Resenha publicada ontem no Estadão.
No quinto thriller protagonizado pelo professor Robert Langdon, o norte-americano Dan Brown leva seu personagem à Espanha. Lá, como de praxe nos livros do autor, o assassinato de uma figura proeminente expõe uma conspiração que pode – ou não – envolver organizações como a Igreja Palmariana, seita controversa e ultraconservadora, dissidente do catolicismo romano, e até mesmo membros (fictícios) da família real. O famigerado “simbologista” se vê em mais uma de suas aventuras, por assim dizer, “ilustradas”, um quebra-cabeças que envolve sangue, pseudoerudição, correria e, neste caso, uma tentativa de afinal conciliar dois campos aparentemente incompatíveis: religião e ciência (atentem para a fala de Langdon, já perto do desfecho, envolvendo os termos “padrão” e “código”). A exemplo dos romances que o antecedem, Origem é um passeio de roda-gigante. Não é inteligente exigir dele muito mais do que isso.
Quanto ao enredo, há sempre o risco de falar demais e estragar as reviravoltas que, semeadas com esmero pelo autor, brotam de suas páginas (uma das mais divertidas envolve ninguém menos que o rei da Espanha), mas vamos lá: em Bilbao, um desses gênios high-tech bilionários, o “futurólogo” Edmond Kirsch, está prestes a fazer um anúncio no Museu Guggenheim. Ele promete “erradicar o mito da religião” e encetar uma nova etapa na aventura humana, pois, segundo afirma, fez uma descoberta que “responde claramente” a duas questões fundamentais sem recorrer a Deus: “De onde viemos? Para onde vamos?”. Langdon está no evento porque o sujeito foi seu aluno em Harvard e é um amigo próximo.
Auxiliado pela diretora do museu, a beldade Ambra Vidal – noiva do príncipe herdeiro da Espanha –, Kirsch investe em uma performance à Steve Jobs que vira um escarcéu dos diabos antes que o anúncio seja feito. A partir daí, Langdon se une a Vidal e, com a ajuda de Winston, uma inteligência artificial que bota o HAL de 2001: Uma Odisseia no Espaço no chinelo, eles vão a Barcelona decifrar qual é, afinal, a descoberta do futurólogo e revelá-la ao mundo. Dado o teor bombástico da coisa, há gente (da Igreja Católica? Da tal Igreja Palmariana? Da própria Coroa?) empenhada em impedir a divulgação, deixando alguns cadáveres pelo caminho e transformando o “simbologista” e sua parceira nos próximos alvos.
Brown alimenta o suspense com habilidade, fragmentando a narrativa para melhor dispor as pistas, muitas delas falsas ou parciais, e o mistério é engrossado em um caldo de sabor familiar. Sequências de ação se alternam com discussões envolvendo desde William Blake até John Steinbeck (uma bela sacada na reviravolta final), passando pelo físico Jeremy England e pelo arquiteto Antoni Gaudí – a Casa Milà e a Basílica da Sagrada Família são cenários de enorme importância no curso da trama.
Óbvio que o pós-humanismo (ou seria um neoiluminismo?) de Origem deve ser encarado como o que de fato é: dentes na engrenagem da supracitada roda-gigante. Quando no alto, até vislumbramos coisas que nos fazem pensar, mas a vista é parcial e distanciada, e logo estamos de novo entretidos com o friozinho na barriga. Noutras palavras, Brown é bem-sucedido no que faz por explorar elementos de perquirições filosóficas e científicas de maneira agressivamente superficial, com vistas a alimentar o suspense e engendrar a reviravolta seguinte – que nunca tarda, e raras vezes decepciona.