A constante lembrança do vazio.

1. O romance Quiçá, de Luisa Geisler, é um enorme apartamento vazio (exceto, talvez, por uma televisão (Full HD, conexão à Internet, com 3D, 52 polegadas)) por onde circulam Arthur e Clarissa. É, também, a ideia de uma cidade, Distante, de onde veio Arthur e para onde talvez voltará.

2. Distante é, parece ser, uma cidade repleta de casas vazias.

3. Quiçá é um romance ancorado no vazio. No vazio familiar, sobretudo. Mas também no vazio do consumo (sem didatismos, sem panfletagens, sem ideologismos, sem babaquices, em suma), no vazio escolar, no vazio profissional (os pais de Clarissa trabalham o tempo todo, estão sempre fora, ausentes) (o que Arthur será na vida?).

4. (Aquele apartamento vazio.)

5. Há três ambientes narrativos: o ano em que Arthur, o primo suicida e desajustado, dezoito anos, vai morar com Clarissa, onze anos, e os pais workaholics dela, Augusto e Lorena, na capital, como um favor, uma concessão, um gesto de caridade, uma (mais uma) hipocrisia familiar; um interminável almoço de Natal ao fim daquele ano, no interior, família reunida, o horror, o horror; nos intervalos, pequenas histórias, citações, anúncios (PRECISA-SE DE CHAPISTA), chistes e lindezas como “Algum dia — ela me olhava, eu sabia que ela ia chorar –, um dia, você vai sentir saudade de hoje”.

6. (          )

7. Família, claro. E um segredo jogado lá para o final, para além. Para . Mas o eixo é mesmo a relação entre os primos, a menina certinha, solitária, e o cara desajustado, poeira e cigarros e tatuagens, bebedeiras, garotas, e o que a menina vê? Ela vê o que ninguém mais vê, isto é, o outro ali do lado, junto dela, Arthur, e Arthur a vê, claro, o sujeito perdido, fodido, olhando para ela, falando com ela, vivendo com ela, às vezes odiado, às vezes adorado, mas sempre sentido por ela.

8. Linda a construção dessa amizade enquanto os céus escurecem e não há mais ninguém por ali.

9. O livro começa na estrada e termina com a promessa ou ameaça ou sensação de que “logo será hora de ir”. Entre uma coisa e outra, os estilhaços, o tecido familiar apodrecido, as risadas gravadas de um sitcom assombrando horas e horas de espera por mais do mesmo, ausências, suor, cheiro de suor, cigarros, cheiro de cigarros e a constante lembrança dos que ficaram, dos que irão, daquele que tentou ir, daquele que voltará.

10. A constante lembrança do vazio, em suma.

11. Finamente construído, algo como uma “louça com rachaduras expandidas”, em que tudo se quebra, mas nada se separa de fato, Quiçá tem a maturidade de sugerir que o único deslocamento possível é aquele feito em direção ao outro, esteja ele lá ou não. Importa tentar alcançá-lo. Importa estar ali, ainda que só por um momento.

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