Canto XXXV

“Mitteleuropa”: Europa Central, aqui subsumida ao Império Austro-Húngaro, cujos sinais de decadência Pound delineia no Canto. Importante ressaltar o grotesco tom antissemita de alguns trechos. Pound atribui a depauperação do referido império à presença dos judeus, e alude de forma similar à situação de Veneza pós-apogeu mais para o final do Canto (“Diga ao Vizir…”).

“Sr. Corles”: Alfred Perlès (1897-1990), judeu austríaco, poeta. Pound conheceu Perlès em Paris, em 1931. O apelido “Corles” pode ser lido como “core less”, ou seja, “sem centro”, “descentrado”. “Sr. Fidacz”: Tibor Serly (1900-78), compositor húngaro. “Nataanovitch”: Leopold Stokowski (1882-1977), maestro britânico de ascendência polonesa que Pound tomou como judeu (talvez fosse mesmo; Stokowski dava pistas confusas sobre a própria biografia como forma de se autopromover). “Fraulein Doktor”: Drª. Marie Franziska Stiasny (1887-1958), que Pound conheceu em Viena, em 1928. Segundo Terrell, ela trabalhava na livraria Wilhelm Braumüller. Também foi secretária do educador e filantropo austríaco Eugenie Schwarzwald. Sobre a menção ao Tirol, a Áustria perdeu parte dessa região para a Itália por ocasião do Tratado de Versalhes. “François Giuseppe” é, claro, o imperador austro-húngaro Franz Josef (1848-1916). “Sr. Lewinesholme”: Richard Lewinsohn (1884-1968), jornalista judeu-alemão, autor da biografia de Basil Zaharoff.

“… almoços com Dortmund”: no caso, regados a Dortmund Pils, uma cerveja alemã.

“Egéria”: conforme a mitologia, uma ninfa, consorte e conselheira de Numa Pompílio (753-673 a.C., segundo rei de Roma).

“Hall Caine”: Sir Thomas Henry Hall Caine (1853-1931), romancista inglês de grande sucesso em vida, hoje esquecido.

“dixit sic felix Elias”, “assim falou o alegre Elias”: nos versos seguintes, Pound ridiculariza um suposto sotaque judaico.

“Eljen”, “Ave” ou “Salve” (no sentido de “Ave, César” ou “Heil, Hitler”): Pound encontrou a expressão no livro Das verwundete Land (“A Pátria Ferida”), de Lajos Hatvany (1880-1961), judeu húngaro aristocrata, escritor e colecionador de arte. A história narrada a seguir também está no mesmo livro, e é recontada por Pound à sua maneira. Em todo caso, ela expõe a ideia de que um idealismo difuso e a ignorância da realidade levaram à ruína das elites políticas húngaras. A “conferência” mencionada foi uma tentativa malsucedida, realizada em Belgrado, em 7 de novembro de 1918, de se negociar um armistício entre a Hungria e a Entente. Sendo “sócia” da Áustria, a Hungria estava do lado perdedor na Primeira Guerra Mundial e, por isso, perdeu porções significativas de seu território (como a Eslováquia). Em outubro de 1918, a monarquia foi abolida no país por um golpe de estado, e Mihály Károlyi foi empossado como líder de uma república social-democrata de vida curtíssima, pois, em abril do ano seguinte, sob a liderança de Béla Kun, a Hungria se tornou uma nação comunista. Na supracitada conferência, Károlyi julgou que, ao abolir a monarquia e permitir a participação da classe trabalhadora no governo, isso estabeleceria uma base de confiança entre a Hungria e os países vencedores, ignorando (como aponta Hatvany) que a França não era pacifista, democrática e idealista, mas liderada por uma classe militarizada e aristocrática. O fracasso na conferência contribuiu para a ascensão de Béla Kun.

“Comment! Vous êtes tombé si bas?”, “O quê! Como vocês decaíram tanto?”

“General Franchet”: Louis Felix Franchet d’Espèrey (1856-1942), comandante das forças aliadas nos Balcãs. Nas negociações em novembro de 1918, disse aos húngaros que eles não seriam considerados “neutros”, mas derrotados pela Entente, e tratados dessa forma.

“VIRTUSH!”: Pound se volta para a Itália do século XV. A ideia é contrapor a desintegração dos austro-húngaros ao pragmatismo dos italianos renascentistas por meio de alguns exemplos (Mântua, 1401; Veneza, 1423; e, de passagem, Ferrara, 1502). O caso de Mântua foi descrito em um artigo de Alfonso Michielotto, publicado pela Rivista del diritto commerciale em 1931. Michielotto tentou elucidar as causas do declínio econômico da cidade ao final da Idade Média (escassez de capital e competição com outras cidades), e descreveu a tentativa de Francesco I Gonzaga de refrear a crise ouvindo sugestões dos cidadãos. Uma dessas soluções (descrita por Michielotto e abordada por Pound no Canto) foi proposta por Franciscus Abbatibus e envolvia a criação de uma câmara comercial (fontego) que emprestaria dinheiro aos fabricantes e seria paga em mercadorias (ou seja, não seria uma instituição usurária). Importante: o significado de “fontego” é explanado no Canto, embora Grünewald erre ao traduzir o original “chamber” como “sala”; trata-se, sim, da citada “câmara” (comercial). Não há registro da implementação (ou não) dessa sugestão.

“scavenzaria”: “scavezaria”, “loja”; “schavezo” (ou “scavezzo”) é relativo à venda no varejo; “inficit umbras” (Ovídio, Metamorfoses X, 596), “projeta sua sombra” (Pound associa a expressão ovidiana à prática, referida por Abbatibus, de tingir os tecidos a fim de torná-los mais atrativos aos consumidores); “una grida”, “uma proclamação”.

“Madame ὔλη”, “hilé”, “matéria”; “Madame la Porte Parure”, “de alto porte”: trata-se de apelidos poundianos para Lucrécia Borgia (v. Canto XXX).

“A Dominante”: Veneza. A referência a Vasco da Gama (1460-1524) não se dá por acaso, uma vez que a nova rota para a Índia empreendida por ele (em 1497-99), contornando a África, prejudicou Veneza (que utilizava rotas marítimas e terrestres via Mediterrâneo e Levante).

“omnes de partibus ultramarinis”, “tudo de regiões ultramarinas”. Veneza monopolizava o comércio de sal na Itália. A citação “quem comanda o mar…” é do britânico Walter Raleigh (1552-1818), explorador, corsário, espião, escritor. “Vitória”, claro, é a rainha britânica (1819-1901); Pound compara a situação dos venezianos com a da Grã-Bretanha no século XIX, cuja riqueza também dependia do comércio colonial. Foi em 1423 (não “b.c”, como coloca Grünewald, mas “d.C.”) que morreu o doge Tomasso Mocenigo (1343–1423), época em que Veneza chegou ao ápice (ele estendeu os domínios da cidade a Trentino, Friuli e Dalmácia). Em seu leito de morte, Mocenigo instou seus pares a não elegerem Francesco Foscari como o novo doge, afirmando que ele levaria Veneza a guerras dispendiosas e desnecessárias, que enfraqueceriam a cidade. Foscari foi eleito, e a previsão de Mocenigo se concretizou.

“Ragusa”: nome italiano de Dubrovnik, cidade croata às margens do Adriático.

“Tola”: tarifas sobre bens importados e exportados; “octroi”: tarifas relativas à circulação de bens produzidos e negociados internamente, isto é, dentro das fronteiras de um país; “decime”: imposto sobre a propriedade.