Canto XXVI

“Vim aqui na minha jovem juventude”: Pound visitou Veneza no verão de 1908 com seu tio Frank.

“sob o crocodilo”: antes que as relíquias de São Marcos fossem levadas para Veneza em 828, o santo padroeiro da cidade era Teodoro. Este foi um soldado grego venerado no Império Bizantino e representado como um matador de dragão. No século IX, Veneza se tornou independente de Constantinopla e Teodoro foi substituído pelo latino Marcos. Uma estátua de Teodoro com uma lança e um crocodilo foi colocada sobre uma das colunas na entrada da “Piazetta”, próximo da coluna onde se encontrava um leão alado — símbolo de São Marcos. Olhando para o Leste, Pound veria a igreja San Giorgio Maggiore; ao Sul, a Giudecca; e, a Sudoeste, o Dogana e Santa Maria della Salute. Extrapolando essas coordenadas no Canto, temos as relações de Veneza com os impérios Otomano a Bizantino a Leste; os negócios entre Veneza e os irmãos Malatesta (Rimini, Cesena) ao Sul; e o relacionamento de Veneza com o papado a Sudoeste.

“Relaxetur”, “que seja libertado” (no caso, o Conselho dos Dez ordena a soltura de Matteo de Pasti, ocorrida em 11 de dezembro de 1461; a nota sobre Pasti está no post sobre o Canto X); “caveat ire at Turchum”, “com a condição de que ele não vá para o turco” (o “turco” era o sultão Mehmet II)

“Nicolo Segundino”: Niccolò Sagundino (c.1410-64), humanista e diplomata veneziano de ascendência grega. Serviu como “advocatus curiae” e tradutor para a república de Veneza em várias ocasiões. Pound revisita diversos eventos já abordados em outros Cantos, como a perseguição empreendida por Pio II contra os Malatesta e o naufrágio de Sigismundo.

“omnem volve lapidem”, “que todas as pedras sejam reviradas”: instruções de Sagundino, datadas de 12 de outubro de 1462, para que se implorasse ao papa que fizesse a paz com os Malatesta. Na época, Pio II já havia queimado a efígie de Sigismundo em Roma (em abril), e o rei de Nápoles derrotara os aliados franceses dos Malatesta em agosto. Os apelos de Veneza foram infrutíferos.

“Filhos fiéis”: outro documento, de 28 de outubro de 1462, com instruções da Signoria veneziana para Bernardo Giustiniani tentar demover o papa de sua perseguição. Foi o mais importante esforço diplomático de Veneza para ajudar os Malatesta. As “galés neutras” dizem respeito à obediência de Veneza à Santa Sé: as embarcações só estariam no Adriático para proteger as rotas comerciais. O diplomata Bernardo Giustiniani (1408-1480) também foi a Roma, em 28 de outubro de 1462, interceder em favor dos Malatesta. “Messire Aníbal”: Annibale di Constantino Cerboni da Castello, “procuratore” de Domenico Malatesta em Cesena. Pediu tropas venezianas para ajudar a defender Cesena, o que foi negado, pois Veneza não queria contradizer a afirmação de neutralidade feita por Giustiniani.

“Fortinbras”: Carlo Fortebracci (1421-1479), condottiere de Perugia a serviço dos venezianos. Casou-se em 1460 com Margherita, filha de Sigismundo.

“Selvo”: Domenico Selvo, doge entre 1071 e 84. Concluiu a construção da Catedral de São Marcos e encomendou o mosaico em estilo grego que ainda pode ser visto por lá. “San Marco”, claro, é a catedral.

“sed aureis furculis”, “mas com talheres (ou garfos) de ouro”: a esposa de Selvo, Theodora, era filha do imperador bizantino Constantino XI Ducas.

Lorenzo Tiepolo foi doge entre 1268 e 1275.

“gonfaron”: no original, “gonfalon” — insígnia de Veneza, com o leão de São Marcos.

“et leurs fioles chargies de vin”, “e suas taças cheias de vinho”.

“25 de abril”: dia de São Marcos. Pound se refere ao torneio ocorrido nesse dia em 1415, com times de Ferrara e Mântua.

“Uggacion dei Contarini”: Uguccione dei Contrari (1379-1448), nobre de Ferrara, amigo de Niccolò d’Este. “Francesco Gonzaga”: Gianfrancesco Gonzaga (1395-1444), Marquês de Mântua. Membro da família Malatesta pelo lado materno e pela esposa. Como Carlo Malatesta (que o criou e Parisina), foi condottiere trabalhando para Veneza.

Em “38”, isto é, 1438, quando a delegação grega desembarcou em Veneza, a caminho de Ferrara para discutir a possível aproximação entre as igrejas latina e grega. O “Marquês de Ferrara” era Niccolò d’Este. O “Imperador grego”, João Paleólogo VIII (1392-1448), que chegou a Veneza em 8 de fevereiro de 1438.

“stonolifex”: sacristão, oficial eclesiástico.

“decidir sobre o espírito santo”: para os ortodoxos, o Espírito Santo provém (ou coisa que o valha) apenas do Pai; para os católicos romanos, do Pai e do Filho (conforme estabelecido pelo Concílio de Niceia, em 325).

“Te fili Dux, tuosque succesores / Aureo annulo”, “A ti, meu filho, e aos seus sucessores, o anel de ouro”.

“Imperador Manuel”: Pound comete um erro aqui. A batalha em 1176 foi travada entre o papa Alexandre III (aliado aos venezianos) e o imperador bizantino Frederico Barbarossa.

“Ziani”: Sebastiano Ziani (1172-1178), sucessor do desafortunado Michiel e um dos doges mais importantes da história de Veneza. Grande aliado do papa Alexandre III, após a derrota de Frederico e a captura do filho deste, Otto, Ziani recebeu do papa vários símbolos de poder político: o selo de chumbo, o anel de ouro, estandartes etc.

“Pater”: Cosimo de Médici foi declarado “Pater Patriae” de Florença após sua morte.

“8 de março” de 1438, quando Sigismundo deixou Mântua e voltou para Rimini porque suas terras estavam sob ataque de Niccolò Piccinino.

“Albizi”: poderosa família florentina que exilou Cosimo em 1433, numa tentativa de frear a ascensão dos Médici. Cosimo retornou no ano seguinte e retomou o controle de Florença.

“Os venezianos podem permanecer”: do tratado de paz entre Veneza e o Império Otomano (18 de abril de 1453).

“Ano 6962 do mundo”: data segundo o calendário bizantino. No calendário ocidental, 1453, quando Constantinopla caiu.

“Pisanellus”: Antonio di Puccio Pisano, chamado Pisanello (1395-1455), pintor e escultor. Como Pisanello pintasse cavalos, o Duque de Milão o enviou a Bologna para comprar cavalos (Pound se refere a isso no ABC da Literatura). “Vittor Capello”: Vettore Cappello (1400-1467), comandante naval veneziano.

“Cardeal Gonzaga”: Ercole Gonzaga (1505-1563), filho de Francesco Gonzaga e Isabella d’Este. Tentou fazer com que os assassinos de Lorenzino escapassem impunes, auxiliando Carlos V.

“Hnr. de Mendoςa”: Diego Hurtado de Mendoza y Pacheco (1505-1575), diplomata espanhol, embaixador do Sacro Império Romano em Veneza.

“Messire Lorenzo”: Lorenzo Costa (1509-1535) ou Lorenzo Leonbruno (1506-1524). Ambos eram pintores na corte de Mântua na época.

“a história de Ancona”: referência a uma pintura de Vittore Carpaccio (1465-1520), perdida no incêndio de 1577. Nela, estavam Frederico Barbarossa, o papa Alexandre III e Sebastiano Ziani.

A carta de Mozart é reescrita por Pound ao final do Canto, revelando o que ele provavelmente sentia na época: o arcerbisco de Salzburg, Hieronymus Colloredo, não pagava a Leopold e Wolfgang Mozart o suficiente para que sobrevivessem. Por isso, eles precisavam sair em turnês. Mas o arcebispo precisava de Leopold para organizar seus concertos, de tal forma que as ausências não eram permitidas. Wolfgang escreveu uma carta suplicando pela permissão, e as viagens foram autorizadas.

“Miss Cannabich”: Rose Cannabich, intérprete que, aos 15 anos, tocava suas composições lindamente. Inspirado por ela, compôs o andante da sonata nº 7 em Mannheim.