“Il duol (…) moneta”: Dante, Paraíso XIX, 118-20. Na tradução de Italo Eugenio Mauro (ed. 34): “Lá será visto o mal que sobre o Sena / causa, falsificando a sua moeda, / quem sofrerá na caça a última pena”. A referência de Dante é o rei Filipe IV (1268–1314), ou Filipe, o Belo. Ele governou a França de 1285 até sua morte, e foi também rei de Navarra (como Filipe I, 1284-1305) por conta de seu casamento com Joana I. Em dificuldades fiscais por conta das guerras frequentes, Filipe desvalorizou a moeda francesa, reduzindo a proporção de prata em cada moeda. Em 1306, com o país acossado pela inflação, tentou restituir a proporção de prata anterior. A recessão levou à revolta popular e caos nas ruas. A fim de levantar a quantidade de prata necessária, o rei exilou alguns e executou outros de seus credores (os judeus e a Ordem dos Templários) recorrendo a acusações infundadas. A estupidez de Filipe se contrapõe à inteligência de Kublai Khan (como vimos no Canto XVIII). Pound inicia o Canto com a desastrosa política de Filipe, conforme observada por um poeta que lhe era contemporâneo, e o termina com a situação da França no período entreguerras. A estratégia francesa de “defesa em primeiro lugar” levou à construção da Linha Maginot e ao desenvolvimento da marinha, em consonância com a indústria armamentista coordenada pelo Comité des Forges. Não obstante todas os preparativos, a França foi derrotada em um mês pelos alemães, em maio-junho de 1940.
“Metevsky”: pseudônimo do negociante de armas Basil Zaharoff (v. Canto XVIII). Com a retração pós-Primeira Guerra Mundial, os negociantes de armas procuraram clientes no extremo oriente e na América do Sul. Note-se que China e Japão compravam armas dos mesmos fabricantes (de forma similar, Zaharoff vendeu armas para Grécia e Turquia em 1887).
“e as maneiras do Papa eram tão parecidas com as do Sr. Joyce”: Ambrogio Damiano Achille Ratti (1857-1939), papa Pio XI 1922-39), foi o primeiro a se instalar no recém-criado estado do Vaticano. Ele também foi o primeiro a fazer transmissões radiofônicas (em latim). Pound conheceu Ratti quando ele era diretor da Biblioteca Ambrosiana, em Milão. Nas cartas que enviou a Pound, James Joyce era polido e convencional.
“Marconi”: Guglielmo Marconi (1874-1937), engenheiro italiano tido como o inventor do rádio. Ele instalou uma estação de rádio no Vaticano, e Pio XI fez sua primeira transmissão no dia 12 de fevereiro de 1931.
“Jimmy Walker”: James Walker (1881-1946) foi prefeito de Nova York (1926-1932) durante a Lei Seca, em uma administração repleta de escândalos de corrupção. Roosevelt, governador do estado, tendo assegurado sua candidatura à presidência, forçou Walker a renunciar em 1932.
Dexter Kimball (1865-1952) foi um engenheiro norte-americano, professor em Cornell e autor de Industrial Economics (1929), citado por Pound no Canto.
“Akers”: pseudônimo da Vickers, empresa armamentista britânica na qual Basil Zaharoff trabalhou entre 1897 e 1927.
“Sr. Whitney”: Richard Whitney (1888-1974), corretor de ações novaiorquino, presidente da bolsa de valores da cidade entre 1930 e 35. Em meio à Depressão, Whitney desviou fundos a fim de salvar suas ações e manter o alto padrão de vida. Seus crimes foram descobertos em 1938. Condenado, passou três anos preso em Sing Sing e foi proibido de voltar a trabalhar no mercado financeiro.
“venda a futuro” (no original, “shortselling”): talvez a tradução mais correta seria “venda a descoberto”. Trata-se de uma prática financeira especulativa que consiste na venda de um ativo ou derivativo, esperando que o preço caia para então comprá-lo de volta e lucrar com a diferença.
“Genebra”: onde ficava a sede da malfadada Liga das Nações (1920-1946).
“Sr. D’Arcy”: William Knox D’Arcy (1849-1917), empresário britânico. Em 1901, adquiriu uma concessão do Xá da Pérsia para prospectar petróleo no Irã. Em 1908, descobriu o primeiro poço de petróleo comercialmente viável no país, fundou a Anglo-Persian Oil Company (APOC), que prometia pagar royalties de 16% para o governo local pelos próximos sessenta anos (porcentagem inferior aos impostos pagos pela APOC na Inglaterra). Em 1914, o governo britânico se tornou o maior acionista da empresa. Ao citar D’Arcy, Pound explcita a relação entre petróleo, intervenção estrangeira, colonialismo e guerra. O Irã só passaria a controlar suas reservas de petróleo com a Revolução Iraniana, em 1979.
“Sr. Melon”: Andrew Mellon (1855-1937), empresário norte-americano, foi Secretário do Tesouro (1921-32) durante o período que Pound considerava a “era da vergonha”: os mandatos dos republicanos de Warren G. Harding (1921-23), Calvin Coolidge (1923-29) e Herbert Hoover (1929-32). Em 1932, para evitar o impeachment, Mellon foi apontado embaixador dos EUA no Reino Unido, mas retornou à vida privada em 1933, quando Franklin Delano Roosevelt foi eleito presidente.
“Sr. Wilson”: Woodrow Wilson (1856-1924) foi presidente dos EUA (1913-1921). Queria concorrer a um terceiro mandato, mas estava muito doente (por conta de um derrame, não de prostatite).
“Sua Senhoria”: Maud Cunard (1872-1948), socialite norte-americana, esposa de Bache Cunard, neto de Samuel Cunard, fundador da empresa de transportes marítimos que leva o nome da família. Certa vez, Maud ouviu de uma rival, a condessa Margot Asquith (1864-1945), que sua filha, a escritora, mecenas e musa modernista Nancy Cunard (1896–1965; referida no Canto como “Jenny”), mantinha um relacionamento amoroso com Henry Crowder (1890–1955), um jazzista negro. Maud fez de tudo para separar o casal: tentou deportar Crowder, contratou detetives para espionar o casal, efetuou ligações ameaçadoras e cortou a mesada de Maud. O racismo de Maud é um dos sintomas de decadência cultural abordados no Canto. Asquith é referida no poema como “Agot Ipswitch”; ela era a esposa de Herbert Asquith (1852-1928), primeiro-ministro britânico (1908-1916).
O “nojento em Berlim” é Guilherme II (1859-1941), último imperador da Alemanha (1888-1918). Foi responsável pela instituição de uma política belicosa e confusa, culminando na garantia de apoio militar ao Império Austro-Húngaro (uma das causas para a eclosão da Primeira Guerra Mundial).
“François Giuseppe”: afrancesamento do nome de Francisco José (1830-1916), imperador austro-húngaro. O assassinato em Sarajevo de seu sobrinho e herdeiro presuntivo do trono, Francisco Ferdinando, em 28 de junho de 1914, foi um dos fatos que levaram ao início da Primeira Guerra.
“Mitsul”: o correto é “Mitsui”. Trata-se de um conglomerado japonês de bancos e holdings industriais.
“‘A madeira (…) coronhas'”: John Quincy Adams, em seu diário.
“… pântanos italianos (…) Tibério”: a bonifica (1930-39) foi um dos projetos mais importantes de Mussolini, e consistia na drenagem dos pântanos localizados nos arredores de Lazio. No entender de Pound, projetos desse tipo (a exemplo dos de Gandhi e Douglas) eram construtivos e visavam a paz, em oposição à escalada armamentista e belicosa verificada ne época. Tibério (42 a.C.-37 d.C.) foi um imperador romano.
“Beebe”: Charles William Beebe (1877-1962), naturalista, explorador e biólogo marinho norte-americano, autor de Beneath Tropic Seas.
“Rivera”: Miguel Primo de Rivera (1870-1930), aristocrata e general espanhol, primeiro-ministro do país entre 1920 e 30. O “infante” referido era Afonso, filho mais velho do rei Afonso XIII, e sofria de hemofilia.
“Schlossmann”: pseudônimo para Julius Sachs, repórter do Neues Wiener Journal que entrevistou Pound em maio de 1928, em Viena.
“Anschluss”, “unificação”, “anexação”: a anexação da Áustria pela Alemanha foi proibida pelo Tratado de Versalhes, mas levada a cabo pelos nazistas em 12 de março de 1938.
“Der im Baluba das Gewitter gemacht hat”, “que fez a tempestade em Baluba”: Pound reconta a seu modo um episódio de Erlebte Erdteile, do antropólogo alemão Leo Frobenius (1873-1938). A anedota original é de que Frobenius e seu time adentraram uma zona de guerra na África e usaram os tambores para sinalizar suas intenções pacíficas. Os tambores também anunciaram a participação de todas as vilas da região em uma batalha na manhã seguinte, mas uma tempestade caiu por volta da meia-noite e, por isso, não houve nenhuma batalha. Os locais acharam que o homem branco “fizera” a tempestade a fim de evitar a guerra. Pound conheceu Frobenius em Frankfurt, em maio de 1930.
“nobre húngaro”: Lajos Hatvany (v. Canto XXXV).
“Kosouth”: Ferenc Kossuth (1841-1914), engenheiro civil e político húngaro. Após viver na Itália por alguns anos, ele retornou para a Hungria e iniciou uma carreira política. Em 1889, era presidente do Partido da Independência, que aboliu a monarquia e separou a Hungria da Áustria.
“1927”: na verdade, Pound esteve em Viena em 1928.
“Bruhl”: Lucien Lévy Bruhl (1857-1939), filósofo e sociólogo francês. É é citado no Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade. Pound ligava o trabalho de Bruhl ao de Fenollosa como impulso e modelo para a poesia.
“Romeu e Julieta”: o caso dos amantes vienenses está mais para um sintoma de exaustão anímica e cultural, e ecoa o possível pacto suicida entre o príncipe austríaco Rudolf e a baronesa Maria Vetsera, encontrados mortos em Meyerling no dia 30 de janeiro de 1889. Rudolf era o único filho varão do imperador Francisco José, e sua morte criou uma instabilidade sucessória que comprometeu a reconciliação entre a Áustria e facções húngaras do império, culminando no assassinato daquele apontado como o herdeiro presuntivo, o arquiduque Francisco Ferdinando (sobrinho de Francisco José).
“Sr. Blodgett”: Sherburne C. Blodgett, um dos inventores de um protótipo da máquina de costura, que Isaac Singer viria a aperfeiçoar e comercializar a partir de 1850.
“Eu evidentemente jamais disse que o dinheiro em caixa…”: citação de The New and Old Economics, ensaio em cinco partes que C.H. Douglas publicou na New English Weekly em 1932.
“Douglas”: Clifford Hugh Douglas (1879-1952), economista, engenheiro de formação, criador da teoria econômica chamada de Crédito Social. No Canto XXII, Pound narra um encontro dele com John Maynard Keynes (1883-1946), lá identificado como “Mr. Bukos”.
“Uma fábrica…”: nos versos 107-25 (até “preços de um modo geral”), Pound apresenta o Teorema A + B, conforme explicado no livro Credit Power and Democracy, de Douglas.
“Herr Krupp”: Alfred Krupp (1812-1887), fabricante de armas de Essen. Sua fábrica ficou célebre por fabricar canhões de alta qualidade. Seu primeiro grande negócio se deu em 1847, quando vendeu armas para a França e o Egito. Ele foi um pioneiro nesse mercado, e um dos primeiros a não levar em consideração quaisquer interesses nacionais.
“Encomenda de Pedro o Grande”: no original, “Order of Pietro il Grande”. Desliza na tradução brasileira. “Order”, no original, refere-se não a uma “encomenda” de Pedro (até porque esse czar morreu em 1725), mas à Ordem de Pedro, o Grande, condecoração com a qual Krupp foi agraciado depois de vender canhões para a Rússia. Pound escreveu o nome em italiano como um aceno para a fonte que utilizou ao pesquisar sobre Krupp: I Mercanti di Cannoni (1932), do jornalista Paolo Zappa.
“Napoleon Barbiche”: no original, “Napoléon Barbiche”. Trata-se de Napoleão III (1808-1873), sobrinho de Bonaparte.
“Creusot”: a companhia de armamentos Schneider era a concorrente francesa de Krupp. A empresa foi fundada pelos irmãos Adolphe e Eugène Schneider (mencionado alguns versos depois, foi ta) em 1848, e sua sede se localizava em Creusot, no nordeste da França. Após a Segunda Guerra, a empresa passou por várias mudanças, e hoje é a multinacional Schneider Electric, especializada em automação digital e energia. Conforme mencionado alguns versos depois, Eugène foi também membro do parlamento francês, ministro da agricultura e presidente da câmara dos deputados. Adolphe, por sua vez, dedicou-se à administração financeira do negócio.
“(’68)”: em abril de 1868, Krupp enviou a Napoleão III um catálogo ilustrado com os canhões que fabricava. A resposta do imperador, assinada pelo general Edmond Leboeuf (1809-1888), data de 29 de abril de 1868 e não se comprometia a comprar nada. Lebouef, depois, tornou-se Marechal de França e teve um papel importante na Guerra Franco-Prussiana (1870-71). Após a derrota francesa, retirou-se da vida pública.
“operai”, trabalhadores (números que Pound encontrou no livro de Zappa).
“53 mil”: número de canhões produzidos pela Krupp às vésperas da Primeira Guerra.
“Bohlem e Halbach”: no original, “Bohlem und Halbach”. Gustav von Bohlen und Halbach (1870-1950) havia assumido a empresa após a morte do sogro (casara-se com a única filha de Krupp, Bertha). “Bohlem” é um erro tipográfico que também consta do original. Por fim, escrever “Bohlem e Halbach” é outro deslize da tradução brasileira, pois sugere aos desavisados que se trata de duas pessoas. Nos versos seguintes, Pound afirma e reafirma as similaridades entre Krupp e Schneider, que vendiam armas de forma indiscriminada. O filho e o neto de Eugène, Henri (1840-1898) e Eugène II, foram membros conservadores do parlamento.
“Chantiers de la Gironde”: estaleiro em Bordeaux que pertencia, em parte, aos Schneider. Eles também controlavam o “Banco do Paris Union” e o “banco franco-japonês”.
François de Wendel (1874-1949) foi um industrial e político de Hayange, na Lorena. Presidiu o Comité des Forges (1918-1940). “Robert Protot”: provável que Pound esteja se referindo a Robert Pinot (1862-1926), secretário-geral do Comité des Forges e autor de Comité des Forges au service de la nation (Août 1914-Novembre 1918). O Comité des Forges foi um cartel das indústrias de aço e ferro na França, ativo entre 1846 e 1940, quando foi dissolvido pelo governo de Vichy. Eugène Schneider foi seu primeiro presidente, cargo que ocupou até morrer em 1875. Sob a presidência de François de Wendel, o Comité coordenou a produção francesa de armamentos durante a Primeira Guerra. Mais abaixo, Pound menciona as cifras que o Comité pagou a três jornais parisienses; no entanto, Zappa aponta 10 milhões para Le Temps, não 30, como escreve Pound. Journal de Débats era nacionalista; Écho de Paris fazia campanha contra o desarmamento.
“Hawkwood”: do romance Il Trecentonovelle (1399), de Franco Sachetti.
“Polloks”: gíria para “poloneses”, termo comum na Pensilvânia daqueles tempos. De fato, a Schneider ajudou os poloneses a construir bases navais e vendeu canhões, aviões e metralhadoras para eles, além de emprestar dinheiro.
“faire passer (…) nation, “faça com que seus interesses prevaleçam contra os interesses da nação”.