Cantos XXI e XXII

 

 

CANTO XXI

“Siga com o negócio”: quem fala é Giovanni di Bicci de Médici (1360-1429), patriarca e fundador do império financeiro da famigerada família. Neste Canto, Pound o imagina falando com Cosimo, o filho e herdeiro, de forma similar à mensagem de Niccolò d’Este a Borso, conforme vimos no Canto anterior. A forma como Pound aborda os acontecimentos, dramatizando situações, foi inspirada pela História de Florença, de Maquiavel.

“Intestado”: morrer sem deixar testamento. A palavra é repetida como um refrão, algo recorrente nos Ricordi, de Lorenzo de Médici. A expressão “di sugello”, “com selo”, também é tirada de Lorenzo.

“com seu crédito”: Pound citando Maquiavel.

“Ficino”: Marsilio Ficino (1433-1499), filósofo florentino, tradutor de Platão e dos pensadores neoplatônicos para o latim. Pound considerava o fato de Cosimo ter pago pela educação de Ficino um dos fatos mais importantes do Renascimento. Cosimo patrocinou os estudos e trabalhos de Ficino por toda a vida; após a sua morte, o filho, Piero, e o neto, Lorenzo, continuaram a patrocinar o filósofo.

“col credito suo (…) pace”, “com seu crédito… Nápoles e Veneza de dinheiro… constrangidas… a paz”: citação truncada de Maquiavel. O trecho na íntegra: “Com seu próprio crédito, Cosimo esvaziou Nápoles e Veneza de dinheiro, de tal forma que elas foram constrangidas a aceitar a paz que ele estava disposto a lhes conceder”.

“Piero”: Piero di Cosimo de Medici (1416-1469), filho mais velho de Cosimo e pai de Lorenzo. Apelidado como “Il Gottoso” porque sofria com a gota. Por causa da doença, vivia acamado, distante dos negócios e da política. Após a morte de Cosimo, os inimigos da família conspiraram para sobrepujar a família, desacreditando e por fim tencionando matar Piero.

“Diotisalvi”: Diotisalvi Neroni (1401-1482). Tinha a confiança de Cosimo, e aconselhou Piero a permitir que ele administrasse os negócios. Piero pediu a Diotisalvi que fizesse uma auditoria nas contas e investimentos. Diotisalvi mostrou irregularidades e aconselhou Piero e cobrar suas dívidas. Embora parecesse um bom conselho administrativo, tinha a intenção de arruinar a reputação política da família (construída por meio do crédito generoso cedido por Cosimo ao estado e aos cidadãos de Florença e de outros lugares). Diotisalvi pretendia arruinar a casa de Médici a fim de assegurar o poder para si e seus cúmplices, Luca Pitti, Agnolo Acciaiuoli e Niccolò Soderini. A conspiração foi exposta e ele foi exilado de Florença em 1466.

“o jovem Lauro”: Lorenzo de Médici (1449-1492), filho mais velho de Piero, salvou a família dos conspiradores. Tinha 21 anos na época. “Sim, papai está chegando”: ao se deparar com a estrada repleta de homens armados (enviados pelos conspiradores para assassinar seu pai), Lorenzo alertou o pai do perigo, instando-o a seguir um caminho alternativo para Florença, ao mesmo tempo em que seguiu pela estrada principal e, ao ser questionado pelos outros, disse, imperturbável, que o pai vinha logo atrás.

“Nic Uzano”: Niccolò da Uzano ou Uzzano (1359-1431), Gonfaloneiro da Justiça na época em que Giovanni di Bicci ascendeu ao poder.

“Giuliano”: Giuliano de Médici (1453-78), filho de Piero e irmão caçula de Lorenzo. Foi assassinado por Francesco da Pazzi e Bernardo Baroncelli em 26 de abril de 1478 (domingo de páscoa), na catedral florentina de Santa Maria del Fiore, com um ferimento de espada na cabeça e dezenove estocadas. Lorenzo estava com ele quando foram atacados, mas conseguiu escapar, refugiando-se na sacristia. Francesco da Pazzi foi capturado e executado no mesmo dia, mas Bernardo conseguiu fugir. O sultão turco capturou Bernardo, e ele foi repatriado e enforcado no Palazzo del Bargello em 29 de dezembro de 1479. A imagem que ilustra o post é um desenho de Leonardo da Vinci da execução de Baroncelli.

“E difficile (…) stato”, “Em Florença, é difícil viver como um homem rico sem possuir o estado”: declaração escrita por Lorenzo em seus Ricordi. Como fosse ainda muito jovem quando da morte do pai, não queria assumir o poder em Florença, mas foi persuadido a fazê-lo por conta do risco que a família corria. Nos Cantos, Pound cria uma persona americanizada de Lorenzo, da mesma forma como, depois, italianizará Jefferson (usando um trecho da carta de Malatesta para Giovanni em uma das cartas do norte-americano).

“E non avendo stato (…) stato”, “E Piccinino, não tendo um estado, quem quer que tenha um estado precisava temê-lo” (Maquiavel). “Piccinino”: já citado em cantos anteriores, Giacomo ou Jacopo Piccinino (1415–1465) era um condottiere de menor expressão cuja sobrevivência foi ameaçada pelo Tratado de Lodi, de 1454. Tinha um exército, mas não possuía terras, e costumava ocupar fortalezas em Siena, Florença e territórios papais. Entre 1457 e o Tratado de Mântua (1459), foi contratado por Ferdinando, Rei de Nápoles (também chamado de Ferrante, 1458–1494) para combater Sigismundo. Quando o papa Pio quis mediar a paz entre Nápoles e Rimini, a posição de Ferdinando era de que arrancassem terras de Sigismundo e dessem para Piccinino. Mas, após firmarem o tratado, ele não recebeu nada e se aliou aos angevinos e aos irmãos Malatesta, e tentou destronar Ferdinando. Foi executado pelo rei em 1565.

“aquele homem”: Thaddeus Coleman Pound, avô de Pound. Teria construído uma ferrovia, mas foi levado à falência pela concorrência desleal. Pound acreditava que Thaddeus não construiu a ferrovia apenas para lucrar com ela, mas porque queria fazer algo de útil. Nisso, ele estaria alinhado com os construtores do Renascimento e com Jefferson (citado a seguir).

“Sr. Jefferson”: Thomas Jefferson (1743-1826), revolucionário e estadista norte-americano, autor da Declaração da Independência e terceiro presidente dos EUA (1801-1809). A carta citada (para Giovanni Fabbroni, de 8 de junho de 1778) está em Works of Thomas Jefferson, com o qual Pound foi presenteado por T. S. Eliot. Pound dedica os Cantos XXXI e XXXII a tecer um retrato de Jefferson, retrato cujo método poético remonta ao Canto VIII. O pedido de Jefferson por um jardineiro que saiba tocar a trompa remete ao de Sigismundo Malatesta para que Giovanni de Médici convença um pintor florentino a se mudar para Rimini. O Canto XXXI começa com outra referência a Sigismundo Malatesta: “tempus loquendi/tempus tacendi”.

“affatigandose (…) non”, “esforçando-se ou não ao seu bel-prazer”: da carta da Sigismundo para Giovanni de Médici, de 1449, já citada no Canto VIII, referindo-se ao tal pintor que ele gostaria que se juntasse à corte em Rimini.

“Montecello”: a fazenda de Thomas Jefferson nas proximidades de Charlottesville, na Virgínia. O nome é geralmente grafado como “Monticello”. No original e na tradução, o nome aparece como “Montecello”.

“Duque de Galeaz”: Galeaz Sforza Visconti (1444-1476), filho e herdeiro de Francesco Sforza, Duque de Milão após a morte do pai em 1466. Foi um importante aliado dos Médici durante a crise e as guerras travadas por conta da conspiração de Luca Pitti e Diotisalvi Neroni.

“Outra guerra…”: Pound parafraseia Maquuiavel, “così per la guerra non acquistavano gloria né per la pace quiete”.

“… gerou um papa”: de fato, Giovanni (1475-1521) se tornou o Papa Leão X. Mas, diferentemente do que é dito no poema, Lorenzo não fundou uma universidade, mas reabriu a Universidade de Pisa em 1473. Outro paralelo com Jefferson, que fundou a Universidade da Virgínia em 1819.

“E fez a paz (…) Nápoles”: o caos se instalou em Florença após a conspiração de Pazzi, em 1478. Dezenas de pessoas foram mortas indiscriminadamente, incluindo o arcebispo Salviati, e a cidade de Florença foi excomungada pelo papa Sisto IV por meio de seu aliado, o rei Ferdinando de Nápoles. Ciente de que a desordem era causada pelos problemas em que a família se metera, Lorenzo foi a Nápoles para negociar a paz com Ferdinando, mesmo sabendo da propensão deste para assassinar desafetos (como Piccinino).

“Placidia”: Galla Placidia (388-450), imperatriz e regente do Império Romano do Ocidente. Pound talvez tenha visitado seu mausoléu em 1922, em Ravena. Dali, ele viajou para Veneza, Verona e Sirmione — os versos seguintes do Canto parecem retraçar esse itinerário.

“Do exarcado”: província do Império Bizantino. O termo passou a ser usado após a dissolução do Império Romano do Ocidente, em 1476. Justiniano, estabelecido em Constantinopla, tentou recuperar o controle sobre a Itália, e conseguiu (por um tempo).

“Pela arena, les gradins…”: os degraus da Arena di Verona (ver Cantos IV e XII). “E o palazzo”: o Palácio Ducal, também conhecido como Palácio do Doge, em Veneza.

“nel tramonto”, “ao pôr do sol”; “Gignetei kalon”, “algo belo nasceu” (mas Pound comete um erro, posto que a forma “gignetei” não existe; provável que quisesse dizer γίγνεται, “gignetai”).

“Actium” (ou Áccio): promontório da Acarnânia, na Grécia, situado à entrada do Golfo de Arta. Foi palco de uma batalha naval entre as forças de Otaviano e Marco Antônio & Cleópatra, em 31 a.C., vencida pelo primeiro.

Sobre Midas, o melhor é beber de Ovídio. Há duas histórias sobre ele no Livro XI das Metamorfoses.

“… os pinhos de Isa”: referência a Takasago (ver Canto IV).

“Inopos”: rio da ilha de Delos. Diz-se que é alimentado pelas águas do Nilo (ver Calímaco, “Hino a Ártemis”).

“Phoibos, turris eburnea”: Febo, nome latim do deus Apolo; “turris eburnea”, “torre de marfim”.

“Atame” é uma ninfa inventada por Pound, substituindo a irmã de Fetusa (citada a seguir), Lampetie. Fetusa, filha de Hélio, pastoreava as ovelhas do pai na Trinácia (Sicília) e, a exemplo de Perséfone, foi levada por Hades (aqui mencionado como “Dis”). A referência à mula remete a uma das histórias de Midas, que ganhou orelhas de burro ao preferir Pan em vez de Apolo. Por fim, “asfódelo” é uma planta associada ao mundo ínfero. Na parte final do Canto, Pound remete também ao momento em que, na Odisseia XI, Homero tem com os mortos, incluindo sua mãe, Anticleia (“pálida na haste da lua”). É o submundo sempre à espreita, e também uma dança pagã de ânimas de mulheres pegas por Hades.

 

CANTO XXII

“aquele homem”: Thaddeus Coleman Pound (1832-1914), avô do autor, mencionado no Canto anterior. Foi um empresário e político, e um dos fundadores de Chippewa Falls, Wisconsin. Warenhouser, citada alguns versos depois, era concorrente de Thaddeus.

“C. H.”: Clifford Hugh Douglas (1879-1952), economista, engenheiro de formação, criador da teoria econômica chamada de Crédito Social. Pound narra um encontro dele com John Maynard Keynes (1883-1946), identificado como “Mr. Bukos”.

“H.C.L.”: “high cost of living”, “alto custo de vida”.

“Standu (…) d’Adamo”, “Parei no paraíso terrestre, pensando em como fazer uma companhia para Adão.”

“Sr. Hobson”: no original, “Mr. H. B.”. Terrell identifica como Keynes; outros, como J. A. Hobson; há quem afirme que o mais provável é que se trate de Hilaire Belloc, autor de O Estado Servil, livro no qual Douglas baseou algumas de suas ideias. O “escritório” citado talvez seja da New Age, editora que publicou os livros de Douglas.

“Palgrave’s Golden Treasury”: Francis Turner Palgrave (1824-1897), poeta inglês, professor em Oxford. Editou a antologia The Golden Treasury of the Best Songs and Lyrical Poems in the English Language (1861).

“Seenhorr Freer”: Pound viajou para Gibraltar com sua tia Frank em 1902. O nome dela era Amelia Weston, mas viajou usando o nome de solteira, Freer. Por conta disso, Yusuf Benemore, que conheceu Pound in 1902, chamava-o assim, “Seenhorr Freer”.

“Anos atrás”: Pound reconta coisas que aconteceram em outra passagem por Gibraltar, em 1908. Logo, “anos antes” diz respeito à viagem anterior, em 1902.

O “camiseiro” é referido depois como Ginger (e “Jean-jah”).

“Calpe (Lyceo)”: Café Gibraltar. Gibraltar também é referido como “Gibel Tara”.

“Yusuf”: Yusuf Benemore, um guia turístico judeu com quem Pound esteve em 1902 e 1908.

“Granada”: Pound teria feito uma viagem a Granada, no sul da Espanha, e depois retornado a Gibraltar.

“Eduardo Sétimo”: Eduard VII (1841-1910), rei da Grã-Bretanha entre 1901 e 1910. Gibraltar é um território britânico desde o começo do século XVIII.

“faceva bisbiglio”, “sussurrava.”