“Dias Vazios” – trailer

Síndrome de Caim

Texto publicado no Blog da Rocco em 21.12.2017.

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O inferno é um lugar barulhento, e é por lá ou, melhor dizendo, por aqui, nesse inferno onde nos acotovelamos na interminável noite brasileira, que Patrícia Melo oferece um passeio em Gog Magog, Neste que é o décimo romance da autora paulista, o ódio irrompe como a doença nacional por excelência, a infecção que se espalha, a princípio silenciosa e por fim ensurdecedora, mas sempre anuladora, por todo o tecido social.

Tudo começa com uma desavença entre vizinhos. O narrador, um professor de escola pública, não entende “por que o ruído não é considerado um tipo eficiente de arma branca” e é cotidianamente achacado pelos barulhos perpetrados pelo morador do apartamento acima, Ygor, a quem chama de “senhor Ípsilon”. Por irascibilidade de ambos, as tentativas de contornar ou resolver o problema só alimentam a animosidade entre eles. O tal senhor Ípsilon não quer saber de conversa e acusa o outro de querer que ele “não exista”, pois viver “é barulhento” e não é possível fazê-lo “no ‘mute’”; o protagonista logo percebe que “aquilo não vai parar”, pois colocaram “outras forças em ação, forças que agora nos tratavam como escravos”. A partir daí, o ódio entre eles se abre “como um oceano majestoso e sem fim”.

E o país que salta das páginas do romance é uma ilha no oceano supracitado, um ponto sangrento “num mundo em que foi consumada a liquidação do silêncio”, uma aldeia na qual todo e qualquer vizinho é impossível de ser respeitado, posto que se tornou um inimigo ou o inimigo. Diante da ausência total de empatia, diante do fracasso de qualquer tentativa de diálogo, fala a violência: invade-se o lugar do outro e, por fim, o outro, “mutando-o”. Vivemos, então, em um lugar como que assolado por uma espécie de Síndrome de Caim, onde a obliteração do semelhante, pelos motivos mais torpes, mais banais, é algo assim mais do que corriqueiro.

É para isso que, a partir de um determinado momento, o cadáver mal ou sequer ocultado, que se dependura nas páginas do romance, parece apontar: a gratuidade das circunstâncias que o levaram àquele estado, a facilidade com que tudo acontece, com que tudo se desenrola, a opacidade moral que, acesa por um contratempo qualquer, leva um indivíduo a trucidar seu vizinho.

O desconforto é minuciosamente explorado pela narração em primeira pessoa: “Hoje”, diz o protagonista, “não tenho nenhuma vergonha de admitir meus desejos homicidas. Na verdade, é ignorância pensar que há algo patológico nesse tipo de prazer.” E mais: é enganoso “pensar que é infeliz o homem que odeia”, pois o ódio “é uma forma de entretenimento” e é “preferível odiar a não sentir nada”. E o ódio no qual ele se assenta é tão mais perturbador porque pedestre, banal, ou alimentado por circunstâncias pedestres, banais.

Para terminar, lendo Gog Magog, lembrei-me do incipit narrativo de outro belo romance brasileiro lançado há pouco: Gostar de Ostras, de Bernardo Ajzenberg. Ambos os livros têm algo em comum, essa indisposição (inicial no caso de um, terminal no caso do outro) para com os vizinhos barulhentos de seus respectivos narradores. Mas, desgraçadamente, nossa realidade imediata parece pender mais para o universo opressivo e infernal estabelecido por Patrícia Melo do que para a curva dolorosa, mas reparadora, ensejada pelo personagem de Ajzenberg. Neste, o ruído evolui para um diálogo, tanto interna quanto externamente, diálogo que parece inalcançável para a maioria de nós: o outro está ali para ser ouvido, aceito, compreendido. Em Gog Magog, o outro é o inimigo exterior que reflete o inimigo interior, e à anulação do primeiro segue a autoanulação. Que descansemos em paz.

Destaques

Em matéria publicada ontem pelo Estadão, meu novo romance Eufrates figura entre os destaques literários de 2018. Em breve, mais novidades sobre o livro, cujo lançamento está previsto para abril. Leia a matéria na íntegra AQUI.

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Gifford

Traduzi os dois primeiros capítulos de Wild at Heart: The Story of Sailor and Lula, de Barry Gifford, primeiro romance de uma série de sete reunidos AQUI. David Lynch adaptou o livro em 1990 e faturou a Palma de Ouro em Cannes com o longa. Ele e Gifford voltaram a trabalhar juntos no estupendo Lost Highway. Gosto demais do estilo rascante de Gifford, e acho uma pena que permaneça praticamente inédito no Brasil. Que isso mude, e logo.

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“Você precisa de um homem que vá pro inferno com você.”
– Tuesday Weld.

……

PAPO DE GAROTA

Lula e sua amiga Beany Thorn sentadas a uma mesa do Raindrop Club bebendo rum com Coca enquanto veem e ouvem uma banda branquela de blues chamada The Bleach Boys. O grupo passou suavemente de “Dust my Brown”, de Elmore James, para “Me and the Devil”, de Robert Johnson, e Beany soltou uma bufada.
“Não suporto esse vocalista”, ela disse.
“Não é tão ruim”, disse Lula. “Segura o tom.”
“Não por isso, é que ele é feio demais. Caras barbudos e com barriga de cerveja não são bem o meu tipo.”
Lula deu uma risada. “Olhando pra você assim magrela feito um pedaço de fio dental usado e mal lavado, não sei como pode criticar.”
“É, bom, se ele disser que toda aquela flacidez vira um pau à meia-noite, ele é um mentiroso.”
Lula e Beany gargalharam e tomaram um pouco das bebidas.
“Então o Sailor está saindo logo, ouvi dizer”, disse Beany. “Você vai ver ele?”
Lula concordou com a cabeça e triturou um cubo de gelo com seus dentes de trás e o mastigou.
“Vou encontrar com ele no portão”, ela disse.
“Não odeio os homens tanto assim”, disse Beany. “Eu me sentiria melhor te desejando boa sorte.”
“Nem todo marido é perfeito”, disse Lula. “E Elmo provavelmente não teria engravidado a segunda se você não tivesse dado o pé na bunda dele.”
Beany torceu sua franja loira em um nó na testa.
“Eu devia era ter metido um trinta e oito na virilha dele, era isso que eu devia ter feito.”
Os Bleach Boys começaram uma espécie de mambo pantanoso do Professor Longhair e Beany puxou uma garçonete.
“Traz mais dois runs duplos com Coca, ok?”, ela disse. “Que diabo, Lula, olha só o rebolado da piranha.”
“Você quer dizer da garçonete?”
“Uhum. Aposto que se eu tivesse um rabo igual ao dela o Elmo não ia meter o pau em tudo que é buraco desse lado do Tangipahoa.”
“Difícil ter certeza”, disse Lula.
Os olhos de Beany lacrimejaram. “Eu acho”, ela disse. “Eu largaria um monte de coisas – talvez até o Valium – só pra ter um pouco de bunda, sabe?”

…..

CORAÇÃO SELVAGEM

Sailor e Lula estão na cama do hotel em Cape Fear ouvindo o ventilador de teto ranger. Pela janela eles poderiam ver o rio entrar no Atlântico e observar os barcos de pesca navegar pelo canal estreito. Era fim de junho, mas havia um vento suave que os mantinha “não desconfortáveis”, como Lula gostava de dizer.
A mãe de Lula, Marietta Pace Fortune, proibira a filha de ver Sailor Ripley outra vez, mas Lula não tinha a intenção de seguir essa ordem. Até porque, Lula raciocinou, Sailor tinha pago sua dívida com a sociedade, se é que se tratava mesmo disso. Ela não conseguia entender como ir para a cadeia por ter matado alguém que tentava matá-lo podia ser considerado pagamento de uma dívida com a sociedade.
A sociedade, sendo como era, pensou Lula, por certo não tinha piorado com a eliminação de Bobby Ray Lemon. Na cabeça dela, Sailor tinha realizado um serviço benéfico tanto no curto quanto no longo prazo para a humanidade, e devia ter recebido alguma bela recompensa em vez de dois anos no campo de trabalho Pee Dee River por homicídio em segundo grau. Algo como uma viagem-com-tudo-pago para Sailor com a companhia que escolhesse – Lula, é claro – para Nova Orleans ou Hilton Head por umas duas semanas. Um hotel de primeira e um carro alugado, como um estiloso Chrysler LeBaron conversível e novo em folha. Isso, sim, faria sentido. Em vez disso, o pobre Sailor teve que varrer e limpar os lados da estrada, esquivar das cobras e comer fritura ruim por dois anos. Porque Sailor foi mais ligeiro que aquele cretino do Bobby Ray Lemon ele foi punido por isso. O mundo é bem selvagem no coração e ainda por cima esquisito, pensou Lula. De qualquer forma, Sailor estava livre agora e ainda beijava como ninguém que ela tivesse conhecido na vida, e o que a sra. Marietta Pace Fortune não ficasse sabendo não teria como machucá-la, não é?
“Por falar em ficar sabendo”, Lula disse para Sailor. “Eu te escrevi contando sobre isso de encontrar as cartas do meu avô no escritório do sótão?”
Sailor se sentou apoiado nos cotovelos. “A gente estava falando de alguma coisa?”, ele disse. “E não.”
Lula estalou a língua duas vezes. “Achava que sim, mas já me enganei antes. Às vezes eu faço isso. Eu penso em alguma coisa e depois acho que comentei em voz alta com alguém.”
“Eu realmente senti falta da sua cabeça quando estava lá na Pee Dee, querida”, disse Sailor. “Do resto de você também, é claro. Mas o jeito como a sua cabeça trabalha é um mistério que Deus guardou só pra Ele. Agora, você falou de umas cartas?”
Lula se sentou e colocou um travesseiro apoiando as costas. Seus longos cabelos pretos, os quais ela costuma usar amarrados atrás e meio enrolados feito a cauda de um cavalo de raça, espalhava-se atrás dela sobre a fronha azul-clara do travesseiro como as asas de um corvo. Seus grandes olhos cinzentos fascinavam Sailor. Quando estava trabalhando na estrada, ele pensava nos olhos de Lula, nadava neles como se fossem uns lagos enormes de água verde com pequenas ilhas violetas no meio. Eles o mantiveram são.
“Sempre pensei no meu avô. Sobre por que motivo a minha mãe nunca quis falar sobre o papai dela. Tudo o que eu sabia é que ele estava morando com a mãe dele quando morreu.”
“Meu pai estava morando com a mãe dele quando morreu”, disse Sailor. “Sabia disso?”
Lula balançou a cabeça. “Não sabia mesmo”, ela disse. “Quais eram as circunstâncias?”
“Ele estava quebrado, pra variar”, disse Sailor. “Minha mãe então já tinha morrido do câncer no pulmão.”
“Que marca ela fumava?”
“Camels. Igual a mim.”
Lula rolou seus grandes olhos cinzentos. “Minha mãe fuma Marlboro agora”, ela disse. “Antes ela fumava Kools. Eu roubava dela quando comecei a fumar ali pela sexta série. Quando fiquei velha o bastante pra comprar, comprei esses. Agora estou acostumada com Mores, como você deve ter percebido. São maiores.”
“Meu pai estava procurando trabalho e foi atropelado por um caminhão de cascalho na rodovia Dixie Guano, perto da Setenta e Quatro”, disse Sailor. “A polícia disse que ele estava bêbado – meu pai, não o motorista do caminhão –, mas eu imaginei que eles só queriam enterrar o caso. Eu tinha catorze anos na época.”
“Jesus, Sailor. Sinto muito, meu bem. Eu não fazia ideia.”
“Tudo bem. Eu quase nunca via ele mesmo. Nunca tive muita orientação paterna. O cara da defensoria pública ficou dizendo isso na minha audiência de condicional.”
“Bom, de qualquer forma”, disse Lula, “o papai da minha mãe desfalcou algum dinheiro do banco onde trabalhava. E foi pego. Fez isso pra ajudar o irmão tuberculoso dele, que estava um trapo e não conseguia trabalhar. Vovô pegou quatro anos de cadeia em Statesville e o irmão dele morreu. Ele escrevia pra vovó quase todo dia, dizendo o quanto amava ela. Mas ela se divorciou enquanto ele estava em cana e nunca mais falou a respeito dele pra ninguém. Ela se recusava até mesmo a dizer o nome dele. Mas guardou todas as cartas! Dá pra acreditar nisso? Eu li cada uma delas, e te digo que aquele homem amou aquela mulher. Deve ter ficado destroçado quando ela se recusou a ficar junto dele. Uma vez que uma mulher da família Pace decide uma coisa, não tem discussão.”
Sailor acendeu um Camel e passou para Lula. Ela pegou, tragou com força, soprou a fumaça e girou os olhos outra vez.
“Eu ficava do seu lado, Sailor”, disse ela. “Se você fosse um ladrão.”
“Diabo, docinho”, Sailor disse, “você ficou comigo depois que eu enterrei Bob Ray Lemon. Um homem não pode pedir muito mais que isso.”
Lula puxou Sailor para cima dela e lhe deu um beijo suave na boca. “Você mexe comigo, Sailor, mexe mesmo”, ela disse. “Chega lá no fundo.”
Sailor puxou o lençol, expondo os seios de Lula. “Você é perfeita pra mim, também”, ele disse.
“Você me lembra o meu pai, sabia?”, disse Lula. “Mamãe me contou que ele gostava de mulheres magras cujos peitos são um pouquinho grandes pros corpos delas. Ele também tinha um nariz grande. Eu já te contei como foi que ele morreu?”
“Não, docinho, não que eu me lembre.”
“Ele foi envenenado com chumbo quando lixou a pintura velha da nossa casa sem usar uma máscara. Mamãe disse que o cérebro dele derreteu. Começou a esquecer das coisas, sabe? Ficou violento de verdade. Até que no meio de uma noite ele se banhou com querosene e acendeu um fósforo. Quase incendiou a casa comigo e a mamãe dormindo no andar de cima. A gente saiu bem a tempo. Foi um ano antes de eu te conhecer.”
Sailor pegou o cigarro da mão de Lula e colocou no cinzeiro perto da cama. Ele colocou as mãos em seus ombros, pequenos e delicadamente musculosos, e os esfregou.
“Como foi que você arranjou uns ombros tão bons?”, Sailor perguntou.
“Nadando, acho”, disse Lula. “Mesmo quando era criança eu adorava nadar.”
Sailor puxou Lula e a beijou na garganta.
“Você tem um pescoço tão lindo e longo, parece um cisne”, ele disse.
“Vovô Pace tinha um pescoço branco, longo e macio”, disse Lula. “Parecia uma estátua de tão branco. Eu gosto demais do sol pra ficar branca daquele jeito.”
Sailor e Lula fizeram amor, e depois, enquanto Sailor dormia, Lula ficou na janela e fumou um dos Camels de Sailor enquanto fitava o rio Cape Fear. Era meio assustador, ela pensou, estar bem no final de um curso d’água. Lula olhou para Sailor estendido de costas na cama. Era estranho que um rapaz como Sailor não tivesse nenhuma tatuagem, ela pensou. Caras como ele costumavam ter um monte. Sailor soltou um ronco e se virou de lado, expondo as costas longas e estreitas e a bunda achatada para Lula. Ela deu mais uma tragada e jogou o cigarro pela janela, no rio.

Knowles

O novaiorquino CHRISTOPHER KNOWLES (1959) é poeta e artista plástico. O diretor de teatro Robert Wilson usou algumas de suas composições e o escalou em diversas montagens, incluindo na famigerada Einstein on the Beach, ópera de Philip Glass. Há quem diga que Knowles é autista. Eu só acho que ele está enviando a minha mensagem para mim. Os poemas (eu chamo de poemas) abaixo eu encontrei AQUI. Brinquei com eles por um bom tempo, mas, claro, não consegui fazer jus a alguns dos desvios e desvãos dos originais — por exemplo, em “Philadelphia Freedom”, o chistoso to be freaky quando a gente espera (eu ao menos esperava) um to be frank. Não encontrei paralelo em português (se alguém achar, é só dizer). Mas, para ser freaky e frank, eu queria era ter mais poemas dele com os quais lidar. Às vezes, ele me lembra os poemas de Amador Ribeiro Neto no ótimo Barrocidade (Landy Editora, 2003): “telefone e-mail fax correio / ligações estão ficando perigosas demais”. Claro, os sintomas de um e de outro são distintos, mas, aqui e ali, seus respectivos estranhamentos conversam (ou talvez eu esteja forçando a barra, o que é bem provável). Enfim. Aí vão os poemas, “de terno para o seu reino pela real garganta fantasma”.

Knowles

COMO EU PODERIA ENVIAR SUA MENSAGEM PARA VOCÊ

Se você sabe disso de verdade. Isto seria bem estranho. Se você sabe. Se é para saber.
De terno para o seu reino pela real garganta fantasma, se você sabe, se isto é isto.
Se você diz Oi.
Se eu sei que desde que saímos para o calor quente demais quente demais para nos manter aquecidos.
Como eu poderia enviar minha mensagem e sua mensagem para você nisto como é feito para isto.
Como eu poderia enviar minha disto.
Como eu poderia enviar sua mensag.

PHILADELPHIA FREEDOM

Eu costumava ser um remador nos tempos nos sonhos pelo menos para ser estranho. Fica na sua.
Então desliga seu gravador desliga e vai dormir. Então por isso que a gente chama assim.
Como mau louco triste mas você devi estar feliz estar orgulhoso de você.
Então isso não vai arruinar e destruir suas coisas por ser.
Então se sua atriz não se comporta para ser então.
Anunciando os Philadelphia Freedom. Mas quando você está com meu Papai nunca é.
Eu costumava ser um remador nos tempos nos sonhos pelo menos para ser estranho. Fica na sua.
Então desliga seu gravador desliga e vai dormir. Então por isso que a gente chama assim.
Como mau louco triste mas você devi estar feliz estar orgulhoso de você.
Então isso não vai arruinar e destruir suas coisas por ser.
Então se sua atriz não se comporta para ser então.
Anunciando os Philadelphia Freedom. Mas quando você está com meu papai nunca é.
Eu costumava ser um remador nos tempos nos sonhos pelo menos para ser estranho. Fica na sua.
Então desliga seu gravador desliga e vai dormir. Então por isso que a gente chama assim.
Como mau louco triste mas você devi estar feliz estar orgulhoso de você.
Então isso não vai arruinar e destruir suas coisas por ser.
Então se sua atriz não se comporta para ser então.
Anunciando os Philadelphia Freedom. Mas quando você está com meu Papai nunca é.
Eu costumava ser um remador nos tempos nos sonhos pelo menos para ser estranho. Fica na sua.
Então desliga seu gravador desliga e vai dormir. Então por isso que a gente chama assim.
Como mau louco triste mas você devi estar feliz estar orgulhoso de você.
Então isso não vai arruinar e destruir suas coisas por ser.
Então se sua atriz não se comporta para ser então.
Anunciando os Philadelphia Freedom. Mas quando você está com meu Papai nunca é.
Anunciando os Philadelphia Freedom. Mas quando você está com meu Papai nunca é.
Anunciando os Philadelphia Freedom.

VOCÊ SABE DISSO

Você sabe disso.
Era uma vaca que tinha leite pra beber no gancho
Era uma imagem de quadro, desde quando você veja assim.
A coisa é que a escolha dessas coisas acontece então.
Em televisores see nisso aí.
Você sabe disso.
Era uma vaca que tinha leite pra beber no gancho
Era uma imagem de quadro, desde quando você veja assim.
A coisa é que a escolha dessas coisas acontece então.
Em televisores see nisso aí.

……

YOU KNOW THAT

You know that.
It was a cow who has milk to drink into the crane.
It was a frame picture, in since when you see like that.
The thing is the choice of those things happens then.
In televisions ver into that.
You know that.
It was a cow who has milk to drink into the crane.
It was a frame picture, in since when you see like that.
The thing is the choice of those things happens then.
In televisions ver into that.

PHILADELPHIA FREEDOM

I used to be a boat rower in times in dreams at least to be freaky. Be on your on.
So turn off your taperecorder off and go to sleep. So that why we call so.
Like bad mad sad but you shold be glad to be proud of you.
So this won’t wreck and destroy your things to be.
So if your actress no behave to be so.
To be announcing the Philadelphia Freedom. But when you’re with my Daddy never is.
I used to be a boat rower in times in dreams at least to be freaky. Be on your on.
So turn off your taperecorder off and go to sleep. So that why we call so.
Like bad mad sad but you shold be glad to be proud of you.
So this won’t wreck and destroy your things to be.
So if your actress no behave to be so.
To be announcing the Philadelphia Freedom. But when you’re with my Daddy never is.
I used to be a boat rower in times in dreams at least to be freaky. Be on your on.
So turn off your taperecorder off and go to sleep. So that why we call so.
Like bad mad sad but you shold be glad to be proud of you.
So this won’t wreck and destroy your things to be.
So if your actress no behave to be so.
To be announcing the Philadelphia Freedom. But when you’re with my Daddy never is.
I used to be a boat rower in times in dreams at least to be freaky. Be on your on.
So turn off your taperecorder off and go to sleep. So that why we call so.
Like bad mad sad but you shold be glad to be proud of you.
So this won’t wreck and destroy your things to be.
So if your actress no behave to be so.
To be announcing the Philadelphia Freedom. But when you’re with my Daddy never is.
To be announcing the Philadelphia Freedom. But when you’re with my Daddy never is.
To be announcing the Philadelphia Freedom.

HOW COULD I SEND YOUR MESSAGE TO YOU

If you know this thing in true. It would be very strange. If you know. If it to know.
On the suit for your kingdom for real ghost throat, if you know, if it is it.
If you say Hi.
If I know that in since we off to the heat to hot too hot to keep us warm.
How could I send my message and your message to you in this how is done for this.
How could I send my of this.
How could I send your messag.

Cavalgar sobre o cemitério

Texto publicado n’O Popular em 28.11.2017.

shane

Os Brutos Também Amam ou, melhor dizendo, Shane é um clássico do cinema dirigido por George Stevens e lançado em 1953. Para quem não viu e para os que quiserem rever, há uma excelente cópia disponível em blu-ray no mercado brasileiro, a qual faz justiça à fotografia original, com seus planos médios e gerais estonteantes e um belo uso do Technicolor. No filme, entre outras coisas, Stevens aborda a fixação de um país, de suas fronteiras e leis, o ocaso de uma determinada maneira de fazer as coisas e os ruídos — que não raro resultam em violência — entre as novas e as velhas formas de se situar nesse organismo social em transformação.

A exemplo de qualquer outra nação, os EUA também se forjaram mediante uma série de carnificinas (envolvendo nativos, ingleses, mexicanos, cidadãos insurgentes etc.). O momento histórico enfocado em Shane é de transição: segunda metade do século XIX, não muito depois de uma daquelas carnificinas (a Guerra Civil) que deram forma ao país que hoje conhecemos. A lei já começa a se impor ou, ao menos, fala-se bastante dela. A lei, não a justiça. Uma coisa talvez leve à outra, eventualmente. Ou não. O que importa é que há um Estado em algum lugar e a era dos pistoleiros está chegando ao fim.

Shane (Alan Ladd), o personagem-título, é uma espécie de relíquia da selvageria pregressa, e sabe muito bem disso. Os tempos são outros, e a violência aos poucos adquire novas formas, novos expedientes. Ele procura se adaptar. Arranja trabalho em uma fazenda, afeiçoa-se pelo empregador e sua família. A paixão nunca consumada, mas explícita, entre Shane e a mulher (Jean Arthur) é primorosamente explorada e lembra o amor de John Wayne pela cunhada (e vice-versa) em Rastros de Ódio (The Searchers, 1956), obra-prima de ecos homéricos assinada por John Ford.

O foco de Shane, no entanto, reside na luta de um grupo de colonos contra um criador de gado, Ryker (John Dierkes), que quer lhes tomar as terras. Os colonos estão assentando um país, e assentar um país significa delimitar propriedades, erguer cercas, estabelecer fronteiras, conquistar a terra e fixar-se nela por meio do trabalho, com vistas a criar e manter uma comunidade. Não há mais lugar para open range.

Por piores que sejam os seus métodos — ou exatamente por isso —, Ryker é, de certa forma, também uma relíquia de outros tempos, um “romântico”, alguém que talvez não compreenda direito as mudanças em curso, que considera justo ou aceitável tomar para si o que quiser, mesmo que isso signifique pressionar, achacar, desalojar ou assassinar outrem. Tanto que, como último recurso para atingir seus objetivos, contrata um pistoleiro à moda antiga, Wilson (Jack Palance).

A essa altura, o conflito e suas regras estão bem estabelecidos, claros, e são uma espécie de reverberação tardia, mas ainda brutal e imprevisível, daquele modus operandi moribundo: para se defender e proteger seus novos amigos, Shane precisará agir, entregando-se à boa e aprazível matança. A conversa final, antes do tiroteio, é tão reveladora (entre Shane e Ryker) quanto fantasmagórica (entre Shane e Wilson). Ryker sabe que seu tempo já passou, mas o que pode fazer? “Largar as armas e plantar batatas?” Aquelas vozes ecoam outro lugar, outra época. Não é por acaso que, ao ir embora, cumprida a sua missão, Shane cavalga sobre um cemitério.

Poemas que resguardam a lua doente de fumar

MAHMOUD DARWISH
(1942-2008)

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Mahmoud Darwish é tido como o poeta palestino mais importante de sua geração. O que posto aqui são traduções de traduções. Recorri às versões em inglês de Fady Joudah (transcritas mais abaixo). Os poemas integram a coletânea The Butterfly’s Burden (Cooper Canyon Press, 2007). Peço desculpas desde já por quaisquer deslizes e imprecisões.

…………

O CAVALO CAIU DO POEMA

O cavalo caiu do poema
e as mulheres galileias estavam molhadas
com borboletas e orvalho,
dançando acima dos crisântemos

Os dois ausentes: você e eu
você e eu somos os dois ausentes

Um par de pombas brancas
papeando nos galhos de um carvalho

Sem amor, mas eu amo o antigo
amo poemas que resguardam
a lua doente de fumar

Eu ataco e recuo, feito o violino em quartetos
Eu me afasto do meu tempo quando estou perto
da topografia do lugar…

Não há margem na linguagem moderna deixada
para celebrar o que amamos,
porque tudo o que será… foi

O cavalo caiu ensanguentado
com meu poema
e eu caí ensanguentado
com o sangue do cavalo…

……

O CIPRESTE QUEBROU

O cipreste é a árvore do luto e não
a árvore, e ele não tem sombra porque é
a sombra da árvore.
– Bassam Hajjar.

.

O cipreste quebrou como um minarete, e se deitou
na estrada sobre sua sombra rachada, escura, verde,
como sempre foi. Ninguém se machucou. Os veículos
aceleravam sobre seus galhos. A poeira soprava
nos para-brisas…. / O cipreste quebrou, mas
o pombo em uma casa vizinha não mudou
seu ninho. E dois pássaros migrantes pairavam acima
da fímbria do lugar, e trocaram alguns sinais.
E uma mulher disse para a vizinha: Diga, você viu um temporal?
Ela disse: Não, e nenhuma escavadeira também… / E o cipreste
quebrou. E os que passavam pelos destroços disseram:
Talvez se cansou de ser negligenciado, ou ficou velho
com os dias, é longo feito uma girafa, e pequeno em
importância como uma vassoura, e não poderia abrigar dois amantes.
E um garoto disse: Eu costumava desenhá-lo com perfeição,
sua figura era fácil de desenhar. E uma garota disse: O céu hoje
está incompleto porque o cipreste quebrou.
E um jovem disse: Mas o céu hoje está completo
porque o cipreste quebrou. E eu disse
para mim mesmo: Nem mistério, nem clareza,
o cipreste quebrou, e isso é tudo
que aí está: o cipreste quebrou!

…………

THE HORSE FELL OFF THE POEM

The horse fell off the poem
and the Galilean women were wet
with butterflies and dew,
dancing above chrysanthemum

The two absent ones: you and I
you and I are the two absent ones

A pair of white doves
chatting on the branches of a holm oak

No love, but I love ancient
love poems that guard
the sick moon from smoke

I attack and retreat, like the violin in quatrains
I get far from my time when I am near
the topography of place …

There is no margin in modern language left
to celebrate what we love,
because all that will be … was

The horse fell bloodied
with my poem
and I fell bloodied
with the horse’s blood …

……

THE CYPRESS BROKE

The cypress is the tree’s grief and not
the tree, and it has no shadow because it is
the tree’s shadow
– Bassam Hajjar

.

The cypress broke like a minaret, and slept on
the road upon its chapped shadow, dark, green,
as it has always been. No one got hurt. The vehicles
sped over its branches. The dust blew
into the windshields … / The cypress broke, but
the pigeon in a neighboring house didn’t change
its public nest. And two migrant birds hovered above
the hem of the place, and exchanged some symbols.
And a woman said to her neighbor: Say, did you see a storm?
She said: No, and no bulldozer either … / And the cypress
broke. And those passing by the wreckage said:
Maybe it got bored with being neglected, or it grew old
with the days, it is long like a giraffe, and little
in meaning like a dust broom, and couldn’t shade two lovers.
And a boy said: I used to draw it perfectly,
its figure was easy to draw. And a girl said: The sky today
is incomplete because the cypress broke.
And a young man said: But the sky today is complete
because the cypress broke. And I said
to myself: Neither mystery nor clarity,
the cypress broke, and that is all
there is to it: the cypress broke!

O fim da democracia

Artigo publicado n’O Popular em 14.11.2017.

Manifestantes contra e a favor de Judith Butler protestam no Sesc Pompeia

Há uma semana, um bando de infelizes foi à porta do SESC Pompeia, em São Paulo, e ateou fogo a uma boneca da filósofa norte-americana Judith Butler. Doutora por Yale e professora de Literatura Comparada na Universidade da Califórnia em Berkeley, Butler participava ali do colóquio “Os Fins da Democracia”. Ela é tida como uma referência nos estudos de gênero, mas o escopo de suas reflexões é mais amplo do que a manada zurrante poderia supor. O título de um livro seu lançado há pouco no Brasil, por exemplo, é autoexplicativo: Caminhos Divergentes: Judaicidade e Crítica do Sionismo (Boitempo). O termo “fins” no nome do colóquio se refere, claro, às finalidades e propósitos da democracia, mas, levando-se em conta o miserável estado anímico do mundo hodierno, também alude aos possíveis colapsos dessa forma de organização política. Vide a democracia brasileira, que nunca foi lá muito vigorosa e caminha (cavalga?) a passos largos para a morte. Mais uma.

Um sintoma do falecimento em curso reside no fato de que boa parcela da nossa população, animada pelo obscurantismo em voga e por uma quantidade grotesca de preconceitos, não tem capacidade intelectiva para ler qualquer coisa que Butler tenha escrito, mas sente-se muitíssimo bem marchando com tochas e berrando: “Queimem a bruxa!”. Deixando bem claro: Butler, aqui, é apenas o exemplo que tenho à mão. Este texto não é sobre as ideias dela, mas sobre a reação desarrazoada dos fascistas locais e o que tal reação tem a nos dizer acerca da metástase que corrói o Brasil.

Acredito que a vivência democrática é, dentre outras coisas, intrínseca ao ato de enxergar, ouvir e ler o outro. Ou seja, é lendo e conversando que compreendemos o próximo e o lugar que ele ocupa no mundo. Ler Problemas de Gênero, talvez o trabalho mais conhecido de Butler, não implica, necessariamente, em concordar com ela, mas é imprescindível para que (se for caso) se possa discordar de forma civilizada e/ou ver até que ponto sustentamos as nossas próprias ideias. E discordar de forma civilizada significa argumentar de maneira coerente, sem apelar para o uso de tochas, sem agredir, sem resvalar na histeria energúmena dos que não admitem nada diferente de si.

O Brasil é um país de iletrados e, enquanto tal, incapaz de pensar a si próprio e enxergar o outro, pois não dispõe de um aparato não só conceitual, mas também (e consequentemente) prático para tanto. Se as nossas ideias não são ideias, mas grunhidos e esperneios preconceituosos, como é possível fundamentar e sustentar algo parecido com uma democracia, que, por definição, nasce e se alimenta das diferenças e das formas como tais diferenças conversam entre si? Não por acaso, o brasileiro médio – esse monstro – desgosta da democracia e, em casos extremos, nostálgico da ditadura, faz campanha para censurar obras e pessoas das quais discorda e usa qualquer pretexto para acender uma fogueira a fim de queimar aquelas mesmas obras e pessoas.

Cada um dos que relinchavam contra Butler diante do SESC Pompeia é, em si, um fim (no sentido de término, morte) da democracia brasileira. Cada um deles encerra uma morte e enterra qualquer possibilidade que teríamos de conviver com um mínimo de racionalidade e afeição para com o outro, por mais diferente que ele seja e/ou pense. Todos são cadáveres que, sem saber, celebram a própria morte, queimando a si próprios no fogo em que julgam obliterar (e no qual tentam atirar) o semelhante.

[Foto: Tiago Queiroz/Estadão.]

Do lugar mais sombrio

Resenha publicada na edição de hoje do Estadão.

“Inverno e silêncio”, escreve Martim, narrador de A Noite da Espera, logo no começo desse volume com o qual o amazonense Milton Hatoum abre a trilogia O Lugar Mais Sombrio. Exilado em Paris no final dos anos 1970, o protagonista relembra o que vivenciou em Brasília entre 1968 e 1972, período mais violento da ditadura militar. É um romance de formação que, dado o contexto político-repressor no qual se desenrola, é também um romance de deformação: Martim amadurece enquanto o país apodrece e, feito “as pétalas duras de uma flor vermelha” do cerrado, “exala um perfume torpe”. É triste constatar que tal perfume ainda não se dispersou.

A narrativa é estruturada como uma sucessão de anotações em um diário, as quais são revistas e organizadas no exílio pelo protagonista, e acompanha Martim desde os dezesseis anos. Ele passa pela separação traumática dos pais, ainda em 1967, após a qual se muda de São Paulo para o Distrito Federal. A mãe, Lina, deixa o marido para se casar com um artista plástico, com quem depois irá para o interior de Minas Gerais, alimentando o distanciamento surdo, quebrado (mas jamais vencido) pelas cartas que eventualmente troca com o filho. O pai, Rodolfo, é um engenheiro que parece incapaz de poupar Martim da revolta que sente por ter sido abandonado, uma “sombra enorme, a três passos da soleira da porta”, espiando enquanto o rapaz lê as raras notícias que recebe da mãe.

Em que pesem as saudades e os mal-entendidos, como na passagem em que Martim viaja a Goiânia para se encontrar clandestinamente com Lina e acaba passando a noite sozinho em um hotel na avenida Goiás, acompanhado apenas pela leitura de A Educação Sentimental, de Flaubert, o distanciamento da mãe é físico, mas não afetivo. Por outro lado, o alheamento de Rodolfo, a despeito de Martim viver com ele sob o mesmo teto (ao menos por um tempo), é amplo, geral e raivosamente irrestrito, e incrementado por posições políticas divergentes.

Assim, estudando a princípio no Centro de Ensino Médio e depois na Universidade de Brasília, convivendo com uma trupe que inclui a filha de um senador pró-ditadura e o filho de um diplomata afastado pelo regime, errando desprotegido por uma Brasília cheia de “armadilhas”, de um “silêncio precário”, “a província mais espaçosa do país”, testemunhando e às vezes sofrendo na pele a mão pesada da repressão, Martim cresce. Participa de uma montagem natimorta de Prometeu Acorrentado, cujo aborto é assistido pelo próprio ditador Médici, ajuda a editar uma revista com artigos, poemas e traduções, a “nova liberdade jorrando do Planalto” (publicação que previsivelmente lhes trará problemas), trabalha na mítica Livraria Encontro e se deixa levar pela noite adentro, um “viajante imprudente” acompanhado por outros.

Hatoum imprime urgência à narrativa de tempos conturbados, equilibrando ocorrências familiares e acontecimentos históricos de tal modo que estes espelham aquelas e vice-versa. Dados o distanciamento materno e a ausência paterna, é como se Martim se constituísse no olho do furacão, um “órfão” girando ali com os olhos bem abertos. Seu amadurecimento se dá no vácuo do lar implodido e à sombra da brutalidade ditatorial, no útero metastático da República que, ainda hoje, insiste em devorar seus cidadãos – A Noite da Espera aponta para a continuidade do “inverno de nosso descontentamento”. É, portanto, um romance necessário sobre o nosso caráter disfuncional. Que os volumes seguintes sigam esmiuçando a doença republicana que nos acomete.