“Eufrates” – release

“Eufrates” – release

Eufrates, novo romance de André de Leones,
chega às livrarias no final de agosto

Revelado pelo prêmio Sesc, autor conta a história de uma amizade construída a partir do encontro de diferenças e situações cotidianas envolvendo pessoas comuns e suas contradições.

Eufr

Revelado pelo Prêmio Sesc de Literatura de 2006, desde então André de Leones construiu uma sólida carreira literária: foram cinco romances e diversas participações em coletâneas. Em Eufrates, o amadurecimento como escritor é inegável. “Um bom texto literário é capaz de revelar e esconder, despertar desejos e reprimir lições, iluminar e ao mesmo tempo dissimular, e é exatamente isso que o olhar arguto do narrador de Eufrates faz”, elogia Jacques Fux.

Neste romance com narrativa quase cinematográfica, Leones usa como cenário acontecimentos no eixo Brasil-Israel entre os anos de 1991 e 2013, e passa pelo Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Belém, Buenos Aires e Jerusalém. “Quando comecei a esboçar Eufrates, tinha em mente um tipo específico de estruturação com a qual já havia lidado em dois romances anteriores, Como desaparecer completamente e Terra de casas vazias”, explica ele. “Gosto dessas narrativas dispersas, com vários personagens e histórias correndo paralelas.”

Jonas e Moshe são os personagens centrais dessa teia narrativa que transita e se multiplica por diferentes tempos e espaços. Ao longo do percurso, relações amorosas começam e se desfazem, afetos se transformam, laços familiares são esmiuçados, o sexo, a morte, tudo desliza e se deixa ver para que o leitor chegue até o mais íntimo de cada um.

Aqui, Leones conta a história de uma amizade construída a partir do encontro de diferenças e situações cotidianas envolvendo pessoas comuns e suas contradições. “As pessoas comuns e a vivência ordinária, por assim dizer, são coisas que me atraem”, confessa o autor. “Eu não saberia dizer de onde vem isso. Talvez porque eu goste de prestar atenção nos outros, nas mínimas coisas que fazem e dizem, nos lugares onde vivem, e por aí afora.”

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Vidiadhar

Naipaul

“Odeio a palavra romance. No séc. 19 foi uma grande palavra. Os romances eram a forma em que coisas importantes foram ditas sobre a sociedade e o homem. Hoje acho que significa um best-seller, alguém se mostrando.”

“Meu jardim já cresceu, perdi o interesse por ele. São apenas árvores. Flores são difíceis de plantar.”

“Não posso dizer nada sobre o Brasil. Acabo de chegar. Depois do lançamento, vou para casa. Tenho curiosidade sobre o Brasil. Mas sou um homem velho, não tenho já tanta energia.”

V. S. Naipaul, falecido na semana passada aos 85 anos, em uma velha entrevista à Folha.

Na beira do “Eufrates”

Capa (frente)

Eufrates está chegando. A versão eletrônica já está em pré-venda na Amazon. A versão impressa logo chegará às livrarias. Assim que confirmar a data do lançamento paulistano, divulgarei aqui. Serviremos acepipes.

É o meu sexto romance. É sobre deformação. Deformação afetiva, deformação familiar, deformação política. É sobre perder e (com sorte) reencontrar o outro, ou encontrar outrem. É sobre gente dizendo adeus. É sobre palmilhar sem rumo. É sobre se maltratar. É sobre deixar coisas pela metade, pelo caminho. É sobre amizade. É sobre tatear por aí, nesse breu que é (sempre foi) o Brasil.

É relativamente longo, com histórias correndo paralelas, dispersas no tempo, desde (mais ou menos) 1991 até o ano de 2013, e em várias cidades (São Paulo, Brasília, Buenos Aires, Haifa, Jerusalém, Belém do Pará).

É estruturalmente parecido com Como desaparecer completamenteTerra de casas vaziasEufrates dá prosseguimento a um tipo muito específico de perquirição.

Há dois protagonistas, cada qual tecendo uma teia narrativa, teias que convergem ao longo de todo o livro. Há algo do Brasil ali, do segundo FHC e também dos protestos de 2013, por exemplo. Há um esforço de incompreensão. Há aproximações e distanciamentos. Há tentativas de abastardamento. Há estranhamentos. Há um caminhar com e pelos personagens, pois (querendo ou não, de uma forma ou de outra) a história sempre passa por todos e cada um de nós.

Eufrates está chegando. “A coisa está no ar. É questão de tempo. Dias, no máximo semanas.” Espero que lhes diga respeito. Espero que gostem.

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P.S.: O trecho publicado pelo Blog do IMS foi extirpado do romance. Era o início de uma das muitas histórias que correm paralelas, mas ela parecia por demais descolada (temática e estilisticamente) do restante do livro — além de engordá-lo em quase duzentas páginas — e eu achei melhor arrancá-la na revisão final.

Elogio da disfunção narrativa

Texto publicado na edição de julho do
Jornal Rascunho.

 

Incomoda-me a noção de que, em um romance (ou filme, ou série, ou o quê), cada cena, diálogo ou passagem tem de, necessariamente, exibir uma “função narrativa”. É um vício muito disseminado pelas (más) oficinas (sic) de criação literária e que, em parte, é responsável por essa miríade de narrativas com as quais nos deparamos por aí, romances engessados, com armas de Tchekhov dependuradas em cada mísera página, diálogos “funcionais”, capítulos como tijolos formando uma casa até vistosa (quando vista de fora), mas cujos cômodos estão vazios ou são inabitáveis e o teto, bom, quem precisa de um teto, não é mesmo?

Pensava a respeito disso quando li um trecho de O artista da pá, terceiro volume dos imprescindíveis Contos de Kolimá, de Varlam Chalámov: “O leitor deixa de confiar no pormenor literário. O pormenor que não encerra em si um símbolo parece desnecessário no tecido artístico da nova prosa”. A rigor, a investida de Chalámov vai noutra direção, mas, como leitor, poucas coisas me dão mais prazer do que uma descrição tão bem feita quanto “dispensável” (ou que até diga algo da história e dos personagens, mas nunca, jamais, necessariamente), um diálogo tão bem escrito quanto solto, sem rumo (de novo: que até diga algo da história e dos personagens, mas nunca, jamais, necessariamente), digressões e passagens esdrúxulas, quase descoladas do resto, e uma ou outra dose gratuita de violência, até porque a violência, quando nos atinge, é quase sempre um soco no escuro, isto é, absurda, gratuita.

Sobre a violência, aquilo que nos mostra Michael Haneke em seu filme Funny Games (ou Violência Gratuita, como o rebatizaram no Brasil) talvez sirva para o que procuro pontuar aqui. Tanto quanto qualquer outro elemento narrativo no âmbito de uma obra cinematográfica, a violência diz respeito ao jogo do olhar e, enquanto tal, alimenta (e, no caso de Haneke, questiona e explicita) a cumplicidade do espectador para com o que vê, ensejando uma espécie de empatia falseável que está no cerne do jogo supracitado.

Olhando por esse ângulo, penso que quem “aceita” ou “justifica” o uso da violência em um determinado enredo (fílmico ou literário) porque ela teria ali uma “função narrativa” não raro está imbuído de uma visão ideologizante típica dos que apregoam que a arte deve necessariamente “tomar uma posição” frente ao (e não raro contra o) mundo, mais do que isso, uma posição predeterminada, dogmática, estigmatizadora e, por tudo isso, viciada.

Segundo essa visão enferma, típica de um ambiente político-cultural em que a ética (qualquer que seja) carece de um chão epistemológico para se firmar, a violência deve necessariamente ser um recurso que desvele um “estado de coisas”, uma ferramenta que ilumine aspectos da nossa “vivência social”, um espelho que reflita a famigerada “luta de classes”, e por aí afora. Vide, por exemplo, as más leituras das narrativas brutalistas de Edyr Augusto, artigos e resenhas repletos desse vocabulário forçosa e às vezes irrefletidamente “situador”, por meio do qual o crítico busca “justificar” os terrores descritos naquelas páginas. Quando não encontra uma “função narrativa” (para não dizer “social” ou “política”) para a violência descrita, seja em Augusto, seja em qualquer outro autor, o crítico, então, lança mão das obviedades empobrecedoras habituais: o autor quer “chocar por chocar”, as barbaridades não “contribuem” para o “avanço” da narrativa, a violência ali nada “diz” sobre o que quer que seja etc. No limite, recorre a expressões como “reacionário”, “fascista”, “pornógrafo”, “sub-Rubem Fonseca” e afins.

Ainda no âmbito dessa discussão, mas abrindo um parêntese, transcrevo o parágrafo 785 da Ciência Nova (tradução de Jorge Vaz de Carvalho, Fundação Calouste Gulbenkian), de Giambattista Vico:

Scalígero faz notar que quase todas as comparações são tomadas das feras e de outras coisas selvagens. Mas conceda-se ter sido isto necessário a Homero para se fazer compreender melhor pelo vulgo feroz e selvagem: porém, por muito bem-sucedido, pois tais comparações são incomparáveis, não é certamente próprio de engenho familiarizado com alguma filosofia e por ela civilizado. Nem poderia nascer de um ânimo humanizado e compadecido por alguma filosofia aquela truculência e ferocidade de estilo com que descreve tantas, tão variadas e sanguinárias batalhas, tantas, tão diferentes e todas de maneiras tão extravagantemente crudelíssimas espécies de matanças, que constituem particularmente toda a sublimidade da Ilíada.

Chega a ser divertido o tatear viconiano por uma luz teorética frente à extrema violência que salta das páginas da Ilíada, em sua (dele, Vico) busca pelo “verdadeiro Homero”. Mas, ainda que tal reflexão sirva para estabelecer uma distinção importantíssima no corpo da Ciência Nova, o filósofo não tergiversa: a “sublimidade” do poema diz respeito precisamente às “tão extravagantemente crudelíssimas espécies de matanças”, por mais que elas não sejam próprias “de engenho familiarizado com alguma filosofia e por ela civilizado”. Felizmente, eu acrescentaria.

Fechado o parêntese, parece-me que a noção aludida no primeiro parágrafo deste texto deriva de outra, mais abrangente, mas não menos desgraciosa, de que a literatura “serve” para criar algum ordenamento frente ao caos que nos circunda, e/ou para necessariamente “dizer” algo a respeito desse caos. Ora, também essa noção é típica dos (com a licença do jovem Nietzsche) “fisiologicamente regredidos, dos fracos”, não porque não haja (ou não possa haver) alguma espécie de ordenamento, mas porque este, no mais das vezes e nas melhores obras, não é verificável imediata e/ou imanentemente, e muito menos conforme os filtros e predeterminações de quaisquer visões de mundo que procuram estabelecer, de antemão, como uma obra de arte pode deve se comportar — que o diga a leitura estúpida da Educação Sentimental, de Flaubert, feita pelo paupérrimo Jean-Paul Sartre.

Assim contaminadas por essas e outras noções, pululam “interpretações” obtusas, apressadas, engraçadinhas, às vezes carregadas de um niilismo tão fácil quanto insubstancioso, “leituras” que se esforçam para tecer uma teia desinformada de relações que não são propriamente relações, mas meras reações que redundam (quando muito) em associações tão livres quanto equivocadas. Acredito que a violência e os tempos mortos, em geral tidos como narrativamente “dispensáveis”, dizem bastante de nós, os que (ainda) estamos vivos (ou quase), mas é triste constatar como a engenharia grotesca da funcionalidade também condena de antemão qualquer objeto literário que não traga em si um maquinário previsível ou cuja suposta imprevisibilidade seja imediatamente digerível pelos intestinos sensíveis da inteligência.

De um modo geral, parece haver certa indisposição à abertura, qualquer que seja: em tais circunstâncias, o crítico tem uma ideia bastante clara do que deveria ser a obra da qual se ocupará, mas não do que ela é ou pode ser, para o bem ou para o mal; nesses casos, o exercício da leitura se torna um exercício de fechamentos, um joguinho por meio do qual se mensura o quanto as expectativas do avaliador foram ou não cumpridas, joguinho cujas regras, não raro contaminadas por aquela teia relacional equivocada e/ou por uma carga ideológica cerceadora, estão (reitero, morrerei reiterando) estabelecidas de antemão, independentemente da obra a ser lida ou vista. Uma característica é encarada como um “defeito” ou “problema estrutural”, e muitos trabalhos são condenados por não serem algo que, se analisados com um mínimo de atenção, jamais tiveram a intenção de ser.

Em um contexto tal, empobrecido e empobrecedor, talvez seja o caso de apelar para uma espécie de reinversão copernicana. Dado o exercício doentiamente cerceador, a indisposição para com quaisquer aberturas, a tara pelos fechamentos amparados nas mais variadas pseudices e nos mais diversos preconceitos, ideológicos ou não, creio que não seja absurdo deslocar o caráter disfuncional das obras para o olhar de quem assim se dispõe a enxergá-las. Pois é possível que essas obras, com maior ou menor sucesso, reflitam em ou por meio de sua violenta fragmentação algo da nossa vivência ensombrecida, ainda mais nos dias que correm. As disfunções narrativas seriam, assim, traduções imperfeitas de algo que, em nós e fora, no outro (esse monstro), jaz como um resto irreparável. Mais do que nunca, a obra de arte seria tão grande quanto aquilo que cala e, assim abertos ao silêncio do que nos é disfuncionalmente comunicado, talvez conseguíssemos nos situar à sombra do outro e reaprendêssemos a atentar para a mudez essencial do mundo.

Hanói

Texto publicado hoje n’O Popular.

Hanoi

Hanói é um lugar para morrer. Morre-se em todo e qualquer lugar, mas David, trinta e poucos anos, doente terminal e protagonista do romance Hanói (Alfaguara), de Adriana Lisboa, escolhe a cidade vietnamita. É uma vontade dele, viajar, passar ali seus últimos dias. Escolha tão gratuita e casual como foi gratuita e casual a ocorrência nele da doença.

Quando li sobre o livro, pensei em minha novela Aneurisma. Nela, o protagonista, também jovem, descobre-se doente e escolhe não se tratar. Há uma clara opção pela imobilidade e, no limite, pela morte. David, pelo contrário, nega a imobilidade e escolhe se movimentar até que a morte o alcance. Ou seja, há um abismo conceitual, estético e existencial entre as narrativas. Ademais, o romance de Adriana é irretocável.

E Hanói é mais sobre deslocamento que sobre doença ou morte. A história se passa nos EUA e é povoada por imigrantes e filhos e netos de imigrantes. David é filho de um brasileiro e uma mexicana. Alex, filha e neta de vietnamitas. Há o deslocamento para o passado e os lugares de onde eles ou os pais vieram. Há a impossibilidade de deslocamento para o futuro, ao menos no que concerne a David. Os outros pensam na vida. David pensa em Hanói.

A doença é a inscrição da temporalidade no corpo. Há o tempo, claro, ele próprio uma inscrição, a inscrição primeira, mas a doença acelera tudo, escreve reto por linhas retas. “(…) Quando te dizem que é o último gole, David pensou, você para, aguça os sentidos e sente o gosto da bebida pela primeira vez.”

Há uma simplicidade no morrer que a simplicidade da prosa de Adriana corteja com leveza. O tom está de acordo com David, alguém que desde cedo escolheu não se imiscuir no acotovelamento cotidiano. Ele não é ambicioso ou competitivo; está na contramão, fora da curva, feliz com o “pouco” que tem.

Claro que algo assim não é fácil: Lisa, a namorada, abandona-o exatamente por isso. Atira o trompete de David pela janela. Ele, um músico de fim de semana, amante do jazz, compreende que ela queira ir embora, e também compreende que é melhor assim. Ele pensa na vida que o pai levava: “(…) E o produto da fábrica era a vida daquele homem, sua vida pesada e arrastada de uma infelicidade cem por cento normal”.

A música é muito importante. Há uma playlist que se desenrola no decorrer do livro. Por exemplo, é lindíssimo quando o jazz do “totalmente ferrado por dentro” Ornette Coleman vem calçar e dar sentido à narrativa. Em um mundo cada vez “menos nítido”, os sons sustentam o que é possível sustentar no processo de esboroamento. Sustentam, preenchem.

Hanói é o lugar para morrer, mas, estranhamente, torna-se depois (e também) o lugar para viver. Não é que David se salve. Não é que ninguém vá se salvar. Mas a viagem no capítulo final simboliza uma ideia de continuidade que transcende os nossos corpos-que-apodrecem. É outra coisa. É a memória do outro no outro, e a memória deste outro no outro-outro, e assim sucessivamente. Feito um improviso no palco, uns desenvolvendo os acordes dos companheiros.

Um trecho: “E agora já não havia aquele tatear experimental, aquela cerimônia inicial toda, na proximidade física: eles tinham fincado suas bandeirinhas no solo lunar, eram astronautas profissionais. A outra pessoa fica tão longe e tão perto, dependendo apenas dos acordes que se firmam. Você pode esticar o dedo e tocar a lua”.

Hanói é um recorte desse palco, o soberbo desenrolar de alguns desses acordes. Mesmo que seja impossível estar no lugar do outro, “calçar os seus sapatos”, todos precisamos de companhia em Hanói, afinal.

Em Paraty

Dubois

Participarei da programação do SESC durante a FLIP 2018. Caso estejam por lá e se animem a conferir:

  • Sábado, 2817hsCentro Cultural SESC Paraty
    Café Literário – “Palavras Brutas”.
    Bate-papo comigo e Ana Paula Maia.
    Mediação: Schneider Carpeggiani.

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