“Para os sete lagos”: “Sete Lagos” (七澤) é uma expressão típica da tradição poética chinesa para se referir aos lagos das regiões de Hunan e Hubei, que em tempos antigos pertenciam ao reino de Chou ou Zhou.
“Chuva; rio vazio”: os versos de 2 a 31 são baseados em uma sucessão de oito pinturas e poemas chineses que constavam de um livro pertencente à família de Pound: The Eight Views of Xiao Xiang (As Oito Paisagens (ou Vistas) do Xiao-Xiang; em japonês: Sho-Sho Hakkei). Geograficamente, Xiao-Xiang é uma região em Hunan onde o rio Xiang, alargado pelas águas do Xiao, deságua no lago Dongting ao norte da cidade de Changsha. O livro foi produzido no Japão como uma série de trípticos. Estes consistiam em um poema chinês, uma pintura paisagística e um poema original japonês sobre o mesmo tema. Os poemas chineses foram livremente traduzidos pela missionária chinesa Pao Swen Tseng quando ela visitou Pound, em maio de 1928. A primeira cena das Oito Paisagens é “Chuva noturna no Xiao e no Xiang” (瀟湘夜雨):
“e falam os bambus em tom de choro”: na China antiga, as filhas do imperador Yao, Ehuang e Nuying, choraram por dias em luto por seu falecido marido, o imperador Shun, e suas lágrimas mancharam os bambus da região. Incapaz de conter a dor, elas se mataram pulando no Xiang. As narrativas estão documentadas na antologia de Qu Yuan, Chuci (Canções do Sul), no capítulo “As Nove Canções”. Este contém as seções “Ao Senhor do Rio Xiang” e “A Senhora do Xiang”.
“Lua outonal (…) juncais”: a segunda cena das Oito Paisagens é “Lua outonal sobre o lago Dongting” (洞庭秋月):
“Atrás do monte (…) vento”: a terceira cena das Oito Paisagens é “Sino vesperal do templo encoberto pela névoa” (煙寺晚鐘):
“Uma vela (…) rio”: a quarta cena das Oito Paisagens é “Veleiros retornando de uma paragem distante” (遠浦歸帆):
“Quando a flâmula vinho (…) sopram”: a quinta cena das Oito Paisagens é “Névoa sobre a cidade na montanha” (山市晴嵐):
“Vem a crosta da neve (…) frio”: a sexta cena das Oito Paisagens é “Rio e céu na neve vesperal” (江天暮雪):
“qual lanterna”: no original, “like a lanthorn”, termo mais arcaico e sonoro.
“E em San Yin (…) lazer”: nome derivado de dois caracteres não traduzidos da fonte chinesa. No quinto verso do poema, “san yin” (山陰) significa “atrás da montanha”. Na paráfrase da tradução de Pao Swen Tseng, eles não foram traduzidos, e Pound os reaproveitou como se fossem o nome de um local. Sanehide Kodama sugere como essa mudança de significado pode ter ocorrido, referindo-se a uma anedota que Tseng talvez conhecesse: “O último verso alude a um episódio de O-Kishi [chinês: Wang Huizhi]. Certa noite, depois que parou de nevar, ele viu a lua, começou a beber e escreveu um poema. Então, sentiu vontade de visitar seu amigo Tai-Ando [chinês: Dai-Andao]. Ele remou seu barco desde San In e depois caminhou até o portão da casa de seu amigo, mas voltou para casa sem vê-lo. Quando perguntado a respeito, respondeu: ‘Venho quando me sinto interessado e vou embora quando perco o interesse. Por que eu deveria necessariamente ver Ando?’!” (Kodama 136n.6). A anedota está em A New Account of the Tales of the World (世說新語), que consiste em observações concisas sobre diferentes pessoas que viveram entre 150 e 420 d.C. O livro foi traduzido e editado em inglês por R. B. Mather. Tanto “San Yin” quanto “Ten-Shi” podem ser encarados como elementos da mítica contrageografia do Canto. Pound tem o cuidado de evitar nomes reais ou apontar para uma região específica no mundo real. Ele usou estratégias semelhantes nos cantos XVII, XXI e XXXIX.
“Gansos selvagens (…) janela”: a sétima cena das Oito Paisagens é “Gansos selvagens descendo para o banco de areia” (平沙雁落):
“Move-se luz na linha norte ao céu; (…) na linha sul do céu”: a oitava e última cena das Oito Paisagens é “Crepúsculo sobre a pequena vila de pescadores” (漁村夕照):
“Nos mil e setecentos veio Tsing…”: “Tsing” pode se referir a Qing (1644-1912), a última dinastia imperial chinesa. Pound talvez evoque o imperador Kangxi (governou entre 1661 e 1722), que teria feito visitas de inspeção ao sul, na região desses “lagos da colina”. Kodama apontou que o verso liga a primeira seção do poema, baseada nas Oito Paisagens, à segunda parte, baseada em dois antigos poemas chineses que Pound encontrou nos manuscritos de Fenollosa.
“Criando riquezas (…) endividar-se”: expressão da crença de Pound no Crédito Social, na ideia de que o Estado não deve se endividar com bancos privados a fim de tocar quaisquer projetos e obras. Tinha em mente o exemplo do “dinheiro estatal” de Kublai Khan, que o imperador usava como inesgotável recurso financeiro.
“Geryon”: v. Dante, Inferno XVII, 1-3 e 7-12. Trata-se de um monstro dantesco que personifica a fraude.
“TenShi”: segundo R. Taylor, embora usado como o nome de um lugar, “TenShi” é a combinação de duas palavras japonesas, significando “Filho de Deus”. Para A. Vantaggi, “Ten-Shi” seria o equivalente japonês do chinês “T’ien-tzu”, “Filho do Céu” — uma designação do imperador. O canal “segue suave” até o assento do Filho do Céu, isto é, até a capital do império.
“velho rei”: o imperador Sui Yangdi (569–618) continuou o trabalho de seu pai, Yang Jian, e construiu o Grande Canal (cerca de 1800 km) a fim de abastecer a capital, Luoyang, e os exércitos da fronteira norte. O Grande Canal foi concluído entre 604 e 609, primeiro ligando Luoyang a Yangzhou, e depois estendendo-o até Pequim, ao Norte, e Hangzhou, ao Sul.
“KEI MEN RAN KEI / KIU MAN MAN KEI / JITSU GETSU KO KWA / TAN FUKU TAN KAI”: transliteração japonesa de um clássico poema chinês em escrita romanizada, conforme Ernest Fenollosa legou a Pound em suas notas sobre o “Curso de História da Poesia Chinesa”, do professor Mori, em 4 de junho de 1901. O poema também é conhecido como “Canção das Nuvens Auspiciosas” (卿雲; Ch’ing-yun ko). As sílabas são lidas do modo ocidental, transversalmente, da esquerda para a direita, da forma como estão nas notas de Fenollosa. O original chinês (ao qual Pound não teve acesso) é escrito da seguinte forma:
卿雲爛兮,
糺縵縵兮
日月光華,
旦復旦兮
Em tradução livre, a partir da versão em inglês: “As nuvens auspiciosas são vívidas / Juntas elas circulam ao redor. / O sol e a lua têm brilho e esplendor, / Retornando aurora após aurora”. O original chinês está incluído em Shangshu dazhuan (尚書大傳; comentário ao Livro dos Documentos, de Fu Sheng (200-100 a.C.)). O autor imagina o poema como sendo cantado pelo imperador Shun (2294-2184 a.C.) ao anunciar que seu sucessor não seria o filho, mas o homem que resolvera o problema das inundações no país: Yu, o Grande (2123–2025 a.C.). Os versos celebram alguém que voluntariamente passou o controle do governo para a pessoa que considerou mais qualificada, sentimento que inspirou a República da China a usá-lo como hino nacional de 1913 a 1915, e, depois, de 1921 a 1928. O hino foi novamente usado por colaboracionistas durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa.
“Sol subiu (…) e para nós o que é?”: Pound encontrou esse poema nas notas de Fenollosa sobre o “Curso de História da Poesia Chinesa”, realizado em 28 de maio de 1901. O título original é “Canção da Batida do Torrão” (擊壤歌; Chi-yang ko). Nele, elogia-se a ordem harmoniosa durante o reinado do imperador Yao (2356–2255 a.C.), antecessor de Shun. Pound também não teve acesso à versão chinesa.
日出而作,
日入而息。
鑿井而飲,
耕田而食,
帝力於我何有哉
Em tradução livre, a partir da versão em inglês: “O nascer do sol significa trabalho, / O crepúsculo significa voltar para casa. / Cavando o poço para beber, / Lavrando o trigo para comer. / A autoridade está muito longe de mim”.
“A quarta: (…) feras”: essa elevada “dimensão do sossego” (ou da “quietude”) é um lugar sem caos e desordem, conforme é sugerido na referência às “feras”, do nosso mundo tridimensional. O verso derradeiro final também serve como um colofão e ecoa o final do Canto XLVII, quando Pound evoca o poder órfico sobre os animais indomados e todos os outros seres vivos (ver a derradeira nota lá).