Novembro, 29

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Sinto pena de quem acha que futebol é “só um jogo”. Em geral, é gente que nunca se apaixonou, que passa a vida vegetando feito “abacaxis numa estufa”, como diria certo personagem de Rubem Fonseca.

Ontem, devastado pela tragédia ocorrida na Colômbia, arrepiei-me com o momento de silêncio em Anfield, antes do apito inicial do jogo entre Liverpool e Leeds pela Copa da Liga Inglesa. Não foi um gesto qualquer, mas algo vindo de um clube que tanto sofreu com Hillsborough.

E, por clube, entendo acima de tudo os torcedores, claro, porque nós somos o clube, nós o fazemos e sustentamos, e por “sustentar” não me refiro apenas às compras de camisas e ingressos e pagamentos de anuidades, temporada após temporada, não, eu me refiro à maneira como damos sentido e coexistimos em seu interior, transcendendo o jogo ao mesmo tempo em que emprestamos a ele e às cores pelas quais torcemos um sentido ulterior, antes metonímico que metafórico no que tange à própria vida.

Vida, caralho.

Não, não é só um jogo, e as reações fraternas e de solidariedade diante da tragédia que se abateu sobre a Chapecoense, sobre Chapecó, dão bem a medida de tudo aquilo que o futebol ultrapassa enquanto extensão da existência humana.

No jogo de ontem, havia uma atmosfera nebulosa, intranquila, a própria tela da TV parecendo prestes a se desfazer. Mal consegui me concentrar. Torci, é claro, sempre torço, mas era como se tudo o que rolava entre aquelas linhas transcorresse no que o poeta chamaria de velocidade do pesadelo, uma qualidade opressivamente líquida, e nos afogássemos.

Então, algo aconteceu.

A torcida dos Reds cantaria You’ll Never Walk Alone no minuto 76 (número que chegou a ser divulgado como o de vítimas do desastre), mas foi bem aí que Origi abriu o placar. Sim. Gol da Chape, pensei. Não poderia haver homenagem maior ali dentro.

Gol da Chape, em Anfield Road.

E, depois, quando Ben Woodburn, um galês de dezessete anos em sua estreia de fato no time principal (pois só entrou nos segundos finais do jogo contra o Sunderland, sábado passado), marcou o segundo gol, fui às lágrimas.

Um menino.

Um garoto marcando seu primeiro gol diante do Kop em um dia como ontem. Uau, pensei, se isso não serve de inspiração para lutarmos contra esse dia e vencermos, se isso não é motivo para termos alguma fé no futuro, eu não sei o que é.

Woodburn.

Desmarcado, às costas da defesa, recebendo o passe de Wijnaldum e chutando com segurança, no alto, tirando do goleiro, e depois correndo e pulando à frente do Kop, com aquela expressão única, de quem não acredita que aquilo esteja mesmo acontecendo, um garoto, só isso, como se alguém nos dissesse: por mais doloroso que às vezes seja, a vida segue.

Sim.

Foi um desses pequenos milagres do futebol, o tipo de coisa que ilumina e reafirma o milagre maior, que é a própria vida.