Pynchon 80

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Thomas Pynchon completa oitenta anos hoje. É um dos prediletos nesta casa desde que, duas semanas antes do Natal de 2004, tropecei em um exemplar de O Arco-Íris da Gravidade. Foi na rodoviária de Goiânia. O exemplar estava com cinquenta por cento de desconto porque a livraria, prestes a fechar de uma vez por todas, fazia uma bela queima de estoque (também comprei o insano Glamorama, de Bret Easton Ellis, por uns trocados). Eu escrevia então o meu primeiro romance e a leitura do calhamaço fez com que eu tomasse duas decisões: 1) eviscerar, atulhar de explosivos, suturar e explodir (no bom sentido) (espero) Hoje está um dia morto; 2) não fazer outra coisa na vida (digo, profissionalmente) além de escrever. Como bom capricorniano, tenho o péssimo hábito de me manter fiel às decisões que tomo não porque as considere “certas” ou sequer inteligentes, mas porque voltar atrás não é uma opção viável. Percorri os contos e romances de Pynchon mais de uma vez desde aquele dia, e não raro as leituras não só me sustentaram (no sentido estrito mesmo, desde sustinere) como me lançaram adiante. Ler V. à beira do Mar Morto, por exemplo, como que aprofundou a paisagem: animado pelo livro, enxerguei por um breve instante a outra margem e imaginei o quão angustiante seria restar ali e não consegui-lo, daí o desfecho de Terra de casas vazias. Muitas vezes, o escritor é como Mondaugen na Namíbia, preso num casarão na companhia de gente muito estranha enquanto o pau come lá fora, a terra eviscerada e ainda ecoando o primeiro genocídio do século dos genocídios, encalacrado em uma festa nascida do estado de sítio, errando pelo lugar e sonhando os crimes cometidos por outrem; impossível descrevê-los, impossível não tentar descrevê-los. Como Stencil, a gente conta a nossa história “até tarde da noite, mas com uma voz sempre ameaçando partir-se, como se agora, finalmente, implorasse por sua vida”. Em Pynchon, a ficção é uma alucinação da História ou, melhor dizendo, contra a História. É algo que muitos autores influenciados por ele (como o David Foster Wallace de Marathe & Steeply e do Eskathon, as passagens menos felizes de Graça Infinita) compreenderam mal; a História só é um jogo (literal ou figurativo) do ponto de vista do último homem. Ao tentar parodiá-la de forma direta, tornamo-nos inadvertidamente a punch line. Bem mais engenhoso é se manter à margem e, no momento oportuno, noite alta, sem lua e vento, no ápice da nossa “primavera invertida”, mergulhar contra a corrente e se manter lá no fundo, enquanto tiver fôlego. E, ao que eu saiba, ninguém tem mais fôlego que Thomas Pynchon.