Sobre “Natação”, de Luis S. Krausz

Resenha publicada em 03.07.2025 no Estadão.

Foto: Daniel Teixeira/Estadão.

 

A PEÇA FALTANTE
Em Natação, Luis S. Krausz escreve um belo e inusitado romance de formação.

Do ponto de vista de seus colegas de escritório, Alberto Schwartz é um peixe fora d’água, alguém que exerce mal as funções para as quais é pago. Um incompetente, em suma. Trabalhando em um escritório de importação e exportação de commodities na Avenida Paulista, ele “faz contas e faz contas”, comete erros frequentes (pois sempre está com a cabeça alhures) e há quem diga: “não serve”. É bastante provável que os colegas de Schwartz confirmariam todos os seus preconceitos caso soubessem que ele, além de tudo, cursa Letras à noite na Universidade de São Paulo, nutrindo um interesse especial pelo grego clássico. No decorrer de Natação (ed. Alameda), esse personagem oscila entre esses dois mundos inconciliáveis: o mundo corporativo e o mundo livresco, o mundo “prático” e o mundo das “inutilidades” (com suas “línguas mortas”). É a partir dessa tensão existencial que Luis S. Krausz desenrola o romance.

Schwartz é um ser introvertido que “anda encurvado”, com os ombros “sempre meio erguidos, meio voltados para a frente”, como se “quisesse proteger seu coração”, algo que “não é agradável de se ver”. Nesse sentido (e em quase todos os outros), é bem diferente de seu colega Maurício Spinkowitz, poeta, comunista, um estudante de medicina que frequenta as aulas de grego e latim na USP e certamente não anda encurvado. Como o romance se passa no começo da década de 1980, com o Brasil ainda sob a ditadura militar, Spinkowitz denota coragem. “Há pessoas que guerreiam contra outras pessoas e há pessoas que guerreiam contra fantasmas”, diz o narrador. “Alberto Schwartz pertencia à segunda categoria.”

Além das aulas, há outro momento em que Schwartz parece usufruir de algum respiro. São as aulas matutinas de natação na Atlética, sob a orientação de um senhor que beira os 90 anos chamado Kan-Ichi Sato. O japonês percebe de imediato que “esse rapaz parece um quebra-cabeça ao qual falta uma peça”. Sato talvez seja o personagem mais importante do livro, pois insufla em Schwartz tanto a inquietude com relação à vida que leva (é preciso procurar e encontrar uma vocação, afinal) quanto o conforto relativo a qualquer atividade que não possua um fim ulterior, pois “a natação não é o propósito. A natação é o caminho”. É possível dizer o mesmo da literatura.

Com a elegância, a erudição e a clareza que encontramos em seus outros livros, como os estupendos Opulência e O outono dos ipês-rosas, Krausz não desenvolve uma narrativa entremeada por digressões, mas uma série de digressões que, aqui e ali, são entremeadas por instantes narrativos. O andamento do romance reflete a interioridade do protagonista: rica, mas travada; repleta de possibilidades, mas presa a uma rotina profissional estéril. A forma como Natação gira em torno de si mesmo, reiterando e aprofundando aspectos e elocubrações, detalhes e divagações, remete à forma como o protagonista gira em torno de si mesmo. A diferença é que, diferentemente de Schwartz, o romance se movimenta, sai do lugar, tateia, procura. De certo modo, levando-se em conta o que ocorre no desfecho, é como se o livro arrastasse o personagem rumo a um futuro diferente daquele presente empobrecedor.

Em vista de suas peculiaridades, Natação é um romance de formação inusitado. Ele aponta para um crescimento possível de Schwartz, empurrado por um acontecimento que nada tem de imprevisível (pelo contrário, é antecipado a certa altura), mas respeita a inteligência do leitor ao deixar claro que aquela peça faltante do nosso quebra-cabeça não é algo tão simples de encontrar ou, uma vez encontrada, de encaixar.