Sobre o terror

Artigo publicado hoje n’O Popular.

Quando estava em Israel, conheci um sujeito que escapou por pouco de um atentado terrorista, a explosão de uma pizzaria (por obra e desgraça de um homem-bomba) numa das principais ruas de Jerusalém. No caso, ele teve a sorte da impontualidade: atrasado para um encontro, viu o estabelecimento ir pelos ares a uma distância segura. Sei bem o que é viver em um lugar sob a ameaça constante do terrorismo. Quando lá estive, em 2009, os atentados a bomba já não eram frequentes, mas os terroristas usavam de outros métodos: atropelar pedestres, tiroteios à moda norte-americana, esfaqueamentos. Isso é terrorismo. A possibilidade real de ser alvejado, atropelado, esfaqueado ou feito em mil pedaços por um desvairado.

Falo em terrorismo porque tramita no congresso nacional um projeto de lei que altera a legislação antiterrorismo vigente no Brasil. O trambolho é de autoria do deputado goiano Vitor Hugo (PSL) — na verdade, é um requentado de outro projeto, proposto por um certo Jair Messias Bolsonaro anos atrás, quando era deputado federal. Não é preciso ser jurista para entender que ele visa única e exclusivamente o cerceamento da liberdade de expressão e do debate democrático em nosso país, criminalizando lideranças e movimentos sociais, por exemplo.

O deputado Vitor Hugo conseguiu ressuscitar o projeto por meio de uma manobra regimental que, na prática, agiliza o processo, pulando várias etapas. Criou-se uma comissão especial que, entre outros luminares, inclui aquele mesmo Osmar Terra que passou meses e meses minimizando a pandemia e trabalhando contra as medidas de isolamento e prevenção, ou seja, labutando a favor do vírus que já matou mais de trezentos mil brasileiros. Há mais um menos um ano, Terra “previu” que o coronavírus mataria menos que o H1N1, e afirmou com todas as letras que as mortes por Covid-19 chegariam a, no máximo, duas mil.

O projeto antiterrorista amplia a tipificação da coisa, incluindo “atos preparatórios”, abre a possibilidade do “excludente de ilicitude” (essa aberração estúpida e bárbara) e de “técnicas operacionais sigilosas”. Bem-vindo ao DOPS 2.0. Regras? Não há. Ou, dizendo de forma mais clara, não há regras que impeçam o solapamento da democracia e o recrudescimento do estado de exceção.

Todos sentimos o bodum desse caldo autoritário, e alguns já foram obrigados a prová-lo. Note-se o uso desse dejeto ditatorial chamado Lei de Segurança Nacional para calar opositores do bolsonarismo, em especial aqueles que chamam o presidente de “genocida”. Note-se, também, que a mesma lei (mal) fundamentou a prisão do deputado Daniel Silveira por ordem do Supremo Tribunal Federal. Não me entenda mal: considero desprezíveis as agressões do referido deputado aos ministros do STF e a animada defesa do terrorismo militar representado pelo AI-5 que ele perpetrou naquele vídeo abjeto, mas julgo sagrado o direito à liberdade de expressão — por mais absurdo que seja aquilo que é expressado. Ou há liberdade de expressão, ou não há.

O projeto do deputado Vitor Hugo é mais um esforço no sentido da “ucranização” do Brasil. Em nome de uma democracia seletiva, que só sustenta, apoia e protege os partidários do bolsonarismo (ou seja, em nome de uma pseudodemocracia), ele asfixia a democracia de fato. Ao não distinguir entre terrorismo e crime comum, o projeto lança mais combustível ao fogo totalitário que consome o Brasil. Em relação a isso, o bolsonarismo é pontualíssimo.