Experiências radicais

Artigo publicado hoje n’O Popular.

Em 20 de fevereiro de 1934, Adolf Hitler se reuniu com industriais alemães a fim de acalmá-los. Os donos do PIB estavam desconfiados do novo regime. Hitler queria privilegiar os gastos militares, coisa que fez de uma forma ou de outra, criando um enorme desequilíbrio econômico — aliás, uma das maiores mentiras sobre a ditadura nazista é a de que as políticas do Führer teriam sido “boas” para a economia da Alemanha. Nós, brasileiros, estamos bem familiarizados com as falácias dos “milagres econômicos” e suas consequências: desequilíbrio fiscal, inflação, desemprego, instabilidade, fome. O “bolo” implode antes que possa ser dividido.

Dias antes daquela reunião com os industriais, em 8 de fevereiro, durante uma discussão do gabinete sobre a construção de uma represa na Alta Silésia, Hitler interveio e disse que “os próximos cinco anos devem ser devotados à restauração da capacidade de defesa do povo alemão”. Ou seja, todos os projetos e políticas de Estado deveriam ser canalizados para o rearmamento, contornando o Tratado de Versalhes e ignorando as necessidades mais urgentes da população. Vale ressaltar que ninguém questionou Hitler ali. E ele conseguiu financiar o rearmamento usando um esquema espúrio de títulos no Reichsbank, o banco central do país. Não havia um plano econômico abrangente. Havia um plano militar e totalitário, com o qual as forças armadas concordaram. Essas reuniões estão muito bem documentadas, e a fonte que utilizo é a biografia Hitler (Cia. das Letras, tradução de Pedro Mais Soares), do historiador britânico Ian Kershaw.

“De sua parte”, escreve Kershaw, “os líderes militares tinham seus interesses atendidos” e confiavam em Hitler como aquele capaz de “devolver ao Exército sua devida posição de poder dentro do Estado”. Claro que o tiro saiu pela culatra, pois, “em cinco anos, a tradicional elite de poder do corpo de oficiais seria transformada em mera elite funcional”, ou seja, em marionetes de um desvairado e genocida. Ao que parece (e isso pode ser constatado em regimes totalitários à direita e à esquerda), a ingenuidade de alguns líderes militares é um problema comum.

Mas não só dos militares, é claro. Os desastres políticos, econômicos e humanitários sempre têm muitos pais. Naquela reunião em 20 de fevereiro de 1934, Hitler ofereceu aos industriais seu “tratamento clássico”, monologando por uma hora e meia de forma vaga e inflamada. Defendeu a propriedade privada e a empresa individual, “negando os rumores de que planejava fazer experiências radicais na economia”. O melhor veio no fim: “Três milhões de marcos foram prometidos e entregues em poucas semanas. Com essa doação, o empresariado ajudava a consolidar o poder de Hitler”.

Kershaw afirma que se tratou de uma “extorsão política”, não de “um apoio entusiástico”. O que se sabe é que, poucas semanas depois, a Associação da Indústria do Reich foi substituída por um órgão inteiramente nazificado, o Estado Imperial da Indústria Alemã — e ninguém deu um pio. Graças às políticas populistas e a outras ações com as quais Hitler nada teve a ver e que sequer compreendia (como o Programa Reinhardt), a economia da Alemanha “bombou” por um tempo. Depois, é claro, vieram as bombas.