Vacinas democráticas

Artigo publicado em 17.08.2021 n’O Popular.

Enquanto assistia àquele desfile de blindados caindo aos pedaços pela Esplanada dos Ministérios dias atrás, naquela que entrará para a história como uma das maiores e mais constrangedoras demonstrações de fraqueza a que um presidente da República se entregou por conta própria, eu me peguei pensando na bactéria Clostridium tetani. Como sabemos, trata-se do bacilo causador do tétano. Sim, é isso mesmo. Ao observar aqueles monstrinhos ferruginosos e fumacentos, a primeira coisa que me veio à cabeça foi: tétano.

Também me ocorreu que o governo Bolsonaro é muito bom naquilo. Bom, não. Excelente. Em quê? No seguinte: sempre que leio alguma notícia relacionada aos inúmeros descalabros que nos afligem, eu penso em doenças. Sim, é isso. O governo Bolsonaro é excelente em me fazer pensar em doenças. Doenças físicas, doenças mentais, doenças espirituais. Doenças. Penso tanto nisso que é impossível não encarar o conjunto da obra bolsonarista como um câncer metastático. Imagem pobre e já muito usada, eu sei, mas com câncer não se brinca, e a analogia me parece corretíssima.

Mas deixemos o câncer de lado e voltemos ao tétano. Acessei o verbete sobre a doença na Wikipédia: “O tétano é causado pela infecção com a bactéria Clostridium tetani, a qual se encontra frequentemente no solo, no pó e no estrume”. (Sim, no estrume. Eu ri.) Como sabemos, a bactéria costuma entrar no nosso organismo por meio de um corte: a pessoa se machuca com um prego ou lâmina enferrujada, por exemplo. A doença causa espasmos e contrações musculares, que podem levar à morte quando comprimem o diafragma e impedem a respiração. Terrível.

A nossa sorte é que existe vacina contra o tétano. Sim, há cerca de um século. E a boa notícia é que a maioria de nós tomou essa vacina. Não, não houve polêmicas em torno dela. Nenhum presidente em exercício levantou suspeitas ou sugeriu algum medicamento ineficaz contra a doença. Talvez isso tivesse acontecido se Bolsonaro fosse presidente na década de 1940. Nunca se sabe.

O que se sabe é que o desfile tetânico e poluidor dos blindados deveria servir para amedrontar os deputados federais, que naquele dia votaram contra a absurda PEC do voto impresso. Conforme já atestaram o Superior Tribunal Eleitoral, a Polícia Federal, ministros do Tribunal de Contas da União e qualquer pessoa com um pingo de inteligência, o voto eletrônico é auditável e seguro. Outra coisa que se sabe é que o voto impresso cairia como uma luva para os interesses das milícias e de outros grupos saudosos dos currais eleitorais e das fraudes que grassavam nas eleições brasileiras até outro dia.

A exemplo daquele triste blindado movido a diesel, Bolsonaro quer fazer fumaça e impedir que enxerguemos o óbvio: ele é um golpista incompetente e o pior presidente que já tivemos. E, a exemplo da Clostridium tetani, Bolsonaro quer travar a democracia por meio espasmos terríveis, até que ela morra sufocada. Existem vacinas contra isso. Ao que parece, uma delas (impeachment) não será aplicada porque quinhões do Congresso foram comprados para impedir isso. A outra vacina é o voto. Sim, eletrônico. Seguro, auditável, sem fraudes. Difícil será suportar a infecção por mais um ano. Mas sobreviveremos.