Geografia humana

alice

Alice nas Cidades, quarto longa de Wim Wenders, ainda não vislumbra ou se angustia com o fim do cinema, mas trabalha com ternura e sem afetação alguns de seus fins, a saber: mostrar, comunicar, levar a algum lugar, levar a outrem. O filme inspirou Central do Brasil, de Walter Salles, ao menos no que diz respeito ao apreço pela estrada e à inadvertida aproximação paterno-filial (ou materno-filial, no longa brasileiro) entre duas pessoas entregues às paisagens que frequentam e, a partir de um certo ponto, pelas quais são frequentadas. Werner é um jornalista alemão que viaja pelos EUA; Alice, uma menina também alemã de nove anos. Eles se encontram em Nova York. A mãe dela some, com a promessa de reencontrá-los em Amsterdam dali a alguns dias. Nova York, Amsterdam, Wuppertal… o homem se vê preso à menina, e depois livre graças a ela, e com ela. Wenders os acompanha em suas viagens que, a princípio, parecem inúteis, quando não desesperadoras (a mãe não aparece em Amsterdam; a busca pela avó é infrutífera). E, então, junto com os personagens, percebemos não só a crescente aproximação afetiva que se dá entre eles, mas, também, a descoberta ou redescoberta dos lugares pelos quais passam. Antes recortados, alheios, eles aos poucos se tornam parte da paisagem, como que abraçados por ela, recebidos, aceitos. Algo semelhante parece ocorrer no filme de Salles, tão belo quanto Alice e importante pelo modo como descortinava o interior do Brasil para a massa provinciana do centro-sul. Mas, a meu ver, as preocupações de ambos, Wenders e Salles, não são primordialmente políticas, mas, antes, em primeira instância, aferradas ao olhar: ver o espaço e, no espaço, recortar e reconhecer o outro, e então se reconhecer no espaço e no outro, com o outro. É um cinema cujo humanismo não parece estropiado, talvez por ignorar ou relevar o “ismo” e se ocupar do primeiro termo que forma o conceito (se tanto). O que temos, afinal, são duas pessoas e a estrada. Geografia humana, em acepção (até onde for possível, e se possível for) literal.