Resenha publicada no Jornal do Brasil em 11.09.2009.
Alguém morre de tristeza, e o livro começa. Suíte Dama da Noite, segundo romance da também dramaturga e jornalista Manoela Sawitzki, avança por meio de pequenas homorragias, pequenos cortes , uma voz ao mesmo tempo próxima e distante, familiar e intraduzível. É, acima de tudo, um livro sobre a espera ou, nas palavras da autora, o hiato entre o desejo e a realização , o fardo de um amor que nunca chegaria ao seu destino .
A protagonista tem, não por acaso, nome de personagem de romance barato, Julia Capovilla. Como em um folhetim, ela reencontra Leonardo, um amor que embalsamara muitos anos antes, mas ele está prestes a se casar com Ariana, que, por sua vez, é irmã de Klaus, esposo de Júlia. A ciranda está completa, mas é algo quebradiço, como se aqueles que a formam estivessem todos com os braços quebrados. Júlia e Leonardo, evidentemente, tornam-se amantes. Pode-se dizer que o livro vive mais dos momentos entre os encontros dos personagens do que dos encontros propriamente ditos. Ou talvez ele seja justamente sobre a impossibilidade de encontros efetivos, isto é, um romance inteiro alimentado por hiatos, pelo cansaço anterior ou posterior à consumação de algo que, de resto, nunca se consuma realmente.
Em um segundo momento, de heroína de folhetim (ou personagem frustrada de conto de fadas), é possível enxergar Júlia como um ser essencialmente trágico, uma espécie de prima de Emma Bovary, só que um pouco mais autoconsciente. O escritor norte-americano John Barth disse certa vez que o autoconhecimento é sempre uma má notícia . De maneira certa ou errada, Júlia parece saber de si mesma, e não seria de todo insensato ou pueril ler Suíte Dama da Noite como um acúmulo de más notícias alinhavadas de forma talentosa.
O livro é, evidentemente, uma ficção, mas uma ficção que se alimenta de uma série infindável de outras ficções criadas pela protagonista para si, sobre aqueles que a rodeiam. Júlia, de uma forma ou de outra, está quase sempre mentindo, para os outros e para si. Tudo nela, dela e para ela é uma invenção ou passa por invenções cada vez mais complexas, desde o que sente ou pensa sentir até o que vive ou pensa viver. Essa piscadela metalinguística serve não como desculpa para um exercício masturbatório, algo que se esgota em si mesmo, mas é justamente o que torna o livro invulgar na medida em que diz muito, quase tudo, da personagem principal e do mundo engendrado por ela.
Apenas ao final, quando jorra sins para o mundo e para si , Júlia Capovilla parece intuir o que Molly Bloom, que no desfecho do Ulisses de James Joyce também jorra sins para o mundo e para si , sabe tão completamente: experimentar sem pressa a vida que se apresenta como um movimento sempre presente . Ou talvez tudo não passe de uma falsa epifania, uma ficção a mais, outra mentira. Cada leitor que descubra por si.