É um bicho angustiado esse Vício Inerente, de Paul Thomas Anderson. Consegue ser, em momentos distintos, mais e menos sombrio do que o romance de Thomas Pynchon no qual se baseia (e sobre o qual escrevi aqui). O ritmo meio lento não é tão “fiel” ao andamento do livro, um pastiche de Chandler contaminado por uma tremenda ressaca dos anos sessenta do século passado. Anderson, por exemplo, abre mão de sequências que arejam o romance (as visitas à tia do protagonista; a viagem a Vegas; os pais de Doc baixando na residência do detetive), ao mesmo tempo em que coloca um tremendo peso (emocional) noutras (a despedida de Shasta, logo no começo; o passeio na chuva ao som de Journey through the past, de Neil Young; Coy voltando para casa; a visita final do Pé Grande). Outro traço de (ótima) “infidelidade” está na trilha-sonora, que raramente segue a “playlist” anotada no decorrer do romance, mas se mantém firme, inclusive pela estranheza (Jonny Greenwood, né?). Se falo tanto dessas diferenças entre livro e filme, é porque talvez esperasse uma adaptação cuja pegada estivesse mais próxima de um exemplar dos irmãos Coen, especialmente dos primeiros Coen, o que não significa (óbvio) que eu rejeite ou desgoste do trabalho de Anderson. Isto aqui sou eu tentando me virar com o que recebi, buscando compreender o que essas escolhas significam. E os sinais são meio confusos, porque o andamento marijuanesco do filme sublinha a sensação de “fim de sonho” (especialmente olhando daqui, da violenta e obscurantista segunda década do século XXI), mas, por outro lado, justo quando tal sensação seria levada ao extremo (o angustiante desfecho do livro, em meio ao fog), o diretor nos vem com Doc e Shasta juntos, no carro, embora haja a preocupação de deixar claro que aquilo não significa que eles voltaram. Eles não voltaram, e estão perdidos? Há um aceno em meio à neblina pesada que cai sobre aquele mundo, e o melhor (ou mais terrível) é que essa neblina diz mais respeito ao não-lugar em que hodiernamente nos encontramos — pois, como é dito ao final do romance, estancamos no meio do nada, como se esperássemos que “a neblina se consumisse, e que alguma outra coisa dessa vez, de alguma maneira, estivesse no lugar dela”. E o que há? A beleza desigual desse filme, com seus altos e baixos, seus tropeços de ritmo, seu olhar sofrido não sobre o que passou, veja só, mas pelo que está se passando, e que parece nos comunicar a exasperante incerteza de um tempo que saiu do próprio eixo, e vaga, bastardo, nas bordas de um abismo que nos olha. Com isso, o único consolo é o de voltar para casa, se possível.