Canto XII

 

“E nós cá sob / a muralha sentamos”: Pound encontrou T. S. Eliot em Verona no começo de junho de 1922. Foi a segunda vez em que passaram alguns dias juntos, depois da Provença, em 1919. Pound também alude a esse encontro nos Cantos XXIX (145) e LXXVIII (501). Nos primeiros meses de 1922, Pound editou “A terra devastada”, de Eliot, e envolveu-se em sua publicação. Também tentou levantar recursos para que Eliot não precisasse mais trabalhar no banco e tivesse mais tempo para escrever. Em Verona, Eliot disse a Pound que estava criando uma revista literária, The Criterion. Pound publicara o oitavo Canto (que se tornaria o Canto II ao ser publicado em livro, em 1925) em maio daquele ano. E, duas semanas antes de encontrar Eliot em Verona, estivera em Rimini e visitara o Templo Malatestiano pela primeira vez. Os Cantos XII, XIII, XIV e XV foram rascunhados por esses dias.

“Arena romana”: Arena di Verona, construída no século I d.C., ou seja, antes do Coliseu romano. A forma concêntrica do teatro remete à geografia do Inferno dantesco.

“Diocleciano”: Gaius Aurelius Valerius Diocletianus Augustus (244-312), imperador romano entre 284 e 305. Pound usava um Baedecker que erroneamente apontava Diocleciano como o construtor da arena, mas a verdade (hoje sabemos) é que ela começou a ser construída muito antes, no período júlio-claudiano (14-68 d.C.), e finalizada por volta de 80 d.C.

“les gradins (…) calcaire”, “os degraus, quarenta e três em pedra calcária.” Outras fontes indicam quarenta e quatro, discrepância da qual Pound estava ciente (v. Canto XI, a referência aos “quarenta e quatro mil anos”).

“O calvo Bacon”: Frank Bacon, empresário norte-americano que Pound conheceu em 1910. O poeta apreciava o caráter inquieto e cheio de esquemas de Bacon.

“Henrique”: no original, “Henry”, possível referência a Henry Longfellow, poeta épico norte-americano.

“Nicholas Castaño”: Nicolás Castaño y Capetillo (1836-1926), empresário e banqueiro espanhol de origem basca, uma das pessoas mais ricas de Cuba por aqueles dias.

“Centavos públicos”: um dos esquemas do Calvo. As moedas de um centavo eram feitas de cobre e pesadas, e nem sempre eram aceitas em transações comerciais. Bacon comprava essas moedas com prata, mas pagando menos do que seu valor nominal (10 centavos = 1 real de prata; 1 peseta = 20; 1 peso = 100). Ao acumular uma grande quantidade de centavos, o Calvo provocou escassez e, com isso, tratou de vendê-los acima de seu valor nominal. Como os cubanos ainda não estivessem acostumados com o novo sistema fiscal, ele pôde fazer isso por um bom tempo, e lucrar bastante (“11 mil em quatro meses”, como é dito posteriormente no Canto), antes de deixar o país em 1906.

“Pollon d’anthropon iden”, “as muitas urbes que mirou” (na tradução de Trajano Vieira). Odisseia I, 3. A referência sugere que Pound encarava o Calvo como uma espécie de Odisseu meio tresloucado, com esperteza e inteligência para se livrar das situações mais complicadas.

“angelos”, “mensageiros”. Mais abaixo: “Habitat cum”, “Viveu (ou morou) com”.

Pound conheceu Quade e o Calvo na mesma época, e Quade é “mencionado em outra parte”, isto é, na peça curta “Stark Realism”, publicada em Pavannes and Divisions, em 1918.

“José Maria dos Santos”: a anedota sobre o mercador português ilustra a crença de Pound de que o investimento de capital deve favorecer o crescimento da verdadeira riqueza, e não servir á especulação financeira.

“Apovitch, Chicago não tem tudo!”: provável pseudônimo de Carl Sandburg (1878-1967), escritor e historiador norte-americano. Ganhou o Pulitzer por uma biografia de Lincoln. Em seu poema “Chicago”, diz que a cidade mata porcos para o mundo inteiro, fabrica ferramentas, empilha trigo etc., é a “Cidade dos Ombros Largos”.

“John Quinn” (“Jim X”): contou a história do Marinheiro Honesto para Pound.

“usuários in excelsis“: Grünewald (ou o editor) cometeu um erro aqui e no verso seguinte, pois no original temos “usurers”, “usurários”. Ou seja, Pound está introduzindo um de seus temas mais caros, o da usura. “In excelsis”, “nas alturas”, referência à canção “Sanctus”, cantada pelos católicos durante o ritual da comunhão”.

“S.A.”: South-American securities.

No restante do Canto, por meio da história do Marinheiro Honesto, Pound insiste no papel social e cultural que os bancos deveriam ter, em vez de se comportar como meros especuladores e usurários. Ele também traça uma distinção acerca da natureza da verdadeira riqueza. Na economia clássica, a riqueza é mensurada pelo dinheiro, e sua lógica é a do lucro, “aumentar” um capital já existente, fazendo-o “render”. Essa lógica foi questionada por Aristóteles e Dante; dinheiro não “gera” dinheiro, uma moeda não dá à luz outra moeda. Dante, aliás, colocou os usurários e os sodomitas no mesmo círculo infernal (o Sétimo, no Canto XVII do Inferno): ambos seriam estéreis, por assim dizer. Na história, o Marinheiro acredita ter gerado um filho em um encontro homossexual, da mesma forma como, na lógica absurda do capitalismo financeiro, seria possível gerar algo a partir de um processo “antinatural”. A usura como algo (no entender de Pound) contrário à natureza é uma ideia que será retomada sobretudo nos Cantos XLV e LI.