O desespero e a incerteza acompanham Cristiano, protagonista de Abaixo do paraíso, mais recente romance de André de Leones. Espécie de “hard novel” à brasileira, o livro, narrado em uma linguagem à flor da pele, acompanha as fugas e as tentativas do personagem de situar-se no mundo e, sobretudo, de encontrar-se consigo mesmo.
Cristiano é um foragido. Dá a impressão que nem ele mesmo sabe de quem ou do quê. Quando a ação se inicia, está de volta a Goiânia, mochila a tiracolo, de ressaca, depois de passar cinco meses viajando meio que sem rumo certo, “alguém criteriosamente mastigado pela entrada”. Procura o melhor amigo e, sem outra opção, volta a trabalhar no que fazia antes.
É um trabalho escuso e, quase sempre, ilícito. Cristiano é um faz-tudo do esquema político local. Durante as campanhas eleitorais, visita o interior de Goiás e fornece combustível de graça aos aliados, para que possam encher os tanques de seus carros e engrossar as carreatas. Também é responsável por levar, sem que ninguém veja, a amante do assessor de imprensa do governador ao dentista.
Mais uma entre tantas peças da engrenagem: “Fora da folha de pagamento, mas indispensável ao bom funcionamento da máquina. Levar e trazer. Comprar e vender. Trocar. Papéis. Documentos. Folhas manchadas de tinta. Fotografias, certa vez. (…) Que se enfurna num quartinho de hotel para se encontrar sabe-se lá com quem e comprar ou vender sabe-se lá o quê”.
No retorno à rotina, é encarregado de uma operação comum: um grosso envelope “amarrado feito uma pamonha”, contendo dinheiro, iria para as mãos de um funcionário da câmara de vereadores de Anápolis, que em troca entregaria um dossiê sobre um adversário político. No lugar marcado para o encontro, o que parecia simples se complica, e um crime violento acontece.
Cristiano agora tem mais uma razão para fugir. E se esconder. Apela à família, da qual andava distante: o pai, a madrasta, a tia, a meia-irmã, que moram em Silvânia, que o protagonista classifica de “purgatório” – mais uma pequena cidade do Centro-Oeste que compõe o cenário desolado do romance. No caminho da fuga, ainda dá tempo de relacionar-se com uma dona de hotel de beira de estrada.
Abaixo do paraíso lembra o título do primeiro romance de Scott Fitzgerald, Este lado do paraíso, mas sua temática está mais próxima da de outro escritor americano, William Faulkner, no que carrega de fúria, sexo brutal, ódio incontido e denúncia de uma sociedade que aniquila os indivíduos.
Autor de Terra de casas vazias e Dentes negros, ambos publicados pela Rocco, André de Leones chega ao quinto e seu mais maduro romance. O escritor mostra um forte sentido da História recente do Brasil, mas principalmente da história imaginada a partir da experiência vital do artista. Tudo parece ser regido pelo demônio do acaso que provoca encontros inesperados e apaixonados, não fossem os trechos da Bíblia que pontuam a narrativa e lhe conferem um caráter de destino inescapável.
Em sua trajetória de filho pródigo, Cristiano só encontra terra devastada. E deve se esforçar, para buscar o que está procurando – um outro que pode ser ele mesmo. Como na citação que o personagem evoca do versículo de João: “Por pouco tempo, a luz está entre vós. Caminhai enquanto tendes luz, para que as trevas não vos apreendam”.
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Abaixo do paraíso já está à venda no site da Rocco e chega às livrarias nos próximos dias. Leia um trecho do romance AQUI e saiba mais sobre o livro AQUI.