Aharon Appelfeld faleceu ontem em Jerusalém. Tinha oitenta e cinco anos de idade.
Eu o li pela primeira vez em 2009, em Israel. Antes, graças ao Operação Shylock de Philip Roth, lera sobre sua vida e o que passara. Nascido e criado na Bucovina, entre os judeus assimilados de cultura alemã, expostos à brisa da Haskalá. A Segunda Guerra irrompendo quando ele ainda era uma criança. A mãe assassinada. Ele e o pai prisioneiros de um campo de trabalhos forçados na Ucrânia. A fuga. Errando sozinho pelas florestas por anos, lidando com partisans, ladrões de cavalos, prostitutas. Finda a guerra, a ida para Israel. A dificuldade em aprender o hebraico, em se adaptar ao país em gestação. O início da carreira literária, a marginalização que sofreu por escrever sobre o mundo no qual crescera, o Leste Europeu do começo do século XX; acusavam-no de levar a galut, o exílio judaico, para o novo lar. Ele insistiu.
Tornei-me tão próximo quanto possível da literatura de Appelfeld no final do verão e no decorrer do outono de 2009. Enfileirei leituras. Badenheim 1939, All Whom I Have Loved, Story of a Life, The Iron Tracks, Tzili. A maneira como ele não aludia diretamente aos campos e ao extermínio, mas, sim, àquele mundo depois estrangulado pelos nazistas, à tempestade raivando no horizonte. A forma como narra, de um lirismo (também ele) estrangulado. Potente demais. Único. E doloroso.
Desde que voltei de Israel, falo sobre Appelfeld e seus livros sempre que possível. Discorri sobre Badenheim 1939 no programa Livro de Cabeceira. Traduzi (da versão em inglês, Story of a Life) dois trechinhos da autobiografia Sipur Hayim, AQUI e AQUI. E, claro, recomendo a todos que leiam as excelentes traduções que Moacir Amâncio e Luis S. Krausz, respectivamente, fizeram de Badenheim 1939 e Expedição ao Inverno.
Sentar à mesa de um café em Mevaseret Zion e pensar sobre um mundo que não mais existe, mas cuja obliteração foi assinalada e, de certo modo, genialmente retificada por Aharon Appelfeld, alav ha-shalom.