Conheci Jack em 1921, no baile de 4 de Julho. Estávamos um pouco altos e não me lembro quem nos apresentou. A orquestra zurrava no salão de festas do hotel, todos esbarravam em todos e o inverno era algo muito distante. Não demorou para que Jack começasse a falar de suas veleidades literárias. As pessoas estão sempre falando de suas veleidades literárias para mim, em todo lugar que eu vá é a mesma coisa, bailes ou funerais, bares ou estações de trem, há sempre um Tolstói à esquerda ou um Hawthorne à direita dizendo, sorrisinho forçado, escrevo algumas coisas, sabe?, tenho esse projeto para um romance, sabe?, trabalhando nuns contos, sabe?, e Jack não foi diferente, exceto pelo sorriso que não me pareceu forçado, mas francamente aberto, tão aberto que flertava com a desmesura, com o excesso, no que eu me lembrei de meu pai dizendo: “Também conhecemos gente louca pelos dentes”. A certa altura, Jack perguntou se eu gostava de ler e, até por querer mudar de assunto, achei melhor falar a verdade: “Sem querer ofender, Jack, acho a literatura uma perda de tempo”. Isso resolveu a situação, encerrando aquela parte da conversa. Jack não levou a mal, ou ao menos pareceu não ter levado a mal. Quando dei por mim, falávamos sobre os Red Sox. Jack insistiu um tanto sinistramente que a saída de Babe Ruth, da forma como acontecera, teria deflagrado uma espécie de maldição, o que achei um exagero e me levou a pensar que ele se referia, de um jeito assim enviesado, a alguma história que estivesse escrevendo. Óbvio que não perguntei se era o caso, pois não queria retomar a maldita conversa anterior. Limitei-me a dizer: “O time vai se recompor e a gente ganha outra World Series logo, logo”. Ele balançou a cabeça e, sorrindo de um jeito estranho, disse: “Você não está entendendo. Você não está entendendo”. Ficamos calados por um tempo, bebericando e olhando ao redor com desinteresse. Depois, ele perguntou se eu era casado. Respondi que sim. “Tenho um filho pequeno.” Então, Jack resmungou algo que não consegui ouvir por causa do barulho e desapareceu na multidão que dançava. Não se despediu.
1921
- Autor do post De André de Leones
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