Várias das referências iniciais deste Canto (Sorano, Pitigliano, a epístola de Trachulo) encontram-se esmiuçadas na postagem sobre o Canto IX.
“Sigui, meu caro”: a fonte de Pound para a carta de Pitigliano é Luciano Banchi (no Canto, nos versos 24-25, temos a referência completa). No original, “Siggy darlint”: Nancy Cunard começava suas cartas para Pound com “Ezra darlint”.
“Careggi”: os venezianos enviaram tropas adicionais sob o comando de Carlo Gonzaga e Piero Brunoro, e os senenses pediram a ajuda de Ghiberto da Correggio, Conde de Brescello. Todos eles estavam sob o comando de Sigismundo.
“… recusou um convite para almoço”: anedota contada por Pio II. Os senenses contrataram Sigismundo e Roberto Corrigiano, que teriam prometido a Piccinino que mudariam de lado. Corrigiano foi convidado ao palácio em Siena e executado, o corpo atirado pela janela, na praça lá embaixo. Sigismundo conseguiu fugir. Essa anedota não é corroborada por outras fontes.
Francesco Busone da Carmagnola (1385–1432) era um condottiere contratado pelos venezianos, mas estes descobriram que ele negociava em segredo para ter um estado próprio. Os venezianos “convidaram Carmagnola para almoçar”, mas, ao chegar à cidade, foi preso, julgado por traição e executado entre as colunas da Praça de São Marcos.
“Et / anno messo (…)”, “E eles deram o saque para Sigismundo”. De uma carta de Filippo Strozzi, o Velho (1428–1491, banqueiro e estadista florentino), para Zanobi Lottieri, embaixador florentino em Nápoles, datada de 31 de dezembro de 1454.
Carlo Gonzaga retirou suas tropas de Sorano e ocupou Ortobello, consternando os senenses. Querendo passar o inverno em Ortobello, Sigismundo teve o pedido a princípio aceito, mas depois negado por Gonzaga. Por conta disso, viu-se obrigado a fazer um caminho bem mais longo para voltar para casa, em um clima péssimo e sem provisões, perdendo muitos equipamentos.
“Gorro Lolli”: Gregorio Lolli, proeminente advogado senense, sobrinho de Æneas Silvius Piccolomini e, depois, secretário do mesmo quando Æneas se tornou o papa Pio II. Broglio conta que Lolli presenteou Sigismundo com um presente, um cavalo coberto com uma roupa ornamentada com fios de ouro. Sigismundo aceitou o presente, mas não ofereceu nada em troca para Lolli. Como Lolli sempre falasse favoravelmente de Sigismundo antes disso, e desfavoravelmente depois, Broglio concluiu que ele se sentiu insultado. Por falta de tato, Sigismundo perdeu um possível aliado na corte papal.
“Piccinino”: Conde Giacomo Piccinino (1415–1465), condottiere de menor expressão cuja sobrevivência foi ameaçada pelo Tratado de Lodi, de 1454. Tinha um exército, mas não possuía terras, e costumava ocupar fortalezas em Siena, Florença e territórios papais. Entre 1457 e o Tratado de Mântua (1459), foi contratado por Ferdinando, Rei de Nápoles (também chamado de Ferrante, 1458–1494) para combater Sigismundo. Quando o papa Pio quis mediar a paz entre Nápoles e Rimini, a posição de Ferdinando era de que arrancassem terras de Sigismundo e dessem para Piccinino. Mas, após firmarem o tratado, ele não recebeu nada e se aliou aos angevinos e aos irmãos Malatesta, e tentou destronar Ferdinando. Foi executado pelo rei em 1565.
“… a velha disputa com Nápoles”: os eventos de 1447, já mencionados em postagens anteriores, em que Sigismundo se recusou a devolver o que recebeu de Alfonso. Após a morte deste em 1458, seu filho e herdeiro, Ferdinando, seguiu exigindo reparações de Sigismundo. Na conferência de paz em Mântua, em abril de 1459, decidiu-se que Sigismundo pagaria 50 mil ducados para Ferdinando e entregaria algumas fortalezas à custódia do papa Pio II, que administraria a dívida. Sigismundo também teria de devolver alguns castelos que tomara em Montefeltro para Federico da Urbino. Sigismundo aceitou os termos onerosos porque lhe foi prometido que ficaria sob a proteção da Paz de Lodi, mas, com o passar do tempo, ao observar que o papa não cumpriria a promessa in totum, rompeu com o tratado e se aliou aos angevinos em sua tentativa de abocanhar o Reino de Nápoles. Os angevinos deram dinheiro e tropas para que Sigismundo defendesse seus territórios e os auxiliasse.
“… estava aceito em Mântua”: trata-se de outra conferência em Mântua, em agosto de 1459, para discutir acerca da ameaça imperial otomana. Sigismundo argumentou contra a ideia de armar os países fronteiriços com a Turquia, dizendo que era melhor que eles se virassem sozinhos e que os italianos se armassem sozinhos, confiando em seu potencial bélico. Isso é contado por Pio II em seus Comentários.
Borso d’Este (1413–1471), Duque de Ferrara, cuja família era amiga dos Malatesta. Borso convidou Sigismundo e Federico da Urbino para que acertassem suas diferenças, mas nenhum deles estava disposto a tanto e quase chegaram às vias de fato. Nos conflitos que se seguiram, Federico liderou campanhas militares contra Sigismundo nas guerras deste contra Nápoles (1457-59) e o papa (1460-63), saindo-se vitorioso.
“Te cavero…”: “‘Vou arrancar suas entranhas.’ O conde (Federico) se levantou: ‘Vou arrancar o seu couro’.” Sigismundo e Federico batendo boca na casa de Borso.
“Cosimo”: Cosimo de Médici, o Velho (1389–1464), banqueiro e estadista florentino.
“Drusiana”: Drusiana Sforza (1437–1474), filha ilegítima de Francesco, casou-se com Giacomo Piccinino em 1464 após dez anos de noivado.
“un sorriso malizioso”: Giovanni Soranzo, fonte usada por Pound, comentou que não fazia diferença para Piccinino se ele teria ou não um “estado” no território de Sigismundo, desde que este não estacionasse suas tropas muito perto da Toscana.
“INTEREA (…) FLAGAVIT”: há, aqui, um salto temporal, e estamos na primavera de 1462; o texto em latim trata da excomunhão de Sigismundo por Pio II e da queima de sua efígie. Trata-se de um trecho dos Comentários do papa:
Enquanto isso, em frente aos degraus [da Basílica] de São Pedro, foi construída uma grande pira de madeira seca, em cima da qual foi colocada uma efígie de Sigismundo imitando as feições e vestes desse homem perverso e amaldiçoado de forma tão exata que parecia uma pessoa real, e não uma imagem. Mas, para que ninguém se enganasse quanto a isso, uma inscrição saía da boca da figura, na qual se lia: ‘Sigismundo Malatesta, filho de Pandolfo, rei dos traidores, odiado por Deus e pelos homens, condenado às chamas por voto do santo senado’. Essa inscrição foi lida por muitos. Então, enquanto a multidão estava de pé, o fogo foi aplicado à pira e à imagem, que imediatamente se incendiou.
“Andreas Benzi”: advogado senense e funcionário do tesouro papal. Em 16 de janeiro de 1461, fez uma oração na qual acusava Sigismundo de vários crimes (citados abaixo).
“Papa Pio Secundo”: papa Pio II II (1405-1464), cujo nome era Æneas Silvius Piccolomini. Nasceu em Corsignano, uma cidadezinha próxima de Siena. Após uma carreira política de sucesso, ordenou-se em 1447, tornou-se bispo de Siena em 1450, foi eleito cardeal em 1456 e se tornou papa dois anos depois. Inimigo de Sigismundo, sua caracterização perversa de Malatesta perdurou por séculos. Nos Comentários, seu relato memorialístico, é possível observar a extensão do ódio que sentia por Sigismundo e sua família. Na época do cerco de Sorano, era bispo em Siena e pode ser que o cerco tenha alimentado essa animosidade. Segundo outros autores, a preferência de Pio por Federico da Urbino também ajudou nisso (e a carta de Federico para Sigismundo escrita em 1444, é a fonte das calúnias na oração de Benzi).
“Stupro (…) concubinarius”: “Estuprador, açougueiro, adúltero / assassino, parricida e perjurador / matador de padres, temerário, devasso / (…) fornicador e assassino / traidor, violador, incestuoso, incendiário e mantenedor de concubinas.”
“nisi forsitan epicureae”, “exceto, talvez, a [seita] dos epicuristas”.
“Lussurioso…”: “luxurioso, incestuoso, pérfido, imundo e glutão / assassino, ganancioso, avaro, soberbo, indigno de confiança / falsário, sodomita, matador de esposa.”
“Orationem…”: “Ouvimos um discurso muito elegante e altamente ornamentado de nosso reverenciado irmão em Cristo e filho mais amado.” Provável pastiche de Pound da retórica de Pio. Benedetto Reguardati chama a atenção para que a oração deve ter sido escrita pelo próprio papa. Benzi recebeu 300 ducados de Pio para fazer a oração, isto é, apresentá-la.
“testibus idoneis”, “testemunhas idôneas” (no caso, Federico de Urbino e Alessandro Sforza). Citação da Discipula Veritatis de Pio II, referindo-se ao consistório privado de 14 de outubro de 1461, no qual Nicolau de Cusa apresentou suas conclusões da investigação feita a fim de verificar as acusações de Benzi.
“il cardinale di San Pietro in Vincoli”: Nicolau de Cusa foi apontado por Pio para fazer outro julgamento no qual Sigismundo pudesse se defender. Nicolau de Cusa enviou uma intimação, mas Sigismundo a ignorou e, um mês depois, em julho de 1461, derrotou as tropas papais em Nidastore. Pio, então, pediu a Nicolau que se apressasse. Um consistório secreto composto apenas de cardeais foi estabelecido. Os registros desse julgamento não estão acessíveis, mas as acusações foram repetidas e duas bulas papais foram emitidas, privando Sigismundo de Rimini.
“tanta novità”: ainda amigo de Sigismundo na época, Borso criticou a queima da efígie e disse a conhecidos em Roma que ele estava desesperado com a perseguição papal. Em janeiro de 1461, em visita a Veneza, Borso também disse que o papa queria tomar as terras de Sigismundo e dá-las a outras pessoas.
“I.N.R.I…”: “Jesus Cristo, Rei dos Judeus. Imperador Sigismundo, Rei dos Traidores”. Esta última expressão, “Rex Proditorum”, foi escrita na inscrição que saía da boca da efígie.
O “velho Pills” era Ugolino de Pilli, embaixador e condottiere que trabalhou para Pandolfo III, guardião dos três filhos deste e tutor de Sigismundo. Benzi alegou que Sigismundo teria matado Ugolino. Este fora preso por traição, mas estava vivo, e foi libertado em 1469.
“Et les angloys…”: “E os ingleses foram incapazes de erradicar… o veneno da traição.”
Gisors: fortaleza normanda cuja posse foi disputada entre franceses e ingleses em diversos confrontos, até ficar com a França após a Guerra das Rosas, em 1453. Pound traça um paralelo entre Gisors e as fortalezas disputadas entre Sigismundo e Federico da Urbino.
“… os angevinos”: a família plantageneta era da Casa de Anjou e lutou contra a coroa francesa pela Normandia no século XII. Na época de Sigismundo, um galho angevino reclamava a Sicília e Nápoles. Malatesta fez uma aliança com Jean d’Anjou em 1456 e se envolveu na guerra da família por Nápoles (como forma de se proteger do papa) após 1460. O rei francês Luís XI (1423–1483) apoiou a causa angevina.
“tiers Calixte”: o papa Calisto III morreu em 1458.
“… alúmen em Tolfa”: Giovanni da Castro descobriu alúmen nas terras papais. Muito usado na Ásia para tingir lã, o alúmen rendeu bastante dinheiro a Pio II, recursos que ele usou na guerra contra Sigismundo.
“mal hecho”: segundo Soranzo, um florentino presente à queima da efígie reclamou que a figura estava “malfeita”. Quase foi preso por isso, mas reiterou que a imagem não era parecida com Sigismundo.
“Pasti”: Matteo da Pasti (1420–1467), artista residente em Rimini, conhecido por suas medalhas. Colaborou com Alberti na construção do Templo Malatestiano. Sigismundo contratou Pasti para pintar um retrato de Mehmet II, sultão otomano também conhecido como Maomé II, o Conquistador (1432-1481). Pasti foi enviado a Constantinopla em novembro de 1461, levando consigo documentos incriminatórios (como um mapa da costa italiana e um exemplar do tratado de Valtúrio, De Re Militari. Detido em Creta, foi enviado para Veneza; suspeitavam que fosse um mensageiro traidor. No fim das contas, foi solto e retornou a Rimini.
“Novvy venderá (…) Giacomo”: Malatesta Novello, irmão caçula de Sigismundo, lorde de Cesena, e Giacomo Piccinino eram amigos, e Malatesta permitiu que os exércitos de Piccinino passassem o inverno de 1460 em suas terras. Nessa época, Sigismundo e Piccinino chegaram a um entendimento e, de antigos inimigos, tornaram-se aliados na guerra contra Nápoles.
“E gradment li antichi…”, “Os cavaleiros da Roma Antiga punham grande fé nesses augúrios”: trecho do discurso de Sigismundo para suas tropas antes da batalha em Nidastore (2 de julho de 1461). O augúrio era uma águia que pousou em uma estaca da tenda de Sigismundo.