“quasi tinnula”, “quase estridente”: citação (o termo “tinnula”) do poema 61 de Catulo, repetida nos Cantos III e XXVIII.
“Ligur’ aoide”: Homero, na Odisseia (XII, 183), descrevendo o canto das sereias: “(…) Cristal na voz, entoam o canto”.
“Si no’us vei (…) no val”, “Se eu não te vir, dama que quero tanto / nenhuma visão vale tanto quanto pensar em você”. Versos do poema provençal “Can par la flor josta.l vert folh”, de Bernart de Ventadour (tradução livre a partir da versão em inglês de James H. Donaldson).
“s’adora”: referência a um soneto de Guido Cavalcanti, enviado numa carta para Guido Orlandi. A referência também ocorre no Canto IV. No soneto, Cavalcanti diz que a imagem da Virgem em Orsanmichele, em Florença, tem as feições de sua amada.
“Possum ergo (…) tuae”: Sexto Propércio, Elegias (II.20) — “como posso esquecer os teus cuidados?” (trad,: Guilherme Gontijo Flores. Em Elegias de Sexto Propércio. Belo Horizonte: Autêntica, 2014).
“Qui son Properzio ed Ovidio”, “Aqui estão Propércio e Ovídio.”
“Rennert”: Hugo Albert Rennert (1858-1927), professor e orientador de Pound na Universidade da Pensilvânia, especialista em línguas românicas, estudioso de Lope de Vega.
“Lévy”: Emil Lévy (1855-1918), filólogo alemão, autor de um dicionário de provençal (em oito volumes).
“(…) entoar a música”: o poema esbanja musicalidade nesse trecho para, ao mesmo tempo, aludir ao que é inaudível ou inapreensível (daí as citações em provençal, grego, à cera nos ouvidos para escapar das sereias etc.).
“noigandres”: termo de um poema de Arnaut, “Er vei vermeills, vertz, blaus, blancs, gruocs”, cujo significado é controverso. Houve quem traduzisse como “noz-moscada”. Lévy, por sua vez, desmembrou a palavra em “d’enoi” (“ennui”) e “gandres” (derivação de “gandir”, “proteger”, “preservar”). Pound restaura o mistério inerente ao significado do termo no Canto.
“Agostino, Jacopo e Boccata”: os nomes são utilizados por sua musicalidade. Agostino di Duccio (1418-1481), escultor italiano, foi principal decorador do Templo Malatestiano. Jacopo del Sellaio (1442-1493) foi um pintor florentino. “Boccata” se refere a Giovanni Boccati (1435-1510), pintor italiano.
“Sandro”: Sandro Botticelli (1444-1510), pintor florentino. Talvez Pound tenha se inspirado na Primavera de Botticelli (ver acima) para conceber a atmosfera do presente Canto.
“e l’olors”, “e o cheiro”. Outra referência ao poema “Er vei vermeills, vertz, blaus, blancs, gruocs”, de Arnaut.
“d’enoi ganres”, “afasta/repele o tédio”: a pronúncia é similar à da acepção de Lévy de “noigandres”, e a frase tem o mesmo significado que o nome do palácio de Borso d’Este em Ferrara, “Schifanoia”. O termo “noigandres” é, assim, uma palavra-chave no Canto, ligando o paraíso dos trovadores (versos 34-56) à alegoria cortesã do afresco em Schifanoia (versos 189-225).
“remir”, “eu contemplo”: de outro poema de Arnaut, “Dous brais et critz”, em que o poeta contempla o corpo nu da amada à luz de uma lamparina.
“palla”: jogo similar ao tênis moderno. Ugo foi preso enquanto jogava palla, enquanto era observado por Parisina. Esta, mencionada nos Cantos VIII e IX, é Laura ou Parisina Malatesta (1404–1425), filha de Andrea Malatesta. Casou-se com Niccolò III d’Este (referido em seguida como “E’l Marchese”) em 1418. Ela se apaixonou pelo enteado, Ugo. O marido descobriu e executou ambos em 21 de maio de 1425. Quando morreu, Parisina já havia dado à luz três crianças. Sua filha mais velha, Ginevra (1419–1440), seria a primeira mulher de Sigismundo Malatesta.
“Stava (…) pazzo”, “Estava para enlouquecer.”: após a execução de Ugo e Parisina, Niccolò ordenou que fossem também executadas todas as mulheres adúlteras de Ferrara. Convenceram-no do contrário ao mostrar que isso provavelmente despovoaria a cidade. Detalhe: Niccolò era bastardo, e teve onze filhos fora do casamento.
“condit Atesten”, “fundaram Ateste”: Ateste é o nome latino da cidade de Este, no Vêneto.
“Borso”: Borso d’Este (1413-1471) filho bastardo de Niccolò III com Stella dei Tolomei, e irmão caçula de Ugo (tinha doze anos quando este foi executado). Tornou-se Marqu~es de Ferrara em 1450 e Duque em 1471. Nunca se casou nem teve filhos.
“Ganelon”: um dos doze pares na Canção de Rolando e embaixador de Carlos Magno na Espanha.
“Tan mare fustes”, “Você não é um de nós.”
“(…) diante da muralha”: na segunda parte de seu delírio, Niccolò une duas visões — de quando Helena aparece nas muralhas de Troia (“epi purgo”, “ἐπὶ πύργῳ”, Ilíada III, 153) e os velhos conselheiros sugerem a Príamo que ela seja devolvida aos gregos (“Neeshto”, “νεέσθω, “embarque logo”, na tradução de Trajano Vieira); e de Las Almenas de Toro, de Lope de Vega, quando Elvira aparece nas muralhas do forte (Toro) e seu irmão, Sancho, que cerca o lugar, não a reconhece e a deseja sexualmente, pelo que depois será morto. É Ancures, conselheiro de Sancho (citado alguns versos depois por Pound), quem o alerta sobre quem é a mulher que ele deseja. “Alf”, também mencionado adiante, é Alfonso, irmão de Elvira e Sancho, e ele de fato deixou Toro para a irmã, obedecendo ao testamento deixado pelo pai.
“peur de la hasle”, “com medo de se queimar ao sol”: detalhe que Hugh Salel, tradutor francês da Ilíada, acrescentou ao descrever os conselheiros idosos. O “sol”, no caso, seria a própria beleza de Helena. Essa conexão (entre o sol e a beleza da mulher) fica mais clara em Lope de Vega, descrevendo Elvira.
“telo rigido”, “com a lança rígida” (óbvio conteúdo sexual que Pound escondeu usando uma língua estrangeira).
“Zoe, Marozia, Zothar”: Zoe Porphyrogenita, imperatriz bizantina (978-1050). Tornou-se imperatriz em 1028, aos cinquenta anos, quando se casou pela primeira vez; ainda se casaria outras duas vezes. Marózia Crescenti (c.890-c.936) foi uma aristocrata romana, filha de Teofilato I, senador e cônsul, governante efetivo de Roma por anos. Marózia foi senadora (senatrix) e, a exemplo de Zoe, também foi casada por três vezes. Ela controlou o papado, sobre o qual teve grande influência graças aos seus descendentes. Teria sido amante do papa Sérgio III. Mãe do papa João XI e avó de outro papa, João XII. A exemplo de Sigismundo Malatesta, Marózia também teve um grande inimigo: o bispo Liuprando de Cremona a chamava de “puta” e arruinou sua reputação por meio de uma biografia. Zothar é figura mítica inventada por Pound como uma espécie de contraparte marítima das ninfas que dançam nas florestas. O nome reaparece no Canto XVII (grafado na tradução de Grünewald como “Zotar”). Zoe, Marózia e Zothar é uma brincadeira com o som de seus nomes e da palavra grega Ζωή, zoon, “ser vivo”, o que Pound deixa claro logo depois ao usar o termo “ho bios”, “vida”. Com o verso seguinte, “ruidosamente sobre as bandeiras”, ele sugere que também são avatares de Helena.
“cosi Elena vedi”: ref. Inferno V, 64, quando, ao passar pelo segundo círculo, Virgílio mostra a Dante as mulheres poderosas (Helena, Dido, Semíramos, Cleópatra), as quais teriam cometido o pecado carnal. Nos versos seguintes, Pound perpetra uma écfrase da gravura em que William Blake ilustra esse episódio, na qual vemos Helena no centro da espiral, mas o vento (daí a referência a Éolo) não é brutal como em Dante, mas gentil (a “spilla de prata” mencionada alguns versos adiante).
“Nel fuoco d’amore mi mise (…) il mio sposo novello”: “[Ele] me acendeu o fogo do amor, meu novo marido”. Refrão de um cântico atribuído a São Francisco.
“Eles que morreram no remoinho”: ref. Odisseia XII, 405-420, quando os companheiros de Odisseu morrem em uma tempestade criada por Zeus como punição por eles terem devorado os gados do sol (Hélio).
“… as olivas sob Esparta”: a árvore sagrada de Atena.
“Circe Titânia”: assim mencionada nas Metamorfoses XIV. “Kalüpso”, no verso seguinte, é Calipso, que manteve Odisseu prisioneiro por sete anos em Ogígia. “neson amumona”, ἀμύμονα νῆσον, a “nobre ilha”, Trinácia, a Ilha de Hélio, onde pastava o rebanho bovino do deus-sol.
“E da planície…”: aqui inicia a parte final do Canto. Nele, Pound imagina um terceiro paraíso baseado na ideia de triunfo, conforme aquele pintado por Francesco del Cossa para Borso d’Este no palácio Schifanoia, em Ferrara.
“Ixotta”: Isotta degli Atti, amante e terceira esposa de Sigismundo, mãe de Salustio (fato contestado por alguns estudiosos), mencionado alguns versos antes. Esses personagens marcam presença nos cantos malatestianos.
“ac ferae familiares”, “e animais selvagens domesticados.”: referência aos animais (um leão, um leopardo, entre outros) que aparecem justo às pessoas em “Alegoria de Julho”, de del Cossa, no Salone dei Mesi do Schifanoia. Há outras referências ao afresco, como Somnus (deus romano do sono), a figura sobre “o suave relvado” (Attis), “chiostri” (“claustro”; há alguns monges por ali), “le donne e i cavalieri” (as damas, estas usando hennin, e os cavaleiros que assistem a uma corrida) etc.
“Cramoisi e diaspre”, “carmesim e jaspe.”
“Vanoka”: deidade inventada por Pound para reforçar a conexão entre a mulher de grande poder sexual e a guerra. É possível que ele tenha se inspirado na amante esquecida de Sigismundo para criar o nome. Ele não se casou com Vanetta dei Toschi, mãe de Roberto (que, deserdado, matou os irmãos para assumir o controle de Rimini, o qual logo perderia).