“Reverendo Eliot”: trata-se, é claro, de T. S. Eliot (1888-1971). Eliot converteu-se ao anglocatolicismo em 1927 e passou a explorar temas religiosos em seus escritos. Diferentemente de Pound, que considerava a ideologia da economia de mercado a mola-mestre da cultura capitalista, Eliot pensava que a religião era o que havia de mais importante na sociedade.
“vocês que pensam (…) a jato”: é possível que Pound esteja se endereçando aos leitores de “A terra devastada”, de Eliot, que enxergaram ali o inferno de nossa modernidade. Ele talvez queira dizer que o inferno ainda marcará presença nos Cantos.
“Zoagli”: cidade próxima de Rapallo.
“Dezessete anos (…) dezenove anos, noventa anos”: “dezessete” se refere ao ano de 1918 (sendo que esse Canto foi escrito em 1935-36), quando Pound conheceu Clifford Hugh Douglas, o teórico do Crédito Social, na redação da revista The New Age; “dezenove” diz respeito à origem dos Cantos (em 1916, ele começou a trabalhar nos “Three Cantos”); “noventa anos”, no caso, dos esforços para combater o capitalismo financeiro, nas décadas de 1830 e 40, esforços mencionados pelo autor nos Cantos XXXIII e XXXVII. O “sujeito bobo” mencionado a seguir é o próprio Pound quando era jovem e vivia em Londres. Os “dividendos” são um ponto importante das teorias econômicas de Douglas (referido nesse trecho do Canto como “major”): a ideia de se criar um “dividendo nacional” que diminuísse o abismo entre os salários e os preços.
“Decennio”: La Mostra della Rivoluzione Fascista, exposição que comemorou o décimo aniversário da chegada dos fascistas ao poder, foi aberta por Mussolini em 28 de outubro de 1932, em Roma.
“Il Popolo”: Il Popolo d’Italia, jornal fundado por Mussolini em Milão, em 1914, após sua expulsão do Partido Socialista Italiano. Deixou de circular em 1943, com a morte do ditador.
“o nosso foi assim”: referência à redação da New Age em Londres.
“granada de Mills”: granada de mão inventada por William Mills em 1915, a princípio fabricada em Birmingham, e usada pelos aliados na Primeira Guerra Mundial.
“sujeito de lábios grossos”: Alfred Richard Orage (1875-1934), editor da New Age e da New English Weekly, revistas com as quais Pound colaborou. Ele considerava Orage um grande amigo e benfeitor, e sentiu muito a sua perda.
“CRIME / De dois SÉculos”: referência à criação do Banco da Inglaterra em 1694 e ao crescimento da dívida nacional britânica. O crime foi que um grupo de acionistas privados criou uma sociedade anônima (Bank of England) para fazer empréstimos ao Estado. E, ao mesmo tempo, esses acionistas adquiriram o direito de emitir papel-moeda, usurpando uma das prerrogativas do Estado. Ou seja, o dinheiro é emitido pelo Banco da Inglaterra como um empréstimo com juros ao governo, o qual deve ser pago com impostos. O problema é que, dada as instabilidades políticas e as guerras, essa dívida nunca era paga, mas, sim, perpetuada. Pound afirmava que o Banco da Inglaterra era uma das causas das guerras, da exploração e da pobreza existentes. A situação foi corrigida no governo trabalhista de Attlee, que, em 1946, nacionalizou o banco.
“Dívidas do Sul”: a tese de Two Nations, de Christopher Hollis, para quem a Guerra Civil foi causada não só pela escravidão, mas pelas tensões econômicas entre os estados do Sul e do Norte dos EUA.
“Johnny Bull” é um apelido da Grã-Bretanha.
“G. B. S.”: George Bernard Shaw (1856-1950), dramaturgo irlandês.
“Sr. Xtertn”: Gilbert Keith Chesterton (1874-1936), escritor e jornalista britânico.
“Sr. Wells”: Herbert George Wells (1866-1946), romancista britânico, prolífico em vários gêneros e hoje lembrado principalmente por suas obras de ficção científica.
“John Marmaduke”: pseudônimo de Marmaduke William Pickthall (1875-1936), romancista inglês que se converteu ao Islã em novembro de 1917. Ele traduziu o Alcorão para o inglês em 1930.
“‘(…) jamais poderiam estabelecer uma NAÇÃO!'”: fato bastante conhecido, a Grécia antiga era constituída por cidades-estados independentes.
“Abdul Baha”: Abdu’l-Bahá (“servo de Bahá”), título de Abbas (1844-1921), líder da fé Bahá’i fundada por seu pai, Bahá U’lláh. Pound conheceu Bahá na Inglaterra, em 1911, e teve uma boa impressão dele e de seu movimento de unificação religiosa. No entanto, ao escrever o Canto XLVI, qualquer admiração que tivesse evaporara, pois Bahá é apresentado como alguém obtuso, incapaz de compreender o verdadeiro significado da religião. Embora Pound descreva uma conversa que teria envolvido Marmaduke e Bahá, é improvável que os dois tenham se encontrado dessa forma. Trata-se de uma maneira que o poeta encontrou para expor visões conflitantes.
“Paterson”: William Paterson (1658-1719), comerciante escocês, fundador do Banco da Inglaterra (1694) e do Banco da Escócia (1695). Ele também instigou o ruinoso esquema de Darien, cujo fracasso levou a aristocracia escocesa à falência e foi uma das causas diretas do Ato de União com a Inglaterra, em 1707, pelo qual a Escócia perdeu sua independência.
“cria do nada”: há quem diga que essa fala de Paterson seja apócrifa, inventada na década de 1930.
“o prédio carcomido”: em oposição à “casa de boa pedra” do Canto anterior, aqui Pound se refere ao sistema de “leasehold” inglês, em que uma casa não é vendida, mas arrendada ou alugada por 99 anos.
“Regius Professores”: cátedra de história moderna e línguas criada em Cambridge e Oxford em 1724. Cada professor tinha que ministrar uma conferência por ano e supervisionar um grupo de vinte acadêmicos.
“Liberalismo”: no original, “Whiggery”. A visão Whig da história moderna era uma narrativa de progresso que culminava no presente, o qual era considerado o melhor mundo possível. Tal ideário de inspiração leibniziana foi satirizado por Voltaire no Cândido (1754).
“Comissão Macmillan”: após o “crash” de 1929, o Comitê Macmillan foi formado pelo governo britânico para descobrir as causas da depressão econômica no Reino Unido. O comitê publicou suas conclusões em 1931, no Relatório Macmillan. A referência a Paterson no verso seguinte diz respeito ao trecho do relatório que se ocupa das origens e dos privilégios do Banco da Inglaterra.
“Marx”: Pound objetava que Marx não questiona o dinheiro enquanto tal.
“São Pedro (basílica)”: a construção da basílica foi, em parte, financiada pela venda de indulgências.
“Olhe os bairros pobres de Manchester”: no original, “Manchester slums”. Quem primeiro chamou a atenção para as condições em que vivia a classe trabalhadora foi Friedrich Engels, que descreveu a pobreza em Manchester por volta de 1840.
“Hic est hyper-usura”, “Eis aqui a hiper-usura”. A “hiper-usura” é a usura em nível nacional, a dívida pública criada pelos empréstimos contraídos de um banco central privado.
“Sr. Jefferson”: o que se segue é de uma carta de Thomas Jefferson para John Wayle Eppes datada de 24 de junho de 1813. Foi nessa carta que Jefferson afirmou que “a Terra pertence aos vivos”.
“Replevin”: também conhecida como “reivindicação e entrega”, trata-se de uma ação para recuperar bens pessoais que foram apreendidos ou retidos indevidamente.
“1527”: ano do saque de Roma pelas tropas de Carlos V, Sacro Imperador Romano, ocorrido durante o papado de Clemente VII (Giulio de Médici). Clemente era sobrinho de Lorenzo de Médici e primo de Leão X.
“barroco”: no entender de Pound, o barroco, que dominou a arte italiana nos séculos XVI e XVII, foi uma abominação criada por sociedades dominadas pela usura.
“Hic nefas commune sepulchrum”, “Aqui está o crime, a vala comum”: inspirado em Catulo, “Carmen 68b”, verso 89. Para o poeta latino, Tróia foi o crime e a vala comum da Europa: “Troia (nefas) commune sepulcrum Asiae Europaeque”.
“Aurum commune sepulcrum”, “ouro, a vala comum”.
“helandros kai heleptolis kai helarxe”, “destruidora de homens, destruidora de cidades, destruidora de navios”: do Agamêmnon de Ésquilo, trecho já citado diversas vezes (v. Canto II).
“Hic Geryon est. Hic hyperusura”, “Eis aqui Gerion. Eis a hiper-usura”: Gerion é o monstro que leva Dante e Virgílio a sobrevoar o oitavo círculo no Inferno. Na tradução de Italo Eugenio Mauro (ed. 34): “Ei-la, a fera que vem, de cauda aguda; / que montes, muros e armas vai vencendo, / e em todo o mundo o miasma seu ressuda” (XVII, 1-3).
“assinado F. Delano, seu tio”: o nome de Franklin Delano Roosevelt (1882-1945) reflete o grande papel que sua mãe, Sara Delano, desempenhou em sua vida. O tio de Roosevelt por parte de mãe era Warren Delano IV (1852-1920).
“… a França sob um foetor de governantes”: após ler um artigo de Francis Delaisi, “Nous n’avons plus de Roi, mais nous avons des Régents. Les vrais maîtres de la France siègent à la Banque de France” (1935), Pound ficou ainda mais convencido de que a França era governada por um grupo invisível de industriais e banqueiros. (V. Canto XXXVIII e o poder político do Comité des Forges.)
“O Sr. Cummings deseja o emprego de Farley”: a fofoca sobre as manobras políticas de Cummings foi publicada na coluna de Drew Pearson (“The Washington Merry Go Round”, 27 de novembro de 1935), veiculada nacionalmente. Homer S. Cummings (1870-1956), um péssimo procurador-geral (1933-39), queria se transferir para a chefia dos correios, cargo que supostamente vagaria em janeiro de 1936 porque seu ocupante, James Farley (1888-1976), gerenciaria a campanha para a reeleição de Roosevelt. No entanto, dado o sucesso da campanha, Farley manteve-se no cargo até 1940, quando se demitiu por discordar da busca de Roosevelt por um terceiro mandato. Por tudo isso, a fofoca que Pound lia nos grandes jornais não era, a rigor, uma notícia, mas apenas fofoca, ao passo que artigos como o de Delaisi eram publicados em veículos de pequena circulação.