Versão estendida de um texto publicado hoje n’O Popular.
Em 2006, eu era um (vá lá) jovem escritor e havia publicado meu primeiro romance, Hoje está um dia morto. Não em lembro exatamente como, se por e-mail ou telefone, mas um sujeito chamado Robney Bruno Almeida me procurou, disse que havia lido o livro e estava interessado em adaptá-lo para o cinema. Lembro de comentar com alguém que Robney Bruno parecia nome de ator pornô, e que isso parecia um ótimo sinal.
Naquela primeira reunião, Robney explicou que seria um processo demorado, que pretendia dirigir mais uns curtas antes de se aventurar com um longa-metragem, que reescreveria o roteiro à exaustão e só me pagaria pela cessão dos direitos quando a coisa começasse de fato a andar. Lembro que ele estava com um exemplar repleto de grifos e anotações do Dia Morto. Como parecesse muito entusiasmado e comprometido com o projeto, e também porque o meu livro não era disputado a tapa por outros cineastas, respondi: “Beleza, Robs, onde é que eu assino?”.
(Ok, talvez eu não tenha usado exatamente essas palavras.)
A partir daí, acompanhei o processo à distância. Não sou como esses escritores que supervisionam paranoicamente cada detalhe das adaptações de seus livros, infernizando roteiristas, produtores e diretores. Cada forma de expressão tem as suas óbvias particularidades, e uma adaptação é uma transposição. Mudanças são inevitáveis. Logo, a partir do momento em que Robney tomou o livro para si a fim de adaptá-lo, aquele seria o filme dele, a viagem dele. A minha viagem já estava pronta, impressa, encadernada e disponível nas melhores e em algumas das piores livrarias; a viagem dele apenas começava.
Não me arrependi, pois Robney cumpriu com todas as promessas que fez. Dirigiu mais uns curtas, reescreveu o roteiro à exaustão (participou até de workshops com profissionais calejados a fim de se aprimorar e tornar o script cada vez melhor), lutou para conseguir financiamento e, passados treze anos desde aquela nossa primeira reunião (na praça de alimentação do Araguaia Shopping, testemunhada pelo meu amigo, o jornalista Vandré Abreu), Dias Vazios está chegando às telas.
No decorrer do ano passado, o filme circulou por vários festivais, sendo bem recebido em todos e premiado em pelo menos um deles, o Cine-PE. Eu o vi duas vezes, em exibições especiais – em todos os sentidos – realizadas em São Paulo e Paraty. E fiquei extremamente feliz por ter confiado em Robney.
Sendo a viagem de seu diretor, Dias Vazios é uma adaptação livre de Hoje está um dia morto. É um bocado difícil falar sobre algo que escrevi há uma década e meia. Hoje está um dia morto é um romance raivoso ou, melhor dizendo, enraivecido. Desde então, e também porque eu odiaria me repetir, sempre busco outras formas de dizer mais ou menos as mesmas coisas. Aquela raiva está presente em Dias Vazios, mas não explode na fuça do espectador. Em outras palavras, onde o livro é veloz & furioso, o filme é compassado. Onde o livro é agressivo, o filme é compassivo. Onde o livro é desfolegado, o filme respira fundo e se dá o tempo necessário para desenrolar aquela(s) história(s). Espanta-me, em vista do tom e do ritmo assumidos, que seja um longa de estreia. Espanta-me que, sendo tão diferente da obra em que se baseou, Dias Vazios seja, por outros meios, tão fiel a ela.
O filme entra em cartaz na próxima quinta-feira, 30 de maio, em várias cidades¹. Mais do que sobre crescer, é sobre escolher crescer. Espero que gostem dele tanto quanto eu.
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¹ Goiânia, São Paulo, Brasília, Rio, Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte, Florianópolis, São Luis, Teresina, Fortaleza, Manaus, Maceió, Santarém e Niterói.