Respondi a ESTE texto do Flávio Izhaki sobre Abaixo do paraíso, meu novo romance (nas livrarias em março), na forma de uma carta.
São Paulo, 25 de fevereiro de 2016.
Prezado Flávio,
Desde que combinamos trocar correspondências publicamente como forma de divulgar Abaixo do paraíso, venho pensando sobre o que conversaríamos. “Sobre o livro, idiota!”, você poderia responder, mas o livro está aí, pronto e editado, e não há muito mais que podemos fazer por ele, certo? Exceto, talvez, passear pelo terreno acidentado no qual ele repousa, os pés mais ou menos firmes no chão.
Vivemos num país de batedores de carteiras, e talvez a minha intenção, ao começar a escrever esse romance, três anos atrás, fosse me aproximar de um desses espécimes que voejam ao redor dos políticos mais ou menos como fazem os besouros junto aos montes de estrume nos pastos infinitos do meu estado natal.
Sim, talvez fosse isso. Mas nunca tenho certeza.
A verdade é que não tenho muita coisa boa a dizer sobre o lugar de onde vim. Viajei um bocado e pretendo viajar muito mais, pois considero importante ter uma boa perspectiva da nossa desolação. As paisagens se sucedem externa e internamente, e o que fazemos com elas? Eu sinto necessidade não de ordená-las, até porque o ordenamento é não raro uma empresa tediosa em sua arbitrariedade, mas de revisitá-las, descrevê-las e, acima de tudo, povoá-las. Parafraseando James Joyce, essa raça e esse país e essa vida me fizeram, e não tenho escolha a não ser me expressar tal como sou.
Óbvio que não sou Cristiano, o protagonista de Abaixo do paraíso, mas não posso deixar de compreender algumas das atitudes que ele toma e conclusões a que chega, ainda que de forma tortuosa. No Brasil, tudo exsuda uma promiscuidade doentia. Mundo e submundo são uma coisa só, está dito no romance. É um país incapaz de vivência política porque jamais estabeleceu quaisquer parâmetros civilizacionais e/ou culturais que permitissem a elaboração de uma ética propriamente dita. Aqui, não se procura estabelecer conceitos sobre ações concretas porque o próprio esforço de conceituação gira em falso, perdido entre a demagogia e a burrice.
Quando a palavra é maltratada, o mundo que ela põe (e do qual dispomos) é espúrio.
E Cristiano é tão espúrio quanto o lugar em que se coloca. Talvez surja daí o sentimento de inadequação, típico dos bastardos e ao qual ele reage com tanta violência. Não sei se você concorda, Flávio, mas, a meu ver, diferentemente de seus pares, ele não está à procura de uma sombra, mas, sim, de um lugar ao sol que não lhe custe a própria pele. O problema é que não há atalhos para isso, não como ele esperava ao se imiscuir naquela vida – ou talvez (como muitas vezes é o caso) ele não tenha se dado ao trabalho de pensar a respeito até que fosse tarde demais.
Antes de terminar, acho bom dizer que nunca pensei em Abaixo do paraíso como um “romance filosófico” (ou seu afilhado, o “romance de ideias”), graças a D’us. E sei que você não o leu dessa maneira ao editá-lo. Está mais para o que escrevi acima: apenas procurei revisitar, descrever e povoar ficcionalmente uma parte ínfima do espaço depauperado em que somos pilhados e asfixiados todos os dias.
Sou um escritor asmático. Estou sempre à procura de oxigênio.
Um grande abraço, Flávio, e obrigado por tudo.
André.