Categoria: Rascunhos

Siracusa

André de Leones | ficção     “Queria que Deus estivesse vivo pra ver isso.” — Homer Simpson.   Era uma vez, e nem foi uma vez tão boa assim, foi uma vez horrível, na verdade, uma vez hedionda, fedorenta, bizarra, uma vez malcheirosa, uma vez com bodum de mertiolate e merda, era uma vez […]

Cadarços

Ficção.     1. Meu primo andava preocupado por aqueles dias (os dias que precederam a fatalidade), precisava dar baixa em uma empresa para que pudesse abrir outra, dessas coisas burocráticas que, de uns tempos para cá, mais do que nunca, a gente precisa fazer para que nos autorizem a fazer outra coisa burocrática. Ao […]

Coreanos

Um conto.   Nunca teve problemas com vizinhos. Até que começou a ter problemas com vizinhos. Mas, por meses e meses, não obstante os problemas, preferiu não reclamar com a síndica. Torcia para que os problemas se resolvessem sozinhos. Talvez eles passem a se comportar de outra forma, pensava, talvez se mudem, talvez morram, talvez […]

Mapa da dor

Conto originalmente publicado no Blog do IMS em 02.03.2017, inspirado pela imagem abaixo¹. No dia em que levei meu pai para a frente do pelotão de fuzilamento, ele me disse que, entre os seus pertences, havia um livro surrado e, dentro dele, uma fotografia. “Seus pertences serão queimados junto com o seu corpo”, eu retruquei. […]

Granada

Conto originalmente publicado na Pessoa em 14.12.2019.   Murder would also be suicide. — William H. Gass, Omensetter’s Luck.   Bruno viu como o tio a empurrou escada abaixo, viu o movimento ligeiro do antebraço contra as costas da mulher, viu o ombro esquerdo se pronunciando à frente em uma coreografia similar à do zagueiro […]

Necessidades

Um conto. Cagar. O homem está sozinho, sentado à mesa, fuçando no telefone. Ele precisa cagar. O gabinete meio às escuras. Precisa muito cagar. Janelas e cortinas fechadas. Outra vez isso. Luzes apagadas, exceto por um abajur. Ele não aguenta mais. A noite avança lá fora. Cagar, por que é tão difícil cagar? Berros distantes, […]

Pólio

Para E.M., que sobreviveu para me dar esta história. INCIPIT O som de um corpo atirado n’água, o seu próprio corpo – o primeiro som guardado na memória. MERGULHO O pai foi apanhá-lo na cama, o hálito quente de cigarro, quente e áspero ao estreitá-lo junto ao corpo, a caminho do banheiro. Viu abaixo a […]

1986

Um conto. A árvore de Natal já estava na sala. A família a montou em silêncio, os quatro ali reunidos, dias antes da viagem. Aquele foi o intervalo doloroso de uma despedida, ou o seu início. As malas ficaram no tapete, bem perto da árvore, esperando por eles, por sua partida, desde a véspera. Estavam […]