O Canto XXXIV é estruturado a partir dos diários de John Quincy Adams (1767-1848), advogado, diplomata e estadista norte-americano, filho mais velho de John Adams e sexto presidente dos EUA (1825-1829).
A primeira entrada pinçada por Pound diz respeito a um jantar com Jefferson na Casa Branca, em 3 de novembro de 1807. Quincy Adams se refere a uma boa conversa que teve com o dr. Samuel Mitchell (1763-1831), referida de novo mais adiante no Canto. Na época do jantar, Quincy Adams era senador e membro do Partido Federalista, mas se aproximava de Jefferson e dos republicanos. Como resultado desse apoio, ele perderia a cadeira no senado nas eleições seguintes. Assim, a decisão de Madison de nomeá-lo embaixador dos EUA na Rússia, em 1809, talvez tenha sido uma espécie de compensação. A passagem ecoa a conversa entre Sigismundo Malatesta e Platina em Roma, na antecâmara papal, recriada no Canto XI.
“E um criado negro…”: em 5 de agosto de 1809, Quincy Adams embarcou com a família e um criado negro chamado Nelson para a Rússia, onde já estivera antes: entre os 14 e os 16 anos (1781-83), por ser fluente em francês, trabalhara como secretário de Francis Dana em São Petersburgo (note-se que Dana nunca foi reconhecido oficialmente como embaixador por Catarina, a Grande).
“Consistente com sua paz…”: Quincy Adams assegurou o czar Alexandre I que os EUA manteriam um política de neutralidade com relação à Europa, ecoando a postura de seu pai (entre os motivos pelos quais John Adams não fora reeleito presidente em 1800 está a recusa em guerrear contra a França). A ideia de não intervenção na política europeia (e, claro, da não intervenção dos europeus nas Américas, contrariando as possibilidades de recolonização e estabelecendo a noção de Destino Manifesto) seria formulada como a Doutrina Monroe em 1823.
“auf dem Wasser”, “na água”.
“En fait de commerce (…) étourdi”, “Em questões comerciais, esse (Bonaparte) é um tonto”.
“Romanzoff”: Nikolai Petrovich Rumyantsev (1754-1826), ministro russo das relações exteriores.
“São os únicos membros…”: o general espanhol Pardo e Joseph de Maistre.
“Abade Delile”: Jacques Delille (1738-1813), poeta e classicista francês.
“Monsieur Adams (…) vu”, “Senhor Adams, não vejo o senhor há um século”.
“un peu interessantes”, “de pouco interesse”.
Oranienbaum: residência imperial nos arredores de Petersburgo.
“Ld Cathcart”: William Shaw, 1º Lorde de Cathcart (1755-1843), embaixador britânico na Rússia. “Madame de Staël”: Germaine de Staël (1766-1817), intelectual francesa, filha de Jacques Necker, banqueiro suíço e ministro da economia de Luís XVI.
“Qu-il fit la sottise de Moscou”, “Que ele cometeu a tolice de Moscou”: no caso, a ideia desastrosa que teve Napoleão de tomar Moscou.
“Sr. Gallatin”: a Rússia se dispôs a mediar as negociações de paz entre os EUA e a Inglaterra, procurando encerrar a Guerra de 1812. Madison enviou Albert Gallatin e James Bayard para se juntar a Quincy Adams, mas os britânicos não quiseram iniciar as tratativas. A paz só seria selada em Ghent, na véspera do Natal de 1814. Como a notícia do tratado só chegou aos EUA semanas depois, ainda foi travada a Batalha de Nova Orleans (8 de janeiro de 1815), em que as forças norte-americanas, lideradas pelo Andrew Jackson, impediram que os britânicos invadissem a Louisiana. O Tratado de Ghent só seria ratificado pelo senado dos EUA em 16 de fevereiro.
“Na ópera”: Quincy Adams assistiu a Tamerlano, ópera de Peter von Winter, e ao balé Télémaque, de Boïeldieu, em 14 de março de 1815. Bonaparte havia fugido de Elba em 25 de fevereiro e “era esperado” em Paris. A entrada relativa à ida de Quincy Adams à ópera sugere que ele estava em Paris por esses dias.
“Ney”: Michel Ney (1769-1815), comandante militar francês, um dos dezoito ou Marechais do Império nomeados por Napoleão (a designação anterior, “Marechal de França”, fora abolida pela Revolução). Embora tivesse jurado proteger a Casa de Bourbon e Luís XVIII, ao reencontrar o velho comandante em Auxerre, Ney desertou e lutou ao lado de Bonaparte até o fim. Após a derrota em Waterloo, Ney foi executado como traidor por ordem de Luís XVIII.
“Rei de Roma”: François Charles Joseph Napoleon (1811-32), filho de Bonaparte com sua segunda esposa, Marie Louise.
“Vinte de março”: em 20 de março de 1815, Bonaparte chegou a Paris (Quincy Adams circulou pelas ruas da cidade para observar a reação das pessoas). No dia anterior, o exército real desertara em nome dele. A despeito de ter jurado na Séance royale (reunião com a Assembleia Nacional) que morreria defendendo a França, Luís XVIII fugiu para Ghent pela estrada de Beauvais, e lá ficou durante os cem dias de governo de Bonaparte.
“Ah vouis, vive le Roi”, “Ah, sim, vida longa ao Rei”.
“James Mackintosh”: Quincy Adams, Gallatin e outros chegaram a Londres para negociar um tratado com os britânicos em 25 de maio de 1815. Dias depois, em 2 de junho, em um jantar na Holland House com Sir James Mackintosh, membro do parlamento, este perguntou se era verdade que Benjamin Franklin fora sincero ao lamentar a revolução. A resposta de Quincy Adams está nos versos seguintes.
“(E no seu retorno…)”: Pound assume a narração nos versos entre parênteses para demonstrar que os comentários tolos feitos para Mackintosh não afetaram a reputação de Quincy Adams nos EUA. E, de fato, em 11 de agosto de 1817, ele foi recepcionado em Nova York com um jantar oferecido por Gouverneur Morris (Grünewald comete um erro aqui: “Gouverneur” era o nome desse que foi um dos Pais Fundadores, autor do preâmbulo de Constituição americana e, por isso, apelidado de “Penman of the Constitution”; Morris jamais foi governador de Nova York, mas, sim, senador por esse estado) e John Jacob Astor (1763-1848), homem de negócios que fez fortuna negociando peles e imóveis. Quincy Adams fora chamado de volta aos EUA para se tornar Secretário de Estado do presidente James Monroe (referido mais à frente apenas como “Presidente”).
“Sr. Onis”: Don Luis de Onís y González-Vera (1762-1827), diplomata espanhol, serviu como embaixador nos EUA entre 1809 e 1819.
“Sr. Madison”: voltamos à conversa entre Quincy Adams e o Dr. Mitchell. A convenção de (17)87 resultou na promulgação da constituição americana, tendo Madison (que ajudara a conceber a constituição da Virgínia onze anos antes) desempenhado um papel importantíssimo no processo.
“Sr. Bagot”: Charles Bagot (1781-1843), diplomata britânico, embaixador nos EUA, Rússia e Países Baixos. A verdadeira avaliação que Quincy Adams fazia dele não é tão sarcástica quanto sugere o trecho citado.
De Witt Clinton (1769-1828) foi senador, prefeito de Nova York e governador do estado de NY, sendo responsável pela construção do Canal de Erie. Candidatou-se a presidente em 1812, perdendo a eleição para o incumbente James Madison. Quincy Adams traça um retrato bastante desfavorável de Clinton em seus diários, como se vê nesse trecho do Canto.
“Coronel Johnson”: Richard Mentor Johnson (1780-1850), membro da Casa dos Representantes (1807-19) e do senado (1819-29), propôs a Quincy Adams que os EUA vendessem armas para o exército revolucionário de Simon Bolívar usando um amigo, o jornalista William Duane (1760-1835), como intermediário do negócio.
“secretissime”, “secretíssimo”: outra proposta feita ao governo dos EUA, de que cedessem soldados para Bolívar ao mesmo tempo em que alegassem neutralidade. Quincy Adams negou.
“à venda”: quando se tornou claro, na primavera de 1820, que Monroe seria reeleito, a única questão aberta dizia respeito à vice-presidência. Daniel D. Tomkins seria reeleito como tal, mas, antes, o “Sr. Clay” (Henry Clay, 1777-1852, presidente do congresso) tinha esperanças de ocupar o cargo.
“Sr. Calhoun”: John Caldwell Calhoun (1782-1850), senador pela Carolina do Sul, foi também vice-presidente de John Quincy Adams e Andrew Jackson no primeiro mandato deste, 1825-31 (sobre Calhoun, v. Canto XXXVII). “Sr. Noah”: Mordecai Noah (1785-1859), jornalista e diplomata, tentou estabelecer uma comunidade judaica perto de Buffalo, a cidade de Ararat (cuja pedra fundamental foi lançada em setembro de 1825). Eventualmente, abandonou o projeto. Há outra menção à Ararat e Noah na parte final do Canto.
“George”: o filho mais velho de Quincy Adams, George Washington Adams (1801-1829). George Clinton (1739-1812), soldado, advogado e estadista novaiorquino, republicano, governador de NY (1777-95) e vice-presidente de Thomas Jefferson e James Madison (1805-12). Elbridge Gerry (1744-1814), estadista de Massachusetts, vice-presidente de James Madison (1813-14) após a morte de George Clinton. Gerry participou da criação e da aprovação da Declaração dos Direitos dos Estados Unidos.
“Monumentos bem modestos”: Quincy Adams achava que os EUA deviam construir um memorial para enterrar os Pais Fundadores.
“semi-educado (…) interesses europeus”: resumo da crise internacional de 1823 que levou à criação da Doutrina Monroe.
“Interfere em seu encargo oficial?”: em 16 de junho de 1826, Quincy Adams foi chamado para decidir sobre as limitações da intervenção governamental.
“‘Sylva’, de Evelyn”: John Evelyn, Sylva, Or A Discourse on Forest Trees and the Propagation of Timber in His Majesty’s Dominions (1664).
“Algum sentimento ao partir”: Quincy Adams, a exemplo do pai, não conseguiu se reeleger. A entrada de 16 de março de 1829 narra esse encontro com Henry Clay.
“A Sra. Eaton”: o escândalo envolvendo membros do gabinete de Andrew Jackson e suas respectivas esposas, o “Petticoat Affair”, estourou em 1829, logo no começo do governo Jackson, e é abordado por Pound no Canto XXXVII. Em resumo: lideradas por Floride, esposa do vice-presidente John C. Calhoun, essas mulheres (as “Petticoats”, “anáguas”, “combinações”) ostracizaram John Eaton, então Secretário da Guerra, e sua esposa, Margaret O’Neill (ou O’Neale) Timberlake Eaton (Peggy Eaton), por desaprovarem as circunstâncias de seu casamento (ela não teria respeitado o período convencional de luto, casando-se com Eaton nove meses após a morte do primeiro marido). Para as “Petticoats”, Peggy Eaton não estava à altura dos “padrões morais” de uma esposa de membro de gabinete. Como as discussões políticas dos membros do gabinete não raro ocorriam nas soirées das esposas (controladas por Floride), Calhoun foi capaz de criar enormes dificuldades para o governo Jackson em seus primeiros anos. Ele bloqueou a chamada “Tarifa das Abominações” (1828), por exemplo, tida como prejudicial para os estados do Sul. Jackson tentou, sem sucesso, convencer as esposas dos membros do gabinete a não ostracizar os Eaton. Por conseguinte, van Buren renunciou ao cargo de Secretário de Estado, forçando o restante dos membros do gabinete a fazer o mesmo. Jackson pôde, então, apontar um novo gabinete, excluindo Calhoun e seus correligionários, e governar com mais tranquilidade a partir de 1831. No fim das contas, o escândalo facilitou a ascensão de Martin van Buren à presidência, além de arruinar as pretensões políticas de Calhoun.
Nicholas Biddle (1785-1844), presidente do Second Bank of the United States. Eleito para o congresso em 1831 (“assento Número 203”) por Massachusetts, Quincy Adams vendeu suas ações para evitar conflitos de interesses.
“Srta. Martineau”: Harriet Martineau (1802-76), escritora inglesa, autora de Illustrations of Political Economy (1832-4). Quincy Adams a visitou em 18 de janeiro de 1835. Em seu diário, errou o título do livro (erro reiterado por Pound).
“Os velhos estados…”: comentário de Quincy Adams sobre o célebre debate entre Daniel Webster, senador por Massachusetts, e Robert Y. Hayne, senador pela Carolina do Sul, ocorrido entre 19 e 27 de janeiro de 1830, acerca das tarifas protecionistas. A “Segunda Réplica de Webster para Hayne”, comentada por Quincy Adams, é tida como o discurso mais eloquente da história do congresso dos EUA. A descrição do governo como algo “feito pelo povo, para o povo etc.” foi parafraseada por Lincoln em Gettysburg.
“Legaré”: Hugh Swinton Legaré (1797-1843), advogado e político da Carolina do Sul. No entanto, isso que Pound atribui a ele foi dito pelo congressista Andrew Pickens (o que foi corretamente anotado no diário por Quincy Adams).
“Clubes de Tippecanoe”: criados para celebrar a vitória de William Henry Harrison (1773-1841) contra uma confederação de tribos nativas” em Tippecanoe Creek, no território de Indiana (1811). Esses clubes foram importantes para a eleição de Harrison (que morreria no 31º dia de seu mandato em função de uma pneumonia). Da janela de sua casa, Quincy Adams assistiu ao desfile no dia da posse de Harrison, conforme mencionado mais à frente (“Harrison sobre um cavalo de triste aspecto”).
“O mundo, a carne…”: entrada no diário de 29 de março de 1841, escrita após Quincy Adams defender os escravos do Amistad perante a Suprema Corte em 24 de fevereiro e 1º de março daquele ano. Steven Spielberg dirigiu um filme a respeito disso, homônimo do navio.
“haec sunt infamiae”, “essas são as infâmias”.
“Esses são os pecados da Georgia”: referência à maneira como a nação Cherokee, após ser distribuída pela Georgia conforme o Tratado de New Echota (1835), foi forçada a se realocar para o Território Indígena (hoje, Oklahoma) entre 1836 e 1839. Isso se deu durante a presidência de Van Buren, e o militar responsável pela realocação foi o General Wingfield Scott (referido como “Scott” no Canto). Os desrespeitos aos tratados e as realocações forçadas de nativos norte-americanos causaram diversos problemas e confrontos no século XIX, como a Guerra dos Nez Perce (magnificamente narrada por William T. Vollmann no romance The Dying Grass).
“Buchanan”: James Buchanan (1791-1869), presidente dos EUA entre 1857 e 1861.
“O Sr. Dan Webster parlapateando”: em uma entrada de 7 de junho de 1843, Quincy Adams comentou em seu diário sobre a inauguração de um monumento em Boston dedicado à Batalha de Bunker Hill (17 de junho de 1775).
“A procissão dos bombeiros…”: em julho de 1843, Quincy Adams fez duas viagens ao meio-oeste e foi recebido com discursos, festejos e procissões.
“Morse”: Samuel Finley Morse (1791-1872), norte-americano que inventou o telégrafo. Quincy Adams ficou maravilhado com a rapidez com que as mensagens passaram a ser transmitidas.
O ideograma ao lado, usado por Pound no encerramento do Canto, é o xin ou hsin e significa “integridade, confiança, sinceridade”.
“Constans proposito… / Justum et Tenacem”, “Firme no propósito… / Justo e tenaz”: Horácio, Odes III.3. Uma paráfrase desses versos estava inscrita em um anel com que Quincy Adams foi presenteado: “To John Quincy Adams, Justum et tenacem propositi virum” [homem de vontade correta e vigorosa]. Ele ficou até envergonhado pela grande alegria que sentiu ao receber esse presente. É a última entrada em seu diário, datada de 13 de março de 1845.