Por essa eu não esperava. Christopher Nolan se superou. No apagar das luzes, nos estertores do pandêmico e horrendo 2020, ele conseguiu cometer o pior filme da década. Sendo sincero, até ver Tenet, eu considerava outro filme do diretor (o terceiro capítulo de sua trilogia d’O Cavaleiro das Trevas) o pior longa-metragem dos anos 2010. Eu me enganei. O homem realmente se superou.
Não creio que o hype em torno do cinema dele seja um fenômeno “apenas” cultural. Logo, acho que vale a pergunta: o que faz com que tanta gente receba como bons (em alguns casos, como obras-primas) esses filmes paquidérmicos, autoimportantes, porcamente escritos e tão mal dirigidos? Acredito que seja um problema cognitivo. O triunfo de Nolan equivale ao triunfo de uma espécie de terraplanismo cinematográfico.
Em Tenet, estão lá todos os garranchos que tornam a assinatura do diretor inconfundível: a trama simplória tornada “complexa” por meio de um malabarismo estrutural (que jamais é engenhoso, mas apenas gorduroso, confuso), os diálogos esquemáticos e coalhados de didatismos risíveis (Nolan leva a um novo patamar — um patamar abaixo, bem entendido — o conceito de fala “expositiva”), as cenas de ação que parecem concebidas por alguém que vive num mundo onde Hitchcock, Peckinpah e McTiernan não existiram (não há um entendimento orgânico, lúdico e agressivo das sequências como um todo e da própria técnica como um fim em si mesma, mas o investimento infantil em paralelismos toscos, a sucessão de planos incipientes e a ação como mera aceleração de vários nadas), o uso esdrúxulo da trilha-sonora (aqueles acordes estrondosos que arrancam o espectador do filme não só nas cenas de ação, mas também em sequências onde, por exemplo, há apenas pessoas conversando enquanto, por alguma razão, a câmera gira ao redor delas como se fosse operada por um técnico hiperativo e/ou cocainômano) e, claro, o gancho “científico” que procura legitimar os absurdos do enredo e escusar o espectador impressionável — a quantidade de gente limitada que se sente “inteligente” ao ver um filme como Tenet é uma grandeza.
Não tenho nada contra premissas absurdas e abordagens idem, desde que sejam encaradas e vendidas como tal. O problema é que Nolan — e isso é um sintoma dos nossos dias — vende imbecilidades como se fossem investigações “profundas” em torno de graves questões físicas, políticas e metafísicas. Em seu terraplanismo cinematográfico, ele faz questão de pingar cloroquina nos nossos olhos exaustos. É um enganador, um demagogo, um pseudoartista.
E é significativo como, em um longa com título palindrômico, ele baseie a trama na chamada “inversão da entropia”. Não se trata, portanto, de percorrer a mesma palavra (ou o mesmo espaço de tempo, ou um determinado conjunto de ações) em ambas as direções para obter uma mesma coisa, o mesmo “resultado”. Trata-se, e isso é muito engraçado, de aludir ao palíndromo só para destruí-lo ou, melhor dizendo, para destruir a si mesmo: a forma do termo latino que serve de título termina por, ironicamente, negar a própria (vá lá) essência do filme, o seu “princípio” norteador. O fim nega o princípio. Tenet se implode.
Desse modo, aquele conceito físico é violentado, estupidificado e tornado pseudometafísico para justificar a estupidez da narrativa. Reitero: nada tenho contra absurdos, desde que se apresentem como tais. O que me incomoda é a impostura, e o que me diverte (mas não como o diretor pretendia) é a maneira como, nesse emaranhado de cenas mal conduzidas, logo me vi torcendo pelo vilão — dadas as circunstâncias, o melhor talvez seja mesmo acabar com tudo.