“Não cometi…”: estamos no DTC, e quem fala (Little, Nelson ou Washington) é um dos detentos, “refletindo sobre as fantasias de nossa emergente Θεμις”. Θεμις é Têmis, titânide filha de Urano e Gaia que personificava a lei estabelecida ou ratificada pelos costumes.
“E a morte de Margot…”: o obituário de Margot Asquith (1864-1945) foi publicado pela Time de 06.08.1945, identificada como “a Condessa de Oxford e Asquith” e “a sagaz esposa do primeiro-ministro britânico (1908-16) Herbert H. Asquith, por muitos anos a enfant terrible da sociedade”. Dentre suas “audácias” listadas no obituário, estava o bilhete escrito a lápis “para a rainha Vitória, recusando-se a permanecer em um jantar festivo, a despeito do pedido do rei Edward”. Ela já marcou presença no Canto XXXVIII (referida como “Agot Ipswitch”): certa vez, disse à socialite norte-americana Maud Cunard que a filha desta, a escritora, mecenas e musa modernista Nancy Cunard (1896–1965), mantinha um relacionamento amoroso com Henry Crowder (1890–1955), um jazzista negro, em Paris. Como resultado, Maud fez de tudo para separar o casal: tentou deportar Crowder, contratou detetives para espionar o casal, efetuou ligações ameaçadoras e cortou a mesada da filha. (Nancy é citada mais adiante no Canto.) Asquith queria ver o circo pegar fogo, e Pound gostava muito dela, que encomendava exemplares da revista Blast e teve um retrato desenhado por Gaudier-Brzeska (acima).
“Walter”: Walter Morse Rummel (1887-1953), pianista e compositor alemão muito interessado em canções francesas dos séculos XII e XIII. Pound viveu com ele em Paris por alguns meses. Assim como Michio Ito, Rummel passou por dificuldades financeiras. O sobrenome dele é mencionado alguns versos abaixo, entre parênteses.
“Finlândia”: poema tonal de Sibelius.
“senesco / sed amo”: “envelheço, mas amo.”
“Madri, Sevilla, Córdova”: quando jovem, Pound trabalhou como guia turístico nessas cidades. “Gervais”: marca francesa de laticínios.
“Las Meniñas”: célebre pintura de Velásquez. Pound a viu no Museu do Prado, em Madri, bem como outras que cita nos versos seguintes (“Filipe a cavalo ou não a cavalo”, “anões”, “Don Juan”, “Breda” etc.). “Las Américas” é um bazar em Madri.
“Symons”: o poeta e crítico britânico Arthur Symons (1865-1945), figura importante no desenvolvimento do simbolismo. “Tabarin” era um clube noturno em Montmartre. A história envolvendo Verlaine está na autobiografia de Ernest Rhys, Everyman Remembers (1931), e pode ser que Symons ou Rhys a contou Tabarin. Segundo a anedota, Verlaine dava uma festa no quartinho em que vivia após se restabelecer de uma enfermidade. A certa altura, sacou uma nota de dez francos e pediu a alguém que comprasse uma garrafa de rum. Quando a pessoa voltou com a bebida, como só houvesse um copo, a garrafa foi passando de mão em mão, todos bebendo do gargalo.
“Henrique”: o romancista e dramaturgo francês León Henrique (1851-1935). Flaubert e Turgêniev foram amigos por muitos anos. Terrell sugere que a menção a Tirésias ocorre pela capacidade profética deste; ele como que é invocado no corpo do poema.
A citação em grego não faz sentido, mas parece que Pound está tentando citar a Odisseia X, 494-5 (coloco em itálico o trecho buscado por Pound, mas, para fins de contextualização, cito 489-95; uso, como sempre, a tradução de Trajano Vieira, ed. 34):
(…) Outra viagem haverás
de executar primeiramente, à residência
do Hades e da terribilíssima Perséfone,
a fim de consultar a psique do tebano,
Tirésias, vate cego de epigástrio sólido:
só a ele, mesmo morto, concedeu Perséfone
o sopro da sapiência. Os outros vagam: sombras.
Assim, o verso seguinte do Canto (“Tem ainda a mente intacta”) também se refere a Tirésias
“(atirarão X——–y)”: referência a Vikdun Quisling (1887-1945), militar e político norueguês que, junto com o alemão Josef Terboven, presidiu a Noruega após a invasão nazista, instituindo, portanto, um governo fantoche que colaborou com o Holocausto. Após a guerra, ele foi julgado, condenado e executado na Fortaleza de Akershus, em Oslo. A palavra “quisling” virou sinônimo de “traidor” ou “colaborador” em vários idiomas.
“Blum”: o socialista francês Léon Blum (1872-1950), primeiro-ministro da França em três oportunidades, foi opositor de Pétain e perseguido pelo marechal. Por muito pouco, não caiu nas mãos dos nazistas (o irmão dele, René, morreu em Auschwitz). O “bidê” que ele defendia talvez fosse o Banco da França, que reorganizou em 1936.
“simplex munditiis”: v. Horácio, Odes I, 5 — “Para quem prendes teus louros cabelos, // tão simples na tua elegância?” (trad.: Pedro Braga Falcão, ed. 34).
O “velho Legge” é o sinólogo e missionário escocês James Legge (1815-1897), editor dos Chinese Classics (sete volumes).
“Tsu Tsze”: Tzu Hsi (ou Cixi, 1861-1908) foi imperatriz da China e governou o país de fato (mas não de jure) por 47 anos (1861-1908). Conhecida como a Imperatriz Viúva (“Dowager”), era uma das concubinas de status inferior do imperador Xianfeng. Em 1856, deu à luz Tongzhi, único filho do monarca. Xianfeng morreu e o garoto se tornou imperador aos seis anos de idade, mas, poucos meses depois, Tzu Hsi chegou ao poder graças a um golpe de estado. Nos primeiros tempos de reinado, tentou combater a corrupção, mas foi engolfada pela ocorrência de vários levantes populares, os quais tratou de sufocar com extrema violência — exceto pelo Levante dos Boxers (ou Movimento Yihetuan, 1900-1), que eventualmente contou com o apoio da imperatriz e foi levado a cabo por uma sociedade secreta de lutadores (a Sociedade dos Punhos Harmoniosos e Justiceiros, Yìhéquán) cujo objetivo era expulsar os estrangeiros do território chinês. A rebelião resultou na invasão da China por milhares de soldados norte-americanos, austro-húngaros, britânicos, franceses, alemães, italianos, japoneses e russos, em uma grande aliança. Os invasores venceram os revoltosos e o exército imperial, além de saquear Pequim e outras áreas do país. Quanto às menções no Canto à caligrafia e outras coisas da imperatriz, Pound as tirou do livro With the Empress Dowager, da retratista e pintora norte-americana Katherine Carl (1865-1938). Em 1903, Carl passou nove meses na China, pintando o retrato da imperatriz para a Feira Mundial de St. Louis (1904).
“‘e serei maldito’ disse Confúcio”: a tradução da fala é literal e o sentido meio que se perde. A referência é aos Analectos VI, 28 (Terrell assinala erroneamente 26): “O Mestre foi ver Nan Tzu. Tzu-lu não gostou. O Mestre jurou: ‘Se fiz algo inapropriado, que o castigo do Céu caia sobre mim! Que o castigo do Céu caia sobre mim!” (trad.: Caroline Chang e D. C. Lau, ed. L&PM). Tzu-lu era um dos discípulos de Confúcio. Nan Tzu (ou Nan-tze) era uma das esposas do duque Ling. O filho deste, K’uai K’ui, achando que a madrasta fora infiel ao pai (e/ou por outras razões não esclarecidas), tentou assassiná-la, fracassou e fugiu para outra província. Nas versões mais cabeludas da história, Nan-tze teria mantido relações incestuosas com um homem chamado Sung Chao ou Sung-tzu Chao, embora muito pouco ou nada se saiba a respeito dele (e, portanto, permanece obscura a natureza do suposto parentesco entre os dois). O mais provável, conforme atesta um ótimo artigo de Siegfried Englert e Roderick Ptak (leia AQUI), é que os boatos envolvendo Nan-tze não passassem de maledicência misógina. Ela seria muito influente junto ao marido, o que causava estranhamento; o fato de que Confúcio foi vê-la é um indício da influência dela junto ao duque (a quem Confúcio desejava aconselhar). Em todo caso, ficam explicados o receio (desconfiança?) do discípulo e a reação de Confúcio, precisando afirmar que nada fizera de errado ao visitar a mulher.
“Nancy”: trata-se de Nancy Cunard, mencionada acima (v. nota sobre Margot Asquith). A referência implícita a Nan-tze (cujo som é similar ao de “Nancy”) sugere que o affair de Cunard com Crowder teve circunstâncias violentas.
“Sr. Hartmann”: o poeta, dramaturgo e crítico de arte norte-americano Sadakichi Hartmann (1867-1944), tido em alta conta por Pound. “Hovey” é o poeta norte-americano Richard Hovey (1864-1900). “Stickney” é o poeta norte-americano Trumbull Stickney (1874-1904). “Loring” é o poeta e jornalista norte-americano Frederic Wadsworth Loring (1848-1871). “Santayana” é o filósofo espanhol Jorge (“George”) Augustín Nicolás Ruiz de Santayana (1863-1952), que nasceu em Madri, estudou e lecionou em Harvard e voltou para a Europa em 1912. Ele e Pound se conheceram em Veneza, em 1919, e se tornaram amigos. “Carman” é o poeta e jornalista canadense Bliss Carman (1861-1929), que passou a maior parte da vida na estrada, cantando seus poemas em troca de comida ou um lugar para dormir.
“Whitman gostava de ostras”: na verdade, em Conversations with Walt Whitman, de Hartmann, este diz que eles comeram lagostas.
“Nenni”: o socialista Pietro Nenni (1891-1980) assumiu um cargo importante no governo pós-Mussolini (de Ferruccio Parri) e queria ser primeiro-ministro. No entanto, dizia uma nota publicada na Time (02.07.1945), o filósofo Benedetto Croce expressou a opinião geral: “Nenni, você não pode ser premier. Primeiro, porque você é Nenni; segundo, porque não entende nada de administração”.
“Tseng”: Tzu Kung, um importante discípulo de Confúcio.
“e quanto ao pobre velho Benito”: nesse trecho, Pound reitera a ladainha de que o “grande” Mussolini foi destruído por aqueles que o cercavam, “todos tão abaixo dele / vagabundos e amateur / ou meros canalhas”. Mais abaixo, “Billyum” é W. B. Yeats.
“Ó mulher formulada como um cisne”: primeiro verso de um poema do irlandês Padraic Colum (1881-1972), muito admirado por Pound.
“Se um homem (…) senador?”: em A Packet for Ezra Pound (1929), Yeats escreveu: “Meu caro Ezra, não seja eleito para o senado do seu país”. Esses versos são a resposta de Pound.
“Palio” é uma corrida de cavalos que ocorre duas vezes por ano em Siena, em 2 de julho (desde 1633) e 16 de agosto (desde 1701).
“giribizzi”: creio que a grafia correta é “ghiribizzi”, “caprichos”. No verso seguinte, “onde está Barilli?” — Bruno Barilli (1880-1952) foi um compositor e crítico musical italiano. Alguns versos depois, “non è una hontrada…”, “não é um distrito, é um condomínio”; depois, “arti”, “guildas; “hamomila de hampo”, “camomila do campo”.
A Osservanza é uma igreja em Siena. Lá, estão muitas esculturas da família de la Robbia, algumas das quais foram destruídas por bombardeios na Segunda Guerra Mundial. Pound fala sobre isso no trecho. O Tempio, em Rimini, também teve a fachada destruída pelas bombas.
“e perto de quê? Li Saou” parece ser uma confusão de Pound com certos caracteres. Assim, segundo Achilles Fang em sua tese de doutorado, esse verso seria o mesmo que “perto de que pinheiros?”, verso (512) que aparece mais para o final do poema (Fang, “Materials for the Study of Pound’s Cantos”, Harvard University, 1958, vols. II, III, IV).
“para esmagar Mussolini”: no original, “to cwuth Mutholini”. Isso teria sido dito por Sir Robert Mond (industrial, químico e arqueólogo britânico, 1867-1938) em um estabelecimento em Roma (rua Balbo, nº 35), em 1935, palavras que Pound entreouviu. Essa mesma fala já aparece no começo do Canto LXXVIII. Trata-se, é claro, do antissemitismo de Pound em toda a sua imbecilidade, pois Mond era judeu. Pound escreveu sobre a ocasião em que teria entreouvido as palavras de Mond em A Visiting Card: “Felizmente, esses porcalhões não têm nenhum senso de proporção, ou o mundo inteiro já estaria sob o domínio racial deles”. “Deles”, isto é, dos judeus. Detalhe importante: para tornar a caricatura mais canhestra, Pound engrola as palavras de Mond (daí o “cwuth” — seria “crush”, “esmagar” — e o “Mutholini” do original, ignorados pelo tradutor); no Canto LXXVIII, ele deforma o verbo ainda mais (“crwuth”), mas mantém o nome de Mussolini intacto.
“Nunca será usado no país (…)”: Lênin teria dito isso (“e está enterrado na Praça Vermelha de Moscou” — sendo que, no original, Pound escreve “Mosq”, não “Moscow”). A mesma fala aparece no Canto LXXIV (embora lá o termo usado seja “usurários”, não “emprestadores”).
“(…) uma ressurreição parcial / de corpos”: ref. concepção medieval da ressurreição no Dia do Juízo. Os saduceus, citados em seguida, eram uma seita judaica contemporânea de Jesus, religiosamente conservadora, urbana, aristocrática, negava a imortalidade e a ressurreição.
“Cairo”: há uma canção do poeta e dramaturgo inglês Thomas Lovell Beddoes (1803-1849) na peça Death’s Jest-Book intitulada “The Song that Wolfram Heard in Hell”, na qual estão os versos: “Old Adam, the carrion crow, / The old crow of Cairo…” (“Velho Adão, o corvo putrefato, / O velho corvo do Cairo…”). Pound tinha Beddoes em altíssima conta. Ele é citado nominalmente em seguida, primeiro pelo sobrenome e depois pelas iniciais “T. L.”, e ainda pela alcunha “príncipe dos papa-defuntos”, pois se ocupava da morte. E Pound escreve: “O osso luz foi seu ponto de partida”. O “osso luz” seria o cóccix. Segundo certa tradição rabínica, o cóccix é o único osso humano que não se decompõe após a morte. Também havia (não entre os judeus, óbvio) a ideia de que, se o osso fosse destruído, a pessoa estaria perpetuamente condenada ao inferno; por essa razão, Amalric (ou, na cabeça de Pound, Erigena) foi exumado. Em Death’s Jest-Book (III, 3), há a menção a esse “osso em forma de semente”, que os “Hebreus” chamam de “Luz”, que, sendo plantado no chão, após três mil anos, fará crescer “a relva da carne”, a “erva daninha sangrenta e possuidora de alma chamada homem”.
Há algumas menções a Eliot no trecho. Quando Pound diz que ele “não deu mais tempo ao Sr. Beddoes”, está se referindo aos versos de “Quarta-feira de cinzas”: “(…) E disse Deus: / Viverão tais ossos? Tais ossos / Viverão?”. Depois, “(e pérolas)” evoca “(Estas são as pérolas que foram seus olhos. Olha!)”, d'”A terra desolada” (trad.: Ivan Junqueira, ed. Nova Fronteira).
“ou o odor de eucalipto ou de / algas cara-de-gato, croce di Malta, figura del sol”: Grünewald quebra o primeiro verso (no original, “of the odour of eucalyptus or sea wrack”), jogando as algas (“sea wrack”) para o verso seguinte. Pound considerava suas sementes de eucalipto uma espécie de talismã, e elas pareciam ter a forma de uma cara de gato, da “cruz de Malta” ou da “figura do sol” (isto é, dos raios).
“Hot…“: a voz do sargento do DTC cadenciando a corrida no treinamento. Ideogramas: “como é longe”.
Nos versos seguintes, Pound é surpreendido pela visita de um gato (seu animal favorito), que perambula pela enfermaria (onde ele estava instalado, escrevendo esses versos), fuça nos livros e manuscritos, tenta comer uns caramelos, sobe em uma caixa que usaram para transportar bacon (nela está inscrito o número da remessa, W110090) etc. O “gatinho sobre as teclas” alude à composição homônima (“Kitten on the Keys”) do norte-americano Zez Confrey (1895-1971).
“órgão a vapor via rádio”: no original, “radio steam Calliope”. Calíope é um instrumento musical inventado nos EUA, em meados do século XIX, que usa tubos e apitos (similares ou tirados de locomotivas), e o som é alcançado usando vapor, gás ou ar comprimido. Ao limar o termo “Calliope”, perde-se a ironia do verso, uma vez que Calíope é a musa da eloquência e da poesia épica, e mesmo assim usaram seu nome para batizar um instrumento musical estridente e horrendo.
“(…) Hino de Batalha da República” e “meus olhos têm” (“mi-hine eyes hav”): os censores do DTC começaram a desconfiar que Pound passava mensagens codificadas para o inimigo por meio dos poemas e ele resolveu sacaneá-los.
“submeta-me por temporis acti”: isso vem de Horácio, Arte Poética 173. O verso é “laudator temporis acti”, isto é, “aquele que tece louvores aos tempos passados”, coisa típica dos velhos que elogiam os tempos idos em detrimento do presente. O verso original de Pound é “put me down for temporis acti”; no contexto, parece-me que “put me down” seria melhor traduzido como algo no sentido de “abater” ou “sacrificar” (no sentido de abater ou sacrificar um animal velho e/ou doente) — “acabe comigo pelos temporis acti”, algo do tipo.
“ΟΥ ΤΙΣ” (a mesma palavra aparece em minúsculas, “ου τις”, “Ninguém” (a forma como Odisseu se apresenta ao Ciclope no Canto IX da Odisseia); “αχρουος”, “sem tempo”.
Ideograma: “Ch’uan”, “cão”.
“Pistoleiro Jones”: oficial no DTC (tenente).
“homem e cachorro”: a constelação Órion e a estrela Sirius, “α Canis Majoris” (localizada na constelação do Cão Maior).
“como naturalmente no oriente se o sujeito no”: o verso interrompido de repente deveria ter o ideograma acima (“cão”) como complemento
“Kuan Chung”: v. Analectos XIV, 18, 2.
“così discesi per l’aer maligno”: “então desci pelo ar maligno”. Segundo Terrell, trata-se do verso que abre o Canto V do Inferno de Dante. Ocorre que, na edição de que disponho, lê-se: “Cosí discesi del cerchio primaio”, “Do círculo primeiro fui descendo” (na trad. de Italo Eugenio Mauro, ed. 34). Talvez seja o caso de que Pound, sem dispor do livro, tenha tentado citar de memória e errou.
“on doit le temps ainsi prendre qu’il vient”: em tradução livre, “devemos aproveitar o tempo que vier”. Terrell identifica esse verso (em francês) como sendo do Inferno V, 86. No entanto, verificando o livro de Dante, lê-se: “diverse colpe giú li grava ao fondo:”, “por vária culpa, às valas abissais”. No entanto, fazendo uma busca online, diversos sites identificam-no como um verso do Rondeaux de Jean Frossart (c.1337-c.1405).
“g.l.”: “gentil leitor”, conforme reiterado no verso seguinte.
“‘a S. Bartolomeo mi vidi col pargoletto, / Chiodato a terra colle braccie aperte / in forma di croce gemisti. / disse: Io son’ la luna.’ / Coi piedi sulla falce d’argento / mi parve di pietosa sembianzza”: em tradução livre, “‘em S. Bartolomeo me vi com o menino, / Pregado no chão com os braços abertos / em forma de cruz e gemendo. / disse: Eu sou a lua’. / Com os pés na foice de prata / parecia-me de aparência lamentável”.
“semina motuum”: “sementes do movimento.” Mais abaixo, “hagoromo” é o nome de uma peça Nō, já citada em outros Cantos.
“Em Éfeso ela se compadecia do ourives”: ela, Diana, a patrona dos ourives. “Actéon”, citado logo abaixo, sofreu a fúria de Diana (v. Canto IV). Neto de Cadmo, ele acidentalmente viu Diana (Ártemis) se banhando em Gargáfia e foi por ela transformado em veado (v. Metamorfoses III, 138-250).
“Fano Caesaris”: colônia romana construída por Otávio Augusto sobre um antigo sítio etrusco. O nome vem de Fano Fortunae, “Templo da Fortuna”. Os Malatesta possuíram o local por um tempo, até ele ser confiscado pelo papa (daí a expressão “olim de Malatestis”, “outrora dos Malatesta”). César Borgia fundou ali uma prensa onde fez livros em grego, latim, hebraico e italiano.
“wan”: Wên (v. Analectos IX, 5, 2), que Pound traduz como “o conhecimento preciso”.
“caritas”: “amor, estima”; “ΧΑΡΙΤΕΣ” (pronuncia-se “Khárites”): “as Graças.”
“Ade du”: trocadilho do alemão “ade du” (“tchau para você”) e o francês “adieu” (da canção de guerra britânica “Tipperay”). Piccadilly é uma praça em Londres, assim como “Lesterplatz” (forma germanizada de “Leicester Square”).
“Bellotti” era o dono de um restaurante italiano homônimo em Londres, frequentado por Pound e seus amigos nas décadas de 1910 e 20.
“‘Não há treva…'”: citação de Noite de Reis (IV, ii, 45-47), de Shakespeare, gravada no pedestal da escultura dele em Leicester Square.
“As coisas que eu poderia contar-lhe, disse ele, da Senhora de X”: Lady Grey, uma das muitas amigas de Eduardo VII (1841-1910) quando ele ainda era príncipe de Gales, e referido em seguida como “o Acariciador”. O “ele” que conta a fofoca é Bellotti.
“Sam Johnson”: o volume das peças de Shakespeare editado por Johnson não tem a fala de Noite de Reis citada acima. No verso seguinte, a citação é de Júlio César III, ii.
“Rubicão”: Sigismundo Malatesta erigiu um pedestal de pedra em homenagem a César em um antigo fórum, no local onde hoje é o Largo Giulio Cesare (próximo do Arco di Augusto).
“H. Cole”: Horace de Vere Cole (1874-1935), amigo do pintor Augustus John, com quem teria se dado o diálogo narrado por Pound. Cole era dado a pregar trotes como os citados no poema.
“passa Napper, Bottom (…) enfermos”: instalado na enfermaria, Pound vê os “trainees” do DTC passando pelo local. Ele usava uma velha Remington para datilografar os poemas.
“Aquiles”: no caso, Achille Ratti (1857-1939), o papa Pio XI.
“velha Kait”: personagem do poema “Ole Kate”, de Alfred Venison (pseudônimo de Pound em meados dos anos 1930).
“sacerdos”: padres. “Ixion” foi um homem da Tessália que cortejou Hera e, por essa afronta, foi condenado por Zeus ao tormento eterno em uma roda no Hades. “Trinácrio de Man”: “Trinácria” era o antigo nome grego para a Sicília. Ele está relacionado à antiga lenda de Vulcano (equivalente romano de Hefesto) solucionando o problema do moto-perpétuo usando uma roda com patas de cachorro como raios, o que remete ao tormento de Ixion. Por fim, o emblema heráldico da Ilha de Man é um tríscele.
“Sauter”: o retratista bávaro George Sauter (1866-1937) viveu em Londres por muitos anos e, a certa altura, ele e Pound foram vizinhos.
“Sarasate”: o violinista espanhol Pablo Martin Meliton Sarasate y Navascues (1844-1908) teve o retrato pintado por James Whistler (também citado no Canto). O violinista belga Eugene Isaye viu o quadro e disse: “Que violino!”, pois o grande destaque ali é mesmo o instrumento.
“ne povans desraciner”: “não podendo desenraizar.”
“Tosch” é um nome de cachorro comum. Por “Tolosa”, talvez Pound se refira a Toulouse, que visitou em 1919.
“Willy” é o escritor francês Henri Gauthier-Villars (1859-1931).
“papa Dulac”: pai do artista francês Edmund Dulac (1882-1953), citado alguns versos antes. Ele (o pai) teria arranjado um lugar para os Pound se hospedaram em Toulouse e lhes oferecido várias refeições.
“Dolmetsch””: o músico e fabricante de instrumentos francês Arnold Dolmetsch (1858-1940).
“Il est (…) pain”: “Tão bom quanto pão.”
“Mockel” (Albert Mockel, 1866-1945) era um poeta simbolista belga, fundador e editor de La Wallonie, uma revista cultural publicada em Liège por H. Vaillant-Carmanne de junho de 1886 a dezembro de 1892. Foi uma publicação importante para divulgar o simbolismo. A Dial era uma revista cultural norte-americana publicada intermitentemente entre 1840 e 1929. Em sua primeira leva (1840-44), era um veículo do movimento transcendentalista. Na segunda (1880-1919), passou a publicar textos políticos e literários. Por fim, entre 1920 e 29, foi importante divulgadora do modernismo. Pound se lembra de Mockel tentando fazer com que “Willy” colaborasse com a Dial.
“Les moeurs passent et la douleur reste.”: “A moral passa e a dor permanece.”
“a loja de velharias de Judith”: Judith Gautier (1850-1917), poeta e romancista francesa, filha de Theóphile Gautier. Única mulher membro da Académie Goncourt. A “loja de velharias” era o apartamento dela.
“Ca s’appelle…”: “Isso é chamado de sótão.”
“Rua Jacob”: onde viveu a dramaturga, poetisa e romancista norte-americana Natalie Barney (1876-1972) por mais de seis décadas. Em sua casa, realizou por muito tempo um salão literário. “à l’Amitié” (“à amizade”) refere-se a um pequeno gazebo dórico que ficava no jardim de Barney e que ela chamava de “Temple à l’Amitié”. Sendo amigo dela, Pound convenceu Barney a ajudar diversos escritores em dificuldades. O “M. Jean” referido no verso seguinte é Jean Cocteau (mencionado adiante como “Monsieur C.”).
“apache”: membro de um grupo de dança que tratava muito mal a parceira, daí Barney dizer que ele era muito malcriado. Grünewald erra o gênero da parceira de dança em questão, que diz: “Olha, ela está te dizendo”. “jambe-de-bois” é “perna-de-pau” (literalmente).
“Entrez (…) monde”: “Entre, vamos, vá em frente / essa casa é de todo mundo” — Barney recebendo Pound e o editor e produtor teatral norte-americano Horace Liveright em sua casa “perto do Natal” (“vers le Noël”).
“ce sont les moueurs de Lutèce”: “essas são as morais de Lutèce” (Lutetia Parisiorum era o antigo nome de Paris). Alguns versos depois, “Tio William” é Yeats.
“o herdeiro da tinta”: o pintor norte-americano Eugene Ullman (1877-1953), cujo pai fabricava tinta para impressores. Ullman pintou um retrato de Pound em 1912 (ao lado).
“vous allez (…) toile?”: “vai barbear uma tela?” — Terrell conta que, segundo Pound escreveu em uma carta de 1955, em 1912 as autoridades acharam que três telas de Eugène Carrière eram “muito nuas” e pediram que fossem retocadas. O pintor Carolus-Duran (mencionado pouco antes no Canto) passava por ali quando Carrière fazia os retoques, deitando umas pinceladas em cor pastel, e fez aquela pergunta. O problema é que isso não poderia ter acontecido em 1912, pois Carrière morreu em 1906. Teria sido em 1902?
“Quand vous serez…”: “Quando você estiver muito velho” — verso dos Sonnets pour Helene (1578), de Ronsard.
“mit Schlag”: “com chantilly”; o “café” mencionado em seguida e mais adiante (como “Wiener Café”) é o Vienna Café, na rua Oxford, em Londres. Seus donos eram austríacos. Com o início da Guerra, tornaram-se malquistos (eram o “inimigo”) e o café eventualmente fechou, dando lugar a um banco. Wyndham Lewis e Pound se encontraram lá pela primeira vez por volta de 1910. “Jozeff”, citado mais adiante, era provavelmente um garçom que trabalhava no café e voltou para casa.
“Binyon”: Laurence Binyon (1869-1943), poeta, tradutor de Dante, especialista em arte oriental, trabalhava no Museu Britânico. Pound gostava muito de um livro dele intitulado Flight of the Dragon (1911). “Penthesileia” é o título de um poema narrativo de Binyon sobre o qual Pound ouviu de uma das filhas do autor.
“Netuno”: apelido do poeta e artista britânico Thomas Sturge Moore (1870-1944). Em seguida, Pound remete aos versos de abertura do poema The Rout of the Amazons (“Laomedon…”).
“Sr. Newbolt”: versos (“Ele ficou…”) de “A Ballad of John Nicholson”, do poeta inglês Henry John Newbolt (1862-1938), cujas inversões Pound não suportava.
“meum est propositum (…) in tabernam”: “minha intenção (é morrer) em uma taverna.”
“‘perdidos’, disse o Sr. Bridges (…) de volta'”: reação do poeta inglês Robert Bridges (1844-1930) ao ler Personae e Exultations, elogiando os arcaísmos e prometendo trazê-los de volta, para horror de Pound.
“Furnivall” e “Dr. Weir Mitchell”: Frederick James Furnivall (1825-1910) foi um acadêmico e filólogo inglês, editor do dicionário Oxford. O médico Mitchell (1829-1914) era da Filadélfia e Pound o conhecia e aprovava seus projetos culturais, como o dicionário Chaucer. Foi Mitchell quem cunhou a expressão “membro fantasma” para descrever a sensação de pessoas com membros amputados. Alguns versos abaixo, o “velho William” é, de novo, W. B. Yeats. Mais adiante, “ou o seu, de William, velho ‘da'” refere-se a John Butler Yeats (1839-1922); há, ali, uma cochilada do produtor, uma vez que “da”, corruptela de “dad”, deveria ser traduzido como “papa” ou coisa parecida. J. B. viveu por alguns anos em Nova York, e Pound o teria visto em Coney Island montado em um elefante, conforme contou em uma carta de 1915 para o advogado e colecionador de arte John Quinn (1870-1924), figura importantíssima na defesa da liberdade de expressão e defensor das vanguardas e do modernismo (lutou contra a censura e outras leis retrógradas).
“‘Líquidos e fluidos!’ / disse a quiromante”: o velho J. B. Yeats temia que o filho fugisse com uma dançarina, e então começou a temer que ele não fugiria com ninguém e passou a frequentar quiromantes e afins para descobrir sobre que chances teria de se tornar avô. Sabemos dessa conversa por conta do volume Passages from the Letters of John Butler Yeats, Selected by Ezra Pound, editado em 1917.
Warren Dahler era um pintor que Pound conheceu em Nova York no começo da década de 1910. Ele teria descoberto um lugar chamado Patchin, onde E. E. Cummings também viveu por muitos anos. “Hier wohnt”, “aqui vive” (a tradição, assim como antes ela vivia em Camden, quando Whitman lá estava).
“596 Av. Lexington”: antigo endereço da avó materna de Pound, Mary Weston, em Nova York. O outro (“24 E. 47ª”) é o endereço de uma pensão do tio-avô de Pound, Ezra B. Weston, e da esposa deste, Frances Amelia Weston ou tia Frank, logo abaixo referida como “Tia F.”. Pound viveu nessa pensão quando garoto. “James” é o criado negro dessa tia, e ela se refere ao Hotel Windsor, destruído em um incêndio em 7 de março de 1899.
“Alma-Tadema” é Sir Lawrence Alma-Tadema (1936-1912), pintor inglês que vivia perto do Regent’s Park, em Londres. A “Leighton House” era a residência de Frederick, Lorde Leighton (1830-1896).
“Selsey” é uma cidade no litoral sul da Inglaterra onde Ford Madox Ford e Violet Hunt viviam (Pound costumava visitá-los lá). É Ford (depois referido como “Fordie”) quem conta a anedota sobre Swinburne. As aspas são de uma criada: um cocheiro bateu à porta e disse que o patrão dela estava na carruagem, bêbado.
“Tennyson”: comentário jocoso de Pound sobre quando Tennyson teria começado a escrever para “os ouvidos ignorantes de Viccy (Victoria)”.
“Mis Brandon”: Mary Elizabeth Brandon (1837-1915), autora prolífica e bastante rica. Ford, sendo pobre, maravilhava-se com a riqueza, chamando a atenção de Pound para a decoração da casa de Brandon.
“Périgueux”: capital da Dordogne, na França. A catedral lembrava Pound dos arranha-céus de Nova York.
“‘si com’ ad Arli'”: citação do Inferno IX, 112 (“sí come ad Arli”), “Como em Arles”. Assim Dante descreve as muralhas da “Cidade de Dis”. A referência ao “sarraceno” se dá porque as muralhas de Dis cercam um cemitério, e em Arles está o Aliscans (“Alyschamps”, Campos Elíseos), cemitério dos guerreiros que enfrentaram os sarracenos.
“Borr” é a pronúncia dialetal de Born, antiga cidade em Périgord. É, claro, a cidade do trovador Bertran de Born (1140-1215), barão do Limousin, cuja família se mudou para o castelo de Altafort (Hautefort) quando o irmão dele se casou com alguém da família Delastours.
O “tio Jorge” é o congressista George Holden Tinkham (1870-1956), com quem Pound visitou o Monte Grappa, perto do rio Piave. “Volpe” é Giuseppe Volpi (1877-1947), 1º Conde de Misurata, político e empresário italiano, ministro da economia de Mussolini (1925-28).
“Florian”, um café na Praça de São Marcos, em Veneza. “Sir Ronald”: Ronald Storrs (1881-1955), administrador e historiador britânico. O “Negus” era o título de Hailé Selassié (1892-1975), soberano da Etiópia.
“Alexandria”: Pound foi a Tânger com sua tia Frank em 1898. Ele se lembra, então, do romance Moscardino, de Enrico Pea (1881-1952), que traduziu para o inglês.
Pound gostava muito da sonoridade da poesia de Whitcomb Riley (1849-1916).
“Nancy” é a poeta e patrona das artes Nancy Cunard (1896-1965). Grünewald traduz diretamente alguns termos nesse trecho (“veir” por “peles nobres”; “cisclatons” por “sedas de ouro”). O verso “Whither go all the vair and the cisclatons” é uma referência a uma passagem do capítulo 6 de Aucassin and Nicolette (do século XII ou XIII); Pound apreciava a tradução de Andrew Lang.
“Que tous (…) lune”: “Que todos os meses temos uma nova lua.”
“Herbiet”: em 1921, usando o pseudônimo “Christian”, o poeta francês Georges Herbiet traduziu “Moeurs Contemporaines”, de Pound, para o jornal dadaísta 391.
“de mis soledades vengan”: “de minhas solidões venham” (de um poema de Lope de Vega).
“ficado lá até que Rossetti (…) dois pence”: o poeta e pintor inglês Dante Gabriel Rossetti (1828-1882) encontrou em um sebo cópias raras de Rubáiyát of Omar Khayyám, a célebre antologia de poemas persas traduzidos por Edward FitzGerald, por dois pence.
“Cythera”: aqui é o planeta Vênus, visto ao lado de uma lua crescente.
“Les hommes (…) beauté”: “Os homens têm não sei que medo estranho (…) da beleza.”
“Arthur” é Arthur Symons (1865-1945), poeta e crítico britânico, autor de The Symbolist Movement in Literature. A citação é de um poema dele, “Modern Beauty”.
“βροδοδακτυλος ‘Ηως”: a expressão em grego é a homérica “aurora de dedos róseos”; logo abaixo, “Kύθηρα δεινα”, “terrível Citera”.
No trecho seguinte, todos os pintores citados (Botticelli, Sellaio, Rembrandt etc.) retrataram Vênus.
“‘Isto apenas (…) τυ παν'”: o filósofo neoconfuciano Chu Hsi (1130-1200) comenta sobre o início de Chung Yung. A expressão em grego significa “o todo”.
Marie Laurencin (1885-1956) foi uma pintora francesa. “Miss Alexander” é Cecily Henrietta Alexander, retratada por Whistler em “Harmony in Grey and Green: Miss Cicely Alexander” (1872-4). Ela era filha de um banqueiro londrino e tinha oito anos de idade quando Whistler pintou seu retrato. (Terrell cita erroneamente o nome da tela como “Arrangement in Grey…”.
“(e as três damas gordas de Sargent, ao contrário)”: o pintor norte-americano John Singer Sargent (1856-1925) fez várias telas com três mulheres juntas, mas nenhum delas apresenta “três damas gordas”.
“Rodenbach”: Georges Rodenbach (1855-1898) foi um poeta belga associado ao movimento simbolista. Seu retrato foi pintado pelo francês Lucien Lévy-Dhurmer (1865-1953) e, nele, a ponte ao fundo parece ter lembrado Pound da Petit Pont, também chamada de Ponte de Abelardo (daí a menção a ele logo depois). “L’Ile St. Louis”, por sua vez, é uma das ilhas do rio Sena, em Paris.
“παντα ‘ρει”: “tudo flui” (Heráclito).
“como ele caminhara sob os altares da chuva (…) parapeitos”: Analectos XII, 21.
“Spencer”: instrutor de Pound na Cheltenham Military Academy. “Bill Sheperd” (William Pierce Shepard) foi professor de Pound no Hamilton College.
“νπερ μσρον”: “além do que é destinado” (fórmula recorrente em Homero). A ilha atacada é provavelmente Ismarus, dos cícones (v. Canto LXXIX e Odisseia IX, 39ss.).
“Je suis (…) forces”: “Estou no limite das minhas forças” (segundo Wyndham Lewis, frase sempre repetida pelo dono do Golden Calf Nightclub, em Londres).
“portões da morte”: no caso, os portões do DTC. Pound cita Jó 38, 17: “Foram-te indicadas as Portas da Morte, / ou viste as portas da sombra da morte?”. Em seguida, as referências a Whitman e Lovelace dizem respeito aos versos coligidos por Morris Speare no Pocket Book Of Verse (Pound encontrou um exemplar na latrina).
“quanda a balsa partiu”: Odisseia V, 365-69.
“Immaculata (…) saeculorum”: da preparação da missa católico-romana. “Imaculada, eu entro”; as santas Perpétua, Agatha e Anastasia. A expressão completa é “in saecula saeculorum”, “nos séculos dos séculos”. Na estrofe seguinte, “repos donnez à cils”, “dê descanso àqueles”; “senza…”, “atos sem fim”; “Les larmes (…) Tristesse”, “As lágrimas que criei escorrem / Muito, muito tarde conheci minha tristeza” (Villon, “Grand Testament” – tradução livre a partir da versão em inglês de Terrell).
“hieri”: ontem; “K.P.”: “Kitchen Patrol”, “Patrulha da Cozinha”. Pound lista soldados e oficiais do DTC chamados a trabalhar na cozinha ou na lista de enfermos.
“labirinto do subterrâneo”: no original, “labyrinth of souterrain”, com a palavra em francês.
“Carleton”: Mark Alfred Carleton (1886-1925) foi um botânico e cerealista norte-americano que introduziu trigos vermelhos duros e trigos duros da Rússia nas plantações dos EUA, aumentando enormemente a produtividade. Ele também foi muito bem sucedido no combate às pragas. Em 1901, o governo francês reconheceu seu trabalho com o Chevalier du Merite Agricole.
“o. t. a.”: “of the army”, “do exército”.
“Oh estar na Inglaterra (…) foi”: paráfrase rítmica de “Home-Thoughts, from Abroad”, de Robert Browning. A derrota de Churchill em 1945 foi um choque e tanto, e os trabalhistas liderados por Attlee trataram de nacionalizar o Banco da Inglaterra.
“Olhar por um instante (…) esquecida”: Pound e Dorothy visitaram uma torre na Lacock Abbey, em Salisbury Plain. Lá, eles engatinharam até o extremo do teto e viram uma cópia empoeirada da Magna Carta mantida dentro de uma espécie de redoma de vidro. Provável que se tratasse de uma “Exemplification of Henry Ill’s reissue of Magna Carta, 1225”.
“a primeira de João”: a Magna Carta é o documento assinado, em 1215, pelo rei João Sem-Terra (1166-1216), sob pressão da nobreza e do clero. Ela limitou os poderes do monarca, que renunciou a certos direitos e passou a observar procedimentos legais, reconhecendo que sua vontade estaria sujeita à lei. Ele escreve: “e ainda lá”. Na verdade, em 1945, Miss Matilda Talbot levou a carta para o Museu Britânico, onde está até hoje. Os Talbot eram da família Shakespear, e Charles Talbot (citado alguns versos depois) era sobrinho de Dorothy Pound. Ele herdara Lacock Abbey e a deixara para a sobrinha, Matilda. Endividada, ela teve de vender diversas obras de artes e documentos históricos, como a Magna Carta.
“se o dinheiro ficasse livre (…) impostos”: no entender de Pound, o governo Attlee estava numa encruzilhada: ou tornava o dinheiro “livre de novo” (nacionalizando o Banco da Inglaterra) ou devolvia tudo aos conservadores (como Chesterton).
“Quando um cão em altura…”: os ritmos dessa estrofe são inspirados em várias composições do século XV que Pound encontrou no Pocket Book of Verse editado por Morris Speare.
“uma porca com nove filhotes”: a tradução perde o efeito original de “a sow with nine boneen”, sendo “boneen” (baneen, bainin) uma expressão irlandesa para designar uma ninhada de porquinhos.
“Claridge” é um hotel chique na Brook Street, no West End londrino. Por sua vez, o escritor inglês Maurie (Maurice) Hewlett (1861-1923) vivia em Salisbury.
“o verde aquilófilo”: no original, “the green holly”. Citação de Como gostais (II, vii), de Shakespeare.
Na “planície de Salisbury”, há vários monumentos históricos (como Stonehenge).
“Lady Anne”: Lady Anne Blunt (1837-1917), neta (pelo lado materno) de Lorde Byron, filha de William King-Noel e de Augusta Ada Byron (Ada Lovelace, matemática, tida como a primeira programadora da história), esposa do poeta W. S. Blunt e grande criadora de cavalos árabes.
Pound associa erroneamente o porto francês Le Portel com Swinburne, que dramatizou o assassinato de David Rizzio, secretário da rainha Mary Stuart (“La Stuarda”).
“Si tuit li dohl (…) os leopardos e as giestas”: “Se todos os pesares, e os lamentos, e a dor” — do lamento de Bertran de Born pela morte do rei Henrique, o Jovem (1155-1183). A luta pelo poder na Casa de Plantageneta entre Leonor de Aquitânia e seu, marido Henrique II, levou os filhos a tomarem partido. Henrique, o Jovem, era o primogênito e foi coroado em 1170 para governar ao lado do pai. Ricardo Coração de Leão, o caçula, declarou guerra contra os dois. Em “Sestina: Altaforte”, poema de Personae, Pound identifica o leopardo como o device de Ricardo (só posteriormente, na Guerra das Rosas, é que as cabeças de leopardos foram associadas à Casa de York, assim como as giestas (plantagenetas) eram identificadas com os Lancaster). O poema foi traduzido por Mário Faustino na antologia Ezra Pound – Poesia (ed. Hucitec/UnB, 1993).
“Tudor”: a família real que governou a Inglaterra entre 1485 (Henrique IV) e 1603 (quando Elizabeth I morreu). O padrão rítmico dessa estrofe vem do Rubaiyat de Edward Fitzgerald, que Pound também encontrou no livro de Speare. “Vermelho-sangue” e “branco-pálido” referem-se, claro, aos Lancaster e aos York, antagonistas na Guerra das Rosas (1455-85).
“Howard” é Catherine Howard (c.1521-1542), quinta esposa de Henrique VIII; “Boleyn” é Ana Bolena (c.1507-1536), a segunda esposa, mãe de Elizabeth I.
“Serpentine” é um lago curvo no Hyde Park, próximo de Kensington. Pound viveu próximo dali por uns tempos.
“couturier”: estilista, costureiro. No caso, o crepúsculo (simbolizando a natureza como um todo) é o “grande estilista”.