Até a luz

spartacus

Spartacus é talvez o filme mais subestimado de Stanley Kubrick. É o único que ele realizou como diretor contratado (leia-se: pau-mandado de Kirk Douglas), e não são poucas as histórias sobre o quanto a produção foi excruciante. Mas, olhando exclusivamente para o filme, os acertos saltam aos olhos desde os estupendos créditos iniciais concebidos por ninguém menos que Saul Bass. Outra coisa que muito me agrada é a crua e não raro crudelíssima carga sexual carregada pelo filme: Spartacus obrigado a ouvir o estupro de sua amanda Varínia (Jean Simmons) na cela vizinha; as matronas romanas escolhendo os gladiadores, sublinhando que deverão lutar em trajes mínimos e até a morte; a atração de Crasso (Laurence Olivier) pelo escravo Antonino (Tony Curtis). Há que se louvar, também, o trabalho do fotógrafo Russell Metty, seu melhor (junto com Os Desajustados, de John Huston). É verdade que os travellings-assinatura de Kubrick (horizontais e à altura dos personagens, movendo-se lateral ou frontalmente), usados até ali de modo impressionante em O Grande Golpe e Glória Feita de Sangue, comparecem pouco em Spartacus. Mas, por outro lado, o diretor compensa essa relativa discrição com um uso do processo Super Technirama 70, tela larguíssima capaz de contemplar toda a devastação trazida pela história e perfeita para a aproximação e o distanciamento por meio das gruas, pelo que se dá a alternância entre os contextos geral e particular. Além disso, a própria constituição pictórica do filme sugere uma horizontalidade no modo como encara a História, coisa que corrobora e é corroborada pelo script politicamente incisivo de Dalton Trumbo, escritor aliás perseguido pelo macarthismo. Voltando às imagens, o uso da luz é outro achado narrativo de primeira grandeza. É curioso como, em determinados momentos, os revoltosos caminham em direção à luz e, uma vez ali, não se permitem recuar. Eles terminarão cegos ou queimados, mas isso não importa: o recado foi dado.