“O pastor e o médico são o coração de toda comunidade”, diz a mãe do narrador em Americana. É o romance de estreia de Don DeLillo e a mulher está prestes a contar algo terrível a seu filho. O lugar da confidência e a imagem daquela que a profere são muitíssimo bem preparados.
A mulher é quase um fantasma. Seu quarto é cheio de objetos infantis, bonecas, uma casinha, ursos de pelúcia, livros coloridos. Ela tem “uma luz cansada nos olhos” e, às vezes, “sua presença na casa parecia acidental”. Eles estão sozinhos, sentados nos degraus. Tarde de verão, a luz do sol inundando a casa.
A mãe diz que, em sua família, sempre houve médicos e pastores respeitabilíssimos. Os médicos, aliás, vinham logo atrás dos homens de D’us em termos de respeitabilidade. Eis a razão da “surpresa” causada pelo dr. Weber, alguém que se revelou indigno daquela tradição. Ela, então, conta ao filho o que aconteceu, antes ressalvando que, se o faz, é porque um dia ele entenderá que “a verdadeira educação é feita de choques e rudes surpresas”.
Ela explica rapidamente como se dá o exame de suas partes íntimas. “Não me pergunte por quê, mas essas coisas são necessárias de tempos em tempos.” Ela sublinha o desconforto inerente às circunstâncias. A “grande mesa engraçada” onde se deita; as pernas abertas e lançadas para o alto; o travesseiro na barriga para que ela não veja “o que ele está fazendo lá embaixo”. “Posso dizer que não há muita dignidade em nada disso.”
Então, o médico começou a “fazer coisas”.
“Ele me pergunta se eu gosto. Eu naturalmente digo que não. Ele diz é claro que sim, todo mundo gosta”, e a “elogia” por continuar a ser uma “coisinha linda e jovem” mesmo após três filhos, três gestações e ainda “tão jovem e linda”, e “você gosta e é claro que você gosta e você é a mulher mais linda que eu já vi, Ann, e ninguém nunca vai saber”.
A confidência é encerrada com uma frase que simboliza, para ela, toda a violência sofrida e que agora compartilha com o filho: “Ele me chamou pelo meu primeiro nome”.
A qualidade fantasmagórica da mãe falha momentaneamente. Por alguns momentos, não há nada de “acidental” em sua presença, seja diante do filho, seja à mercê do médico. Ela é aquele corpo, e um corpo horrendamente violentado.
As palavras mal traduzem o inferno. O “choque” advindo da “rude surpresa” silencia todo o resto. O narrador evita tecer qualquer comentário. Não há o que dizer. É a voz da mãe e, então, nada.