Estupidez criminosa

Artigo publicado hoje n’O Popular.

Há uma semana, o presidente Jair Bolsonaro fez um pronunciamento em rede nacional no qual se posicionou contrariamente às recomendações da Organização Mundial da Saúde e aos apelos e ações de especialistas, governadores e prefeitos quanto ao isolamento como forma de mitigar o avanço da pandemia de Covid-19. Foi, até aquele momento, a maior demonstração de estupidez criminosa e desumanidade não só do governo atual, mas, talvez, de toda a história republicana brasileira. Coisas muito piores virão.

Como escreve o filósofo Eric Voegelin em Hitler e os Alemães (tradução de Elpídio Mário Dantas Fonseca, É Realizações): “a estupidez não é criminosa em si, mas pode tornar-se criminosa pela circunstância social. Então, quem quer que, como estúpido, num lugar da sociedade em que não poderia estar, dá ordens ou tenta instruir outros, é um estúpido criminoso; e por causa disso ele se torna um criminoso, mesmo que ele próprio não entenda assim de maneira nenhuma”.

Bolsonaro é um estúpido criminoso. Ao contrariar o trabalho do próprio Ministério da Saúde, ao ridicularizar o esforço desempenhado por profissionais de um sistema à beira da saturação e, acima de tudo, ao ignorar a dor das pessoas que adoeceram e/ou perderam parentes e amigos no decurso da pandemia, ele alargou os limites — já consideráveis — da própria boçalidade.

No dia do tal pronunciamento, o Brasil já contabilizava quarenta e seis vítimas da pandemia. Mesmo que fossem quatro ou seis, mesmo que fosse uma, nada justifica, nada desculpa aquela demonstração pública e antipresidencial de violência. Sublinhe-se que, em nenhum momento, Bolsonaro externou os pêsames aos familiares dos mortos. Ressalte-se que seu vômito discursivo não passou de um ataque grotesco, tenebroso e desvairado à ciência, à moralidade, ao bom senso e, por tudo isso, à própria população brasileira.

A pergunta “por que fechar escolas?” é um dos vários monumentos à estupidez criminosa erigidos por Bolsonaro não só naquela, mas em todas as suas falas e intervenções. Como se crianças não fossem vetores de contaminação. Como se, infectadas, não pudessem transmitir o coronavírus aos pais, tios, avós. Tal insistência em ignorar a responsabilidade que todos devemos ter para com o próximo dá bem a medida do bolsonarismo enquanto categoria criminosa.

Naquele mesmo livro, Voegelin afirma que “o conceito de estupidez, de insensatez, de perda da razão, a condição pneumopática, e assim por diante, não são termos de xingamento, mas termos técnicos para a análise da estrutura espiritual. Se eu quisesse proibir o emprego dessas expressões porque não são empregadas na sociedade polida, nunca se poderia analisar de maneira nenhuma um grande número de fenômenos políticos”.

Pneumopatologia foi um termo empregado por outro grande pensador, Schelling, para dar conta de um distúrbio que não é “apenas” psicológico ou psiquiátrico, mas sobretudo anímico. Trata-se, figurativamente falando, de uma doença espiritual. Em outras oportunidades, aqui mesmo neste espaço, julgo ter apontado variantes dessa enfermidade tanto à direita quanto à esquerda. Bolsonaro está abaixo de todos eles. Com seu “histórico de atleta” da baixeza, ele é um ponto fora da curva, o índice maior de uma queda em progresso — dele, nossa, do país.