Sobre “Meu passado nazista”

É difícil precisar o momento em que um livro começa a tomar forma na minha cabeça. Sei que o título “Meu passado nazista” me ocorreu em outubro de 2018, quando publiquei AQUI um texto memorialístico. Cresci no interior de Goiás e convivi desde sempre com os preconceitos, fundamentalismos e estultices que chegaram ao paroxismo com a ascensão do bolsonarismo. Ou seja, essa boçalidade não era algo novo para mim. Muito pelo contrário.

Em 2021, quando terminei de escrever “Vento de queimada”, meu faroeste/”pequi” noir, senti necessidade de abordar esses temas (a persistência do ideário totalitário, a recorrência dos extremismos, o esgarçamento da república, a cretinice fundamental de certos indivíduos) de alguma forma. Logo percebi que o tom satírico seria o mais indicado, pois nada é mais chato do que um livro sisudo sobre tais e tais coisas. Desprezo essa literatura “séria” e autoimportante sobre as mazelas brasileiras, os livros descritos como “urgentes” e “necessários” por aí. Assim, criei um narrador pouco confiável (como todo narrador que se preze) e sacana, que devassa o próprio passado e o passado da família em meio a digressões de todo tipo, idas e vindas, saltos e mergulhos. Ele não é muito melhor do que aqueles que sacaneia.

Se fosse descrever “Meu passado nazista” em uma frase, eu diria que é uma viagem satírica pelo indomável reacionarismo centro-oestino (e brasileiro). O protagonista pode (ou não) ser neto de um nazista que se escondeu no Brasil, e pode (ou não) ter matado esse (suposto) nazivovô. Nessa pegada escorregadia, o livro atravessa algumas décadas da nossa história recente em uma tentativa desfolegada de desenterrar e expor o ovo da serpente — ou a caveira de burro — do neofascismo nacional. Não creio que seja possível fazer isso “de fora”. É preciso se colocar em certos lugares e brincar com certas vozes e situações para alcançar alguma clareza acerca dos personagens e, claro, de nós mesmos.

É importante ressaltar que “Meu passado nazista” nada tem de autoficção — não tenho ascendência alemã como o protagonista, para começo de conversa —, mas apresenta alguns expedientes metaficcionais: há um romance dentro do romance e histórias dentro de histórias, como uma narrativa sobre um parque temático nazista e um conto narrado em primeira pessoa pelo ânus de alguém que se submete à ozonioterapia. Com isso, ao mesmo tempo em que ridiculariza a imbecilidade dos extremismos, o livro procura alegremente reafirmar a beleza da imaginação literária. Em outras palavras, e por vias tortas, “Meu passado nazista” celebra a imaginação, o humor e a literatura como salvaguardas ainda viáveis ou, pelo menos, como sombras em meio às ruínas — um refúgio precário ainda é um refúgio, afinal.