Canto VI

“Sabemos o que fez você”: referência à Odisseia XII, 184-191, as sereias cantando para Odisseu.

‘Aproxima, Odisseu, plurifamoso, glória
argiva. Escuta nossa voz, a voz das duas!
Em negra nau, ninguém bordeja por aqui
sem auscultar o timbre-mel de nossa boca
e, em gáudio, viajar ampliando sua sabença,
pois conhecemos tudo o que os aqueus e os troicos
sofreram na ampla Ílion — numes decidiram-no.
Quanto se dê na terra amplinutriz, sabemos.’

Guillaume (1071-1127), governante, cruzado, um dos primeiros trovadores. Aqui, Pound o liga a Odisseu. No Canto VIII, ele será ligado a Malatesta.

“… arrenda as suas terras”: ele hipotecou Toulouse, que obteve via casamento com Filipa, Condessa de Toulouse (1073-1118), para ir à Primeira Cruzada, em 1101. Ele recuperaria Toulouse em 1113, mas a perderia de novo em 1122.

“‘Tant las fotei (…) vetz…'”: “Você deve ouvir quantas vezes eu os fodi / Cento e oitenta e oito vezes…”, versos de “Farai un vers, pos mi sonelh” (“Farei um verso, e depois vou tirar uma soneca”, poema de Guillaume de Poitiers.

Nos versos seguintes, Pound narra a genealogia de Guillaume (incluindo o casamento de Luís VII com Eleonora de Aquitânia, neta de Guillaume) em estilo trovadoresco.

“A Duquesa da Normandia”: Pound se refere erroneamente à mãe de Eleonora como tal. Na verdade, a amante de seu avô, a Viscondessa de Chatellerault, teve duas filhas ilegítimas. Destas, Aenor de Chatellerault se casou com o filho de Guillaume, Guilherme X da Aquitânia. Logo, a avó de Eleonora era amante de seu avô, não esposa deste.

“… maire del rei jove”, “mãe do rei jovem”: Eleonora era assim chamada por causa de seu segundo filho, Henrique, o Jovem (coroado enquanto seu pai, Henrique II, ainda estava vivo, e que jamais governou sozinho ou de fato).

“Foram ao mar até o fim do dia”: ecoando a jornada de Odisseu revisitada no Canto I, Pound se refere ao fato de que Luís e Eleonora peregrinaram para a Terra Santa, à época da Segunda Cruzada. A viagem foi militar e economicamente desastrosa.

“Ongla, oncle”, “prego, tio”: versos finais de “Le ferm voler” (“O firme desejo”?) (sim, estou perguntando), de Arnaut. É uma referência à relação sexual que teria ocorrido na Antióquia entre Eleonora e seu tio, Raymond de Poitiers (1115-1149). A referência a Teseu logo abaixo sugere que eles já estavam envolvidos antes do casamento de Eleonora e Luís, além de reforçar a noção poundiana dela como uma Helena do século XII. Em 1149, depois que Luís se recusou a enviar ajuda militar, Raymond perdeu a vida e a Batalha de Inab.

“E ele, Luís, não estava à vontade”, pois sabia do relacionamento de Eleonora com o tio e, segundo um mito conhecido, ela teria tido um relacionamento com Saladino (c.1138-1193) em Jerusalém (daí “E ela ia até a aleia de palmeiras / Sua echarpe sobre o elmo de Saladino). Eis as razões pelas quais alguns diziam que Luís voltou para a França e, em 1152, divorciou-se de Eleonora. Note-se que Saladino tinha cerca de doze anos quando Eleonora esteve em Jerusalém (1149), daí essa história não poder ser levada a sério. Bastou a relação dela com o tio para fomentar o divórcio. Ademais, em quinze anos de casamento, Eleonora “só” tivera duas filhas, e Luís queria herdeiros homens. Anulado o casamento (pelo motivo habitual da época: “consanguinidade”), Eleonora era uma mulher muito rica e, portanto, suscetível a raptos e casamentos forçados. Sendo assim, ela escolheu rapidamente seu novo marido, o futuro rei Henrique II, da Inglaterra, onze anos mais novo e politicamente muito promissor.

“Et quand lo reis… fasché”, “E quando o rei soube disso, / [ficou] em silêncio e furioso”: pastiche de Pound de uma crônica francesa. Mas Luís sabia muito bem que, divorciando-se, perderia a Aquitânia. Eleonora era agora a Duquesa da Normandia e, em 1154, tornou-se rainha da Inglaterra.

“Nauphal, Vexis”: territórios fronteiriços entre a França e a Normandia, incluídos no dote de Margarida, filha de Luís com sua segunda esposa, Constança de Castela. A moça se casou com Henrique, o Jovem.

“Mas, sem resultado, Gisors reverterá”: o filho de Margarida e Henrique morreu apenas três dias depois de nascer, e o meio-irmão dela, Filipe Augusto (que governaria a França entre 1180 e 1223), exigiu a restituição do dote.

“Não precisa desposar Alix”: Alix, ou Alice (1160-1220), era a irmã mais nova de Margarida (a mãe delas, Constança, morreu ao dar à luz Alice). Em 1169, Henrique II e Luís VII fizeram um contrato pelo qual Ricardo Coração de Leão (terceiro filho de Henrique e Eleonora) se casaria com Alice. A recusa dele em se casar causou uma série de problemas, resolvidos apenas em 1191, quando o próprio Ricardo e Filipe Augusto desfizeram o pacto em Messina. Ricardo se casou com Berengária de Navarra.

“Eleonora, domna jauzionda”, “dama jubilosa”: verso de “Tant ai mo cor ple de joya” (“Tão cheio de alegria está meu coração”), de Bernart de Ventadorn.

Ricardo Plantageneta, mais conhecido como Ricardo Coração de Leão, rei e cruzado, governou a Inglaterra como Ricardo I entre 1189 e 1199. A exemplo da mãe, cercou-se de trovadores e foi amigo de Bertran de Born e Peire Vidal, patrono de Gaucelm Faidit e recebeu Arnaut Daniel em sua corte.

“Malemorte, Corrèze”: na época de Pound, Malemort era uma vila perto de Brive. O nome se deve ao fato de que, em 21 de abril de 1177, duas mil pessoas (incluindo mulheres e crianças) foram ali massacradas.

“Senhora de Ventadour”: Margarida de Torena, esposa de Eblis III, Visconde de Ventadour. Pound parodia o estilo de Bernart e também o que sabia da vida deste trovador (inclusive de sua viagem a Malemort e Poitiers em 1919). Eblis era o patrono de Bernart. Em 1148, ele se casou com Margarida e, ciumento, trancou-a em um calabouço. Divorciou-se dela dois anos depois.

“Que la lauzeta mover”, “Can vei la lauzeta mover”, o primeiro verso do poema de Bernart de Ventadour, que Pound traduziu como “When I see the lark a-moving” (“Quando vejo a cotovia se movendo”).

“Lo Sordels si fo di Mantovana”, “Sordello era de Mântua”: início da biografia de Sordello escrita ainda na Idade Média.

“Richard Saint Boniface”: Rizzardo di San Bonifacio, Conde de Verona, primeiro marido de Cunizza da Romano. Eles se casaram para consolidar a paz entre suas respectivas famílias, em 1222. Mas, quatro anos depois, as famílias estavam novamente em guerra, e corria a notícia de que Sordello levara Cunizza consigo.

Cunizza (1198-1279), nobre italiana, irmã de Ezzelino III (1194-1259) e Alberico da Romano (1196-1260), libertou os escravos dos irmãos em 1º de abril de 1265. A alforria foi lavrada em Florença, na casa de Cavalcante dei Cavalcanti, pai de Guido. Já idosa, ela viveu na casa dos Cavalcanti, nos anos de formação do jovem Guido. A vida dela é recontada no Canto XXIX, cuja escrita se deu na mesma época em que Pound reescrevia este Canto. No Paraíso IX, 13-66, Cunizza aparece como uma figura de beleza e amor na esfera de Vênus, embora Dante não mencione o episódio da libertação dos escravos. Citados alguns versos depois, Picus de Farinatis, Don Elinus e Don Lipus assinaram como testemunhas no termo de alforria. Eles eram filhos de Ghibelline Farinata degli Uberti (1212-1264), que Dante colocou no Inferno X, 31-50.

“Masnatas et servos”, “servos e escravos”.

“A marito substraxit ipsam… / dictum Sordellum concubuisse”, “Ele a sequestrou de seu marido… / ela dormiu com o dito Sordello”.

“Verão ou inverno…”: paródia poundiana de um poema de Sordello que começa com: “A tretan deu ben chantar finamen”. Pound cita um verso desse mesmo poema para encerrar o Canto XXXVI.

Cairels era um trovador contemporâneo de Sordello, mas sem nada que o distinguisse. Pound usa de um paralelismo para referi-lo (“Lo Sordels si fo di Mantovana”, “E Cairels era de Sarlat…”), mas não para igualar os dois poetas.

“Teseu de Trezena // E teriam lhe dado veneno / Não fosse o formato do cabo de sua espada”: Egeu, rei de Atenas, filho de Pandião II, casou-se com duas mulheres, mas não teve filhos. Como temesse perder o reino para seus irmãos (Palas, Niso e Lico), foi a Delfos e consultou a pitonisa, mas não entendeu a resposta que ela lhe deu. No retorno a Atenas, hospedou-se em Trezena, onde confidenciou ao rei Piteu o que ouvira da pitonisa. Piteu compreendeu a mensagem da pitonisa, embebedou Egeu e fez com que ele se deitasse com sua filha Etra (que, na mesma noite, já havia se deitado com Posídon. Faça as contas.) Egeu pediu a Etra que, caso parisse um menino, só contasse a ele quem era o pai quando o moleque tivesse forças para levantar uma pedra enorme e pegar ali a espada e as sandálias que Egeu escondera. Feito isso, deveria ir a Atenas em segredo, levando consigo a espada e com as sandálias nos pés. Etra cumpriu a promessa, e Teseu só soube de Egeu aos dezesseis anos. Ele ergueu a pedra, recuperou os pertences do pai e pegou a estrada. Depois de viver diversas aventuras e se tornar conhecido, Teseu afinal chegou a Atenas. Apesar da fama do rapaz, Egeu não sabia que se tratava do filho. Medeia, hospedada no palácio após matar os próprios rebentos e fugir de Corinto, sabia quem era Teseu, mas, em vez de contar a verdade a Egeu, convenceu o rei a envenenar o recém-chegado, alegando que o rapaz seria uma ameaça para seu trono. No entanto, tão logo viu a espada que Teseu trazia consigo, o rei reconheceu o filho, evitou que fosse envenenado e expulsou Medeia da cidade.