu justo. Deus estalando os dedos e desaparecendo os seres, mas deixando os prédios intactos: concreto deiforme. Justo e agradável, sim. Glória a Deus nas alturas. . Ao Senhor, que matou o próprio Filho e também o meu. Também o meu. Respirou fundo. Não se sentiu melhor. Qual é a porra do Seu problema? Arrancando os filhos de suas mães. Disseram a ela que não pensasse nisso. Não pensasse nessas coisas. Não pensasse. Todos, sem exceção. Mas, como não? Quando a falta é o que há. Quando tudo se reduz à ausência. Creio Em Deus Pai Todo-Poderoso Criador Do Céu E Da Terra E Em Jesus Cristo Seu Filho Unigênito Nosso Senhor etc. Seu Filho Unigênito. Tenta não pensar nisso, disseram. É difícil, quase impossível. Mas tenta. Para não enlouquecer. Para se recompor. Para seguir em frente. Você e Arthur. Ele precisa de você. Que infantil, ela pensou. Tudo, tudo isso. Do começo ao fim, afora e adentro. Pensar ou não pensar, seguir em frente ou não. Que besteira, que.
Tropeçou.
Uma rachadura na calçada, o tropeço e ela caindo de joelhos, as duas mãos ainda nos bolsos. Soltou um gemido, a boca mal se abrindo. Não deu com a testa no chão por muito pouco. Levantou-se com dificuldade. Dois pequenos rasgos nas calças, os joelhos agora poderiam enxergar o que estivesse à frente. Dois olhos vermelhos bem no meio das pernas. O moletom preto, quase não se percebia. Algumas lágrimas rolaram, poucas. Mais pelo susto. Esperou um pouco, que o tremor nas pernas passasse. Então, seguiu viagem, mais do que nunca concentrada no chão.

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