Categoria: Literatura

Narcisistas

Parafraseando Montale, o narcisismo pode até nos divertir, mas não nos comove jamais. Penso, claro, no péssimo artigo de Knausgård sobre Breivik, publicado na Piauí deste mês. A estupefação cega que o anima trafega pelas obviedades habituais: McVeigh, Arendt, o sentimentalismo torpe de programa televisivo dominical. Quando, após transcrever e descontextualizar um trecho de Eichmann em […]

Mar de chamas

Resenha publicada em 30.05.2015 no Estadão. Toda Luz Que Não Podemos Ver, segundo e premiado romance do norte-americano Anthony Doerr (1973), é uma bela façanha. Além de prender a atenção do leitor por mais de 500 movimentadas páginas, o livro é uma narrativa situada na Segunda Guerra Mundial que mantém o frescor e não tropeça […]

Perturbação

O formidável David Peace estreou na literatura com uma tetralogia policial animalesca, o quarteto de Yorkshire ou Red Riding Quartet: 1974, 1977, 1980 e 1983. Os romances foram publicados entre 1999 e 2002 e depois muito bem adaptados para a televisão britânica, em três partes (esta, esta e esta). A Benvirá lançou os quatro livros no […]

Houellebecq como sintoma do presente

Resenha publicada em 25.04.2015 no Estadão. “Submissão” é uma tradução literal de ‘islã’, e também o título do romance mais recente do francês Michel Houellebecq, originalmente lançado em meio à tormenta causada pelo atentado terrorista à redação do Charlie Hebdo. No livro, passado em 2022, acompanhamos a ascensão de um muçulmano ao poder na França e, […]

A praia impossível

É comum se referir a Vício Inerente como o “mais fácil” dos livros de Thomas Pynchon (1937), autor de calhamaços como O Arco-Íris da Gravidade e Mason & Dixon. De fato, o sétimo romance do autor (que lançou o oitavo, Bleeding Edge, em 2013) exige menos do que os citados acima, e forma uma espécie […]

Ladrões e prostitutas

Numa conversa com Philip Roth (publicada em Entre nós), o escritor Isaac Bashevis Singer fala sobre o meio literário na Varsóvia dos anos 1930, antes que a Noite caísse. Havia por lá, além (óbvio) dos poloneses que escreviam em polonês, judeus que escreviam em iídiche (como Singer) e judeus que escreviam em polonês (como Schulz). Por […]

O mundo perdido

Resenha publicada no Estadão em 28.02.2015. A Primeira Guerra Mundial assinalou o esgarçamento do império austro-húngaro. Poucas obras descrevem tão bem as enormes mudanças que levaram ao fim daquele mundo quanto a do judeu austríaco Joseph Roth (1894-1939), cujo ápice é justamente Marcha de Radetzky, de 1932, lançado há pouco no Brasil, com tradução e posfácio […]

A macieira

“Mais de cinquenta anos se passaram desde o fim da guerra. Esqueci muito, mesmo coisas que eram muito próximas de mim — lugares em particular, datas, e nomes de pessoas –, e mesmo assim ainda posso sentir aqueles dias em cada parte do meu corpo. Sempre que chove, faz frio, ou um vento feroz está soprando, […]

Hades, Glasnevin

Para Daniel e Lielson, dublinenses. Introibo. Este é um passeio pelos infernos homérico e joyciano. A descida ao Hades empreendida por Odisseu (décimo-primeiro canto da Odisseia) e a ida ao cemitério de Leopold Bloom (sexto capítulo do Ulysses) estão em seu centro. Walter Benjamin é um referencial para o jogo de aproximações e distanciamentos que ensejo. Por mais […]

O olhar de Virginia

Resenha publicada em 14.02.2015 no Estadão. Os nove ensaios de Virginia Woolf (1882-1941) reunidos em O Sol e o Peixe são uma boa amostra de uma obra ensaística que, a despeito de a autora ser mais conhecida por romances como Mrs. Dalloway e Ao Farol, e conforme nos informa o organizador e tradutor Tomaz Tadeu, soma mais de três mil […]