“Et omniforms…”: Ficino, “Omnis intellectus est omniformis”, que Pound traduz como “todo intelecto é omniforme”. Isso já foi citado no Canto V. Ficino traduzindo Porfírio, De Occasionibus. A carreira de Ficino como filósofo, estudioso e tradutor se deu graças ao impacto causado por Gemisto Pletão em seu patrono, Cosimo de Médici.
“Psellos”: Miguel Pselo (c.1018-1078), monge, conselheiro político e filósofo bizantino, reavivou o estudo do neoplatonismo.
“Gemisto”: o bizantino Gemisthus Plethon (Georgios Gemistos, às vezes referido em português como Gemisto(s) Pletão, c.1355–1452) foi um filósofo neoplatônico. Estabeleceu uma escola platônica em Mistras e era consultado pelos imperadores bizantinos acerca de questões filosóficas e legais. Participou como delegado do Concílio de Ferrara. Graças à impressão que Gemistos causou em Florença, conforme dito acima, Cosimo de Médici pediu a Marsilio Ficino que traduzisse as obras de Platão e dos neoplatônicos para o latim.
“Jamais com esta religião”, isto é, com o cristianismo. Gemistos criou seu próprio sistema religioso com base na mitologia grega e no neoplatonismo (embora adotasse o cristianismo ortodoxo na vida pública, a fim de evitar problemas).
“Houile blanche”, “carvão branco” (Aristide Bergès, referindo-se à água, quedas d’água, o uso das hidrelétricas etc.).
“Invention (…)”, “A ciência não consiste em inventar um número de entidades mais ou menos abstratas correspondendo ao número de coisas que você quer descobrir.” A ideia de conhecimento mudou desde a Idade Média até a era moderna, e é isso que Pound ressalta nessa passagem do Canto (como a referência às novas formas de energia, ao uso do Irol como combustível, às pesquisas que, anos depois, resultariam na invenção da penicilina etc.). Nos versos seguintes, dramatiza a descoberta do radium pelos Curie: “J’ai obtenu…”, “Sofri uma queimadura que levou seis meses para curar” (Pierre Curie, no caso).
“Ἃλιος δ Ὑπεριονίδας…”: “O sol, [filho] de Hipérion, pôs-se numa taça de ouro / para que possa atravessar o oceano” — versos de Estesícoro, Geryoneis, seguidos pela tradução latina por Schweighäuser, “ima vada noctis obscurae”, “baixos vaus da noite escura”.
“ἥλιος, ἅλιος, ἅλιος = μάταιος”, helios, hαlios, hαlios = mataios, “sol”, “marinho”, “marinha” = “infrutífero” (“estéril”): Scott-Liddell (“Derivação incerta”). Odisseu tentando escapar da Guerra de Troia “arando” a areia, isto é, fingindo loucura, é mencionado em seguida.
“alixantos, aliotrephès, eiskatebaine”: “gasto pelo mar, nutrido pelo mar, mergulhar” (sendo o último uma liberdade que tomo; literalmente, seria algo como “descer para dentro”).
“ποτì βένθεα”, “para as profundezas”; “νυκτòς ἐρεμνᾶς”, “da noite escura”; “ποτì ματέρα κουριδίαν τ’ ἂλοχον”, “para [sua] mãe, esposa cansada”.
“παĩ δάς τε φίλους (…)” ἔβα δἀφναισι κατάσκιον”: “E [para seu querido] filho (…) desceu bosque sombreado por louros” — Pound omite o nome do herói (Héracles), de tal forma que é o próprio Hélio/sol quem desce à escuridão. Alguns versos abaixo, ele é referido diretamente: “‘Yperionides”, o filho de Hipérion.
“… enquanto eu dormia”: a exemplo do que fez nos Cantos IV, XVII e XXI, Pound usa o mote relativo ao sono/passeio por um paraíso terrestre de coloração grega.
“E meu irmão De Maensac”: a história do trovador Peire de Maensac, contada por Pound no Canto V, é aqui revisitada pela perspectiva do irmão dele, Austors.
“Simone”: Simone IV de Montfort (1175-1218), nobre e um dos líderes das forças papais na cruzada contra os Albigenses. Grünewald erra o gênero aqui (“estava morta”).
“maniqueus”: seguidores do profeta iraniano Mani (216-274). O maniqueísmo foi uma religião gnóstica que se baseava na oposição de dois princípios (luz/escuridão, bem/mal). Seus adeptos foram perseguidos pelos católicos desde o século V e, à época da Cruzada Albigense, a religião já se encontrava extinta. No entanto, o papa declarou que os cátaros eram maniqueus. Austors (e Pound) rejeita acusação, e a ideia é que os trovadores não fossem cátaros nem maniqueus, e que o amor cortês (de inspiração grega) não separava amor e sexo, e tampouco era contaminado pela culpa. Tratava-se de reconhecer as forças e os ritmos da natureza por meio de uma conexão de ecos eleusinos.
“Tethnéké”, “está morta”: no caso, presumo, Troia; a passagem remete à fuga de Anquises, resgatado por Eneias das ruínas de Troia, após a queda desta (e tema da tela que ilustra o post, de Federico Barocci, 1598).
O trecho final do Canto remete à história de Anquises e de sua sedução por Afrodite, e de como ele tem uma visão da real natureza do mundo por meio de uma relação sexual com uma deusa. A referência a Adonis, príncipe libanês (e, portanto, semita) também amado por Afrodite (a história dele está nas Metamorfoses X, 503-559; 708-39), serve para sublinhar o caráter carnal da revelação de Anquises, embora não haja qualquer indicação (em Ovídio ou qualquer outra fonte) de que Adonis tenha morrido virgem.
“Otreu, de Frígia”: Afrodite, para convencer o temeroso Anquises a se deitar com ela, disse que era uma mortal, filha do rei da Frígia.