Canto XLVII

“Que, morto…”: a referência, aqui, é a Odisseu em seu cativeiro na ilha de Circe, o momento em que ele implora à deusa que o deixe retomar sua viagem de volta para Ítaca. Ela concorda, mas diz que ele deve primeiro invocar as ânimas dos mortos, em especial a de Tirésias, que lhe apontará o caminho de casa. A fala é de Circe: “‘(…) Outra viagem haverás / de executar primeiramente, à residência / do Hades e da terribilíssima Perséfone, / a fim de consultar a psique do tebano / Tirésias, vate cego de epigástrio sólido: só a ele, mesmo morto, concedeu Perséfone / o sopro da sapiência. Os outros vagam: sombras'” (Odisseia X, 489-495, na tradução de Trajano Vieira, ed. 34).

“Este som veio no escuro”: Circe e Odisseu estão na cama, deitados lado a lado, quando ele faz o pedido e ela indica o que ele precisa fazer. Aqui, é uma paráfrase de Pound (no Canto XXXIX, ele recorreu à passagem homérica).

“Primeiro deves…”: o uso do “deves” (“thou”) sublinha a oscilação entre as linguagens arcaica e moderna do início do Canto.

“Cego que era”: Ovídio conta nas Metamorfoses (III, 314-36) como Tirésias perdeu a visão, mas ganhou o dom da profecia. Hera e Zeus chamaram-no para arbitrar uma discussão: quem tem mais prazer no sexo? Hera acreditava que era o homem, ao passo que Zeus afirmava que era a mulher. Tirésias, que havia sido homem e mulher em sua vida, concordou com Zeus. Furiosa, Hera o cegou. Zeus não conseguiu desfazer o ato de Hera, mas deu a Tirésias o dom da profecia, a capacidade de ver o que não é visível aos olhos.

“bestas entorpecidas”, e depois “phtheggometha thasson”, “φθεγγώμεθα θασσον” (na tradução de Trajano Vieira, “Chamemo-la, soerguendo a voz”): da Odisseia X, 208-44, quando os companheiros de Odisseu são recebidos por Circe, drogados e transformados em porcos.

“Lâmpadas apinhadas na enseada”: celebrações da Madonna di Montallegro, em Rapallo.

“Tamuz!”: ou Dumuzid, antigo deus mesopotâmio, principal consorte da deusa Inanna (Ishtar). Ele morre e é ressuscitado todos os anos para incorporar o ciclo sazonal e de fertilidade da natureza. Na Síria, Tamuz passou a ser chamado de Adonis, e seu relacionamento com Ishtar foi adaptado em uma história de amor entre Adonis e Afrodite. A morte de Tamuz/Adonis é lamentada no verão, na época da colheita.

“Por este portão…”: o portão da morte.

“Os cães de Scilla”: as ondas batendo nos recifes do Estreito de Messina, onde Cila e Caribde estariam. Pound utiliza a grafia italiana do nome. Homero descreve ambas na Odisseia XII, 79-110. Ovídio fala de Cila nas Metamorfoses XIV, 1-74).

“τὺ Διώνα / TU DIONA”, “você, Diona”: Diona é um dos nomes de Afrodite, usado no poema “Lamento por Adonis”, de Bíon de Esmirna. O verso seguinte, “Kai MOIRAI’ ADOÑIN”, “E as Moiras… Adonis”, é do poema de Bíon: “Não, até as Moiras choram e choram por Adônis, invocando seu nome”. “Adônis” é o nome fenício do deus babilônico Tamuz, derivado da palavra semítica “Adon” (“Senhor”). (A imagem que ilustra o post é a tela Despertando Adônis, de John William Waterhouse.) Do Dicionário Mítico-Etimológico, de Junito de Souza Brandão (ed. Vozes): “O mito de Adônis está ligado à ‘deusa oriental’ Afrodite, transposição evidente, embora bastante retocada, de Ishtar-Astarté (…). De qualquer forma, a morte de Adônis, deus oriental da vegetação, do ciclo da semente, que morre e ressuscita, daí sua katábasis para junto de Perséfone e a consequente anabasis em busca de Afrodite, era solenemente comemorada no Ocidente e no Oriente”.

“Rebentos de trigo”: referência aos jardins de Adônis.

“naturans”, “obedecendo à sua natureza”.

“Molü”: erva mágica que Hermes dá a Ulisses para protegê-lo da magia de Circe, de tal forma que ela não consiga transformá-lo em porco, como fez com seus companheiros (v. Odisseia X, 275-301; Trajano Vieira traduz o nome da erva como “moly”).

“Principia teu lavrar”: d’Os Trabalhos e os Dias, de Hesíodo. Este transmite o conhecimento sagrado da natureza, da fertilidade e da vida.

“Tellus”, “terra” (latim): deusa romana da terra.

“Io”: grito extático de um homem iniciando o ato sexual.

“Adônis tomba”: a morte de Adônis, a hora da colheita (meados de julho).

“que tem o domínio das feras”: verso que também é encontrado no Canto XLIX. Para Demetres Tryphonopoulos, o iniciado no mistério em Elêusis, depois de descer à escuridão (katábasis), de vagar e lutar (dromena), e de ser transformado pela iluminação extática religiosa (epopteia) compreende a misteriosa relação entre o processo natural e o coito e adquire poderes mágicos de cura e de controle sobre as feras.