Canto XXX

 

“Prantear”: Pound parodia Geoffrey Chaucer, Complaynte Unto Pite.

“… liquidou as minhas ninfas”: no original, “slayeth”, mas no sentido de “superar”, “sobrepujar”.

Em Pafos, na costa do Chipre, diz-se que Afrodite emergiu das ondas. Em seguida, Pound usa o nome latino de Ares, Marte, para sugerir que a voz que fala no poema é medieval. Ares e Afrodite eram amantes, e a história de como o marido dela, Hefesto (o “covarde tolo”), flagrou-os no ato e os acorrentou, nus, envergonhando-os na frente dos outros deuses, é narrada por Homero na Odisseia VIII, 265-370. Zeus casou Afrodite e Hefesto por razões políticas, e nenhum autor clássico apresenta Hefesto como um “covarde tolo”. Aqui, o casamento da deusa do amor com esse velho “tolo” seria o primeiro caso elencado por Pound de situação antinatural, de amor sórdido, corrompido.

A história de Pedro I e Inês de Castro já é referida no Canto III. Aqui, o famigerado e macabro beija-mão seria algo como a segunda história sórdida de amor: a defunta exumada, entronada e homenageada como se estivesse viva.

“Madame ῾´ΥΛΗ”, “hilé”, “matéria”: apelido poundiano para Lucrécia Borgia. Eis o terceiro exemplo de sordidez: a filha bastarda de um papa vendida (mais de uma vez) para a aristocracia italiana. O uso do termo grego sugere que a beleza de Lucrécia era pura matéria, só corpo, por assim dizer, e desprovida de alma. E, de forma análoga, seus casamentos não passavam de alianças e arranjos políticos, servindo aos interesses do momento. No Canto, Pound remete ao terceiro desses casamentos, com Alfonso, filho de Ercole d’Este, duque de Ferrara, sendo que este último exigiu do papa Alexandre VI um dote gigantesco. O “problema” não era Lucrécia ser bastarda (muitos poderosos e poderosas da época o eram), mas, sim, ser filha de um papa, e também o destino dos predecessores de Alfonso d’Este (Giovanni Sforza foi forçado a se declarar impotente; Alfonso d’Aragon foi assassinado). Ele “passou por aqui sem dizer ‘Ó'” porque o casamento se deu por procuração, sem contatos prévios entre os noivos, e ele só foi encontrá-la depois de tudo acertado e assinado, aparecendo sem aviso no castelo Bentivoglio (Lucrécia estava a caminho de Ferrara, mas ele não quis esperar mais).

“Daí gravamos isso no metal”: o narrador do poema passa a falar de Hieronymus (Gershom) Soncino, editor judeu que se estabeleceu em Fano, em 1501. Pound cita as dedicatórias da edição impressa por Soncino das Opere volgari di Messer Francesco Petrarcha (1503). A expressão “no santuário de César” é uma referência ao nome da cidade, pois “Fano” deriva de “fanum”, “santuário”. A cidade teve grande importância para os Malatesta, pois era onde o pai de Sigismundo, Pandolfo, vivia; a família perdeu a cidade para Pio II em 1463; e, depois, de novo em 1500, quando Cesare Borgia a tomou de Pandolfo Malatesta IV (neto de Sigismundo). Cesare Borgia (1475-1507), era filho de Rodrigo (papa Alexandre VI), irmão de Giovanni, Gioffre e Lucrécia. Em 1498, após a morte de seu irmão, Giovanni (ver Canto V), Cesare renunciou à posição de cardeal e se tornou comandante do exército papal. Tomou vários territórios dos Malatesta, mas perdeu tudo em 1503, após a morte do pai. O novo papa, Júlio II, embora tivesse prometido que o manteria como general do exército papal, mandou prendê-lo. Cesare fugiu para a Espanha, onde foi assassinado em uma emboscada poucos anos depois. Pound se refere a ele como “Duque de Valente e Aemilia” porque o rei francês Luís XII nomeou Cesare Duque de Valentinois; e “Aemelia”, no caso, é a Emilia-Romagna.

“In Fano Caesaris”, “no templo (santuário) de César”.

Francesco da Bologna (Francesco Griffo) foi um criador de fontes, inventor do tipo cursivo. Trabalhou com o humanista e editor Aldus Manutius (ou Aldo Manuzio, 1449-1515; citado por Pound no Canto) em Veneza, e depois criou as fontes da edição de Petrarca impressa por Soncino. O “texto” é as Opere volgari di Messer Francesco Petrarcha. Para a composição da obra, Soncino contou com a ajuda de Lorenzo Abstemio (mencionado como “Messire de Laurentio”), cidadão de Fano que possuía um códice de Petrarca, e da biblioteca dos Malatesta (que gastavam fortunas com a compra de manuscritos; a Biblioteca Malatestiana, em Cesena, ainda existe).

“Alessandro Borgia” é, claro, Rodrigo Borgia, o papa Alexandre VI. Sua morte (“Il Papa morì”) encerra o ciclo malatestiano da obra, iniciado no Canto VIII. Sublinhe-se o azar de Soncino: o papa morreu poucos meses após a edição das obras de Petrarca, e ele perdeu um patrono que havia recém-adquirido, por assim dizer. Explicit canto, “fim do canto”, e fim da primeira parte dos Cantos. Sigamos.