Contra o isolamento

O caderno Pensar, d’O Estado de Minas, fez esse guia aí. Eu fui um dos indicaram cinco calhamaços. A matéria é assinada pelo jornalista e escritor Carlos Marcelo. Leia AQUI. Também participei do podcast do caderno, falando um pouco sobre o Ulysses. Ouça AQUI.

Abaixo, replico as minhas indicações:

ULYSSES, James Joyce. 912 páginas.
Tradução: Bernardina da Silveira Pinheiro. Ed. Objetiva/Alfaguara.
Uma das coisas legais de se indicar Ulysses é que isso envolve pelo menos outros dois livrões: Ilíada e Odisseia. É possível ler Joyce sem ir a Troia e retornar a Ítaca? Claro que é. Mas ter com Homero é algo tão esplêndido que eu sempre sugiro a refeição completa. Quanto ao Ulysses, essa obra-prima divertidíssima e inventiva, um dos três livros mais engraçados que já li (os outros são JR, de William Gaddis, e Lucky Jim, de Kingsley Amis), aqui vai outra dica: caso você não seja fluente em inglês, há três traduções brasileiras do romance; para uma primeira leitura, opte pela versão de Bernardina da Silveira Pinheiro, mais palatável, com notas e textos introdutórios a cada capítulo. E divirta-se.

MIDDLEMARCH, George Eliot. 884 páginas.
Tradução: Leonardo Fróes. Ed. Record.
George Eliot é o pseudônimo de Mary Ann Evans (1819-1880), uma das autoras mais importantes da era vitoriana. Subtitulado “Um Estudo da Vida Provinciana”, Middlemarch se debruça sobre as vidas de uma teia de personagens em um momento histórico (imediatamente anterior à ascensão da Rainha Vitória ao trono) prenhe de mudanças políticas e sociais. Situado na cidade fictícia do título, o livro espelha muito bem esse período convulsionado em uma de suas protagonistas, Dorothea, pessoa inteligente e audaciosa, mas presa em um casamento que se depaupera como a velha ordem das coisas.

BOA TARDE ÀS COISAS AQUI EM BAIXO, António Lobo Antunes. 568 páginas.
Ed. Objetiva.
Difícil escolher um só calhamaço na obra de Lobo Antunes, o maior escritor vivo de língua portuguesa. Que tal Fado Alexandrino, Não entres tão depressa nessa noite escura ou Que farei quando tudo arde? Opto por Boa tarde por ter sido o primeiro dele que li. Seu enredo envolve as viagens de agentes portugueses que, em períodos subsequentes, vão à Angola pós-colonial recuperar diamantes contrabandeados. Com isso, perpetuam a vampirização do país africano (mas também se estrepam). A estrutura estilhaçada mistura as vozes e os tempos narrativos e obriga o leitor a um recompensador trabalho de prospecção e, por que não dizer, cocriação.

EXPLOSÃO, Hubert Fichte. 844 páginas.
Tradução: Marcelo Backes. Editora Hedra.
Não me conformo que esse livro extraordinário, lançado em 2017 no Brasil, tenha merecido tão pouca atenção. Nascido das viagens de Fichte (1935-1986) pelo nosso país (e pela América do Sul) entre o final da década de 1960 e o início dos anos 1980, Explosão é um mergulho autobiográfico e experimental, mas nunca maçante. O romance integra um projeto literário inacabado, a História da Sensibilidade, desenvolvido ao longo de toda a carreira por Fichte. Jäckl, alter ego do autor, circula por terreiros de umbanda e candomblé, inferninhos, zonas de prostituição, favelas, mas também papeia com figuras como Pierre Verger e Salvador Allende, tudo isso com a urgência de quem escreve “para um mundo em que a escrita não existirá mais, nem leitores, provavelmente nem mesmo olhos”.

WOLF HALL, Hilary Mantel. 588 páginas.
Tradução: Heloisa Mourão. Editora Record.
Primeiro de uma trilogia complementada por O Livro de Henrique e pelo recém-lançado The Mirror & the Light, Wolf Hall resgata para nós um personagem e tanto: Thomas Cromwell (c. 1485-1540). A prosa percuciente de Mantel jamais se limita às convenções do romance histórico e recria a mente de um homem inteligentíssimo, de origem humilde e enorme ambição, e seus sucessos e atribulações na corte de Henrique VIII. A agilidade com que os fatos se desenrolam contribui para a sensação de que, cedo ou tarde, todos somos atropelados pela História.