Sempre amei o trabalho de cineastas capazes de construir filmes a partir de ideias puramente cinemáticas, desenvolvendo toda uma gramática visual que fundamente, antes de qualquer outro elemento (incluindo o roteiro), a história que se desenrola na tela. Alfred Hitchcock é o exemplo mais óbvio desse tipo de criador (e, não por acaso e para o meu gosto, o maior diretor de todos), mas, contemporaneamente, também coloco nesse balaio os meus adorados George Miller, Nicolas Winding Refn e, claro, Brian DePalma.
DePalma, documentário de Noah Baumbach & Jake Paltrow, na verdade uma longa entrevista, é uma bela maneira de repassar a vida e a carreira do sujeito. Aos setenta e seis anos, afastado de Hollywood desde a experiência desagradável que teve com Missão: Marte, ele filmou pouco, mas bem neste século — ainda que Dália Negra tenha lá os seus problemas (sobretudo para quem leu o livro de James Ellroy), Femme Fatale, Redacted e Passion revisitam com eficiência temas e conceitos já explorados em Vestida Para Matar e Pecados de Guerra, por exemplo.
Há coisas reveladoras no doc, especialmente quando ele discorre sobre momentos delicadíssimos (os fracassos de bilheteria e/ou crítica, as discussões com executivos e estrelas, as estratégias para sobreviver em um meio crescentemente inóspito para certo tipo de cineastas) com uma autoconsciência impressionante. Não há, jamais, qualquer ranço autopiedoso, do tipo “fui injustiçado por isso e aquilo”, mas uma tentativa de compreender como e por que esse ou aquele filme funcionou ou não.
É curioso, também, perceber como o tempo trabalha a favor dos grandes artistas: filmes como Um Tiro na Noite e Dublê de Corpo, hoje devidamente reconhecidos, foram massacrados por razões tão díspares quanto estúpidas quando lançados, e DePalma sabe muito bem que trabalhos que obtiveram aclamação imediata (Vestida Para Matar, Os Intocáveis, Missão: Impossível) são eventos raríssimos na vida de qualquer realizador.
Numa passagem engraçada, ao falar dos inúmeros remakes de Carrie (cuja versão original continua impressionante), DePalma diz que é divertido observar como os novos diretores trataram de colocar na tela todos os clichês visuais que ele soube evitar décadas atrás. E é justamente aí que reside sua singularidade, a capacidade extraordinária de explorar os elementos fílmicos de forma a elevar a narrativa a um nível incomum, inesperado. Mesmo em filmes problemáticos ou menores como Dália Negra e Olhos de Serpente, notamos o cuidado na criação de atmosferas muito peculiares, a câmera e os cortes devassando ambientes que depois serão como que retorcidos, provocando uma perturbação, um ruído na forma como nos relacionamos com as imagens, e assim amplificando os efeitos emocionais de cada cena.
Uma das (poucas) vantagens dessa época em que vivemos é a facilidade para se encontrar o que quer que nos interesse ou diga respeito. DePalma teve de esperar trinta anos para rever Um Corpo que Cai, o clássico de Hitchcock que o mesmerizou aos dezoito anos. Por sorte, não preciso e não vou esperar nem um dia para começar a rever tudo o que ele já nos deixou. Aliás, vou começar por A Fogueira das Vaidades e Síndrome de Caim. Só para sacanear.
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TOP TEN DePALMA
(A ordem muda conforme as revisões, mas os meus favoritos são esses aí. Clique nas fotos.)