Resenha publicada em 25.04.2016 no Estadão.
Pornografia, assassinatos, adultérios, alcoolismo, segredos, suicídio, surtos psicóticos e prevaricação: não é de se espantar que Bonita Avenue, romance de estreia do jornalista e editor holandês Peter Buwalda, seja um best-seller multipremiado. Em suas mais de 500 páginas que se permitem ler sem atropelos, o autor desenvolve uma história sombria a partir de três pontos de vista, indo e voltando no tempo e alternando entre a primeira e a terceira pessoas, as quais nos contam do esfarelamento de uma família e sugerem – pois nem tudo são sombras – a constituição de outra.
O título se refere a uma rua em Oakland, na Califórnia, onde a família Sigerius viveu aquele que é talvez o momento mais idílico de sua existência, e que, pela própria natureza do romance, é aludido quando se busca traçar algum contraponto. Eles são Siem Sigerius, ex-judoca, matemático, reitor de uma universidade em Enschede, no interior da Holanda, e depois ministro da Educação, sua mulher, Tineke, e as duas filhas dela, Joni (responsável pelos capítulos narrados em primeira pessoa) e Janis. Siem tem um filho de seu casamento anterior, Wilbert, um rapaz transtornado pela rejeição paterna e que, certo dia, esmagou a cabeça do chefe com uma marreta. Ele passa alguns anos na cadeia, mas sua sombra e, mais tarde, sua presença são cruciais no violento clímax da história.
Os três pontos de vista que se alternam em Bonita Avenue são os de Siem, Joni e do namorado desta, Aaron, um fotógrafo freelancer acolhido como um membro da família, especialmente pelo sogro, com quem passa a treinar judô e compartilha o interesse por jazz. O problema é que Aaron e Joni criam um website onde publicam fotos pornográficas dela, ganhando um dinheiro considerável e contribuindo, e muito, para que as coisas desandem epicamente quando Siem toma conhecimento da brincadeira.
Buwalda é habilidoso no modo como alterna os pontos de vista e costura os acontecimentos temporalmente, sem ordem cronológica. Os temas, as circunvoluções obsessivas e o estilo abrasivo lembram Philip Roth, mas estão muito distantes da opacidade e do artificialismo débil de Jonathan Franzen, com quem também foi comparado. E, por mais que o autor ainda esteja buscando a própria voz, salta aos olhos o talento que ele exibe para a chamada carpintaria narrativa. Nas melhores passagens de Bonita Avenue, e sem trocadilhos com o destino daquele personagem, as reviravoltas são marteladas e, salvo por algumas exceções gritantes, elas são tão mais impressionantes não pelo que teriam de imprevisíveis — em linhas gerais e com frequência, o leitor é informado de antemão acerca do destino da maioria das pessoas —, mas pela maneira como se desenrolam.
Buwalda também evita a armadilha de banhar o leitor com uma catarse final. Estamos no território acidentado da vida familiar e qualquer tentativa de reordenamento afetivo soaria deslocada, especialmente após o clímax que é oferecido ao leitor. Também pela inteligência de suas escolhas, o autor holandês demonstra que podemos esperar mais e melhores coisas de sua lavra.