A primeira coisa que me impressionou (negativamente) em Birdman (ou A Inesperada Virtude da Ignorância) foi o péssimo roteiro. Não é apenas a estruturação previsível, acompanhando os últimos dias de ensaios e a estreia de uma peça inspirada nos escritos de Raymond Carver (que “sempre deixava um pedaço do próprio fígado no que escrevia”, alguém vocifera a certa altura), o estúpido jogo cênico com a esquizofrenia do protagonista (um ator decadente, celebrizado por uma franquia de super-heróis, agora procurando fazer algo “relevante” e, ao mesmo tempo, aproximar-se da filha) ou os diálogos constrangedores (a conversa entre Michael Keaton e Emma Stone, quando ela explica, sublinha e desenha com um pincel atômico vermelho do que é que se trata essa porra toda; qualquer discussão dele com Edward Norton, quando a porra toda é de novo explicada, sublinhada e desenhada; o joguinho de “verdade ou consequência” entre Stone e Norton; a patacoada que é a briga de Keaton com a temida crítica teatral). É, acima de tudo, a maneira como Alejandro González Iñarrítu tenta abraçar temas que não compreende ou é incapaz de pensar com um mínimo de sagacidade. Tome-se, por exemplo, o enfoque “crítico” dado ao cinemão hollywoodiano, visto de fora (por Iñarrítu e pelos personagens) e de maneira preconceituosa e simplificadora — não por acaso, a doença do protagonista se manifesta na figura que o celebrizou nos arrasa-quarteirões de outrora. Eu me lembrei de imediato do ótimo filme de Olivier Assayas, visto dias atrás, onde também são discutidos (de fora, e também tendo como pano de fundo a montagem de uma peça teatral) alguns aspectos da chamada “indústria”. Mas, em Acima das Nuvens, ocorre de fato uma discussão ou, melhor dizendo, uma problematização desses temas, como, por exemplo, na cena em que a atriz interpretada por Juliette Binoche tem uma conversa infeliz com a assistente, após assistirem a um blockbuster. Não há, ali, a imposição desajeitada de um juízo definitivo sobre um determinado tipo de produto; a ironia é uma rua de mão dupla. (Escrevi sobre ele AQUI.) Em Birdman, Iñarrítu institui uma zona de conforto acolchoada com essa ironia fácil, cheia de piscadelas cúmplices para uma plateia que, espera-se, ainda esteja ali para assistir ao salto final. Está certo, o tema maior do filme nem é esse, mas o fracasso (profissional, afetivo, psíquico). Contudo, por mais que os atores se esforcem, e eles se esforçam, texto e diretor não criam as condições para que os dramas pincelados adquiram a mínima consistência. Na verdade, eu me senti como se assistisse a uma sucessão de trailers, com recortes desfolegados de cenas de suposto impacto emocional, impacto que jamais se cumpre. Se pensarmos nos contos de Raymond Carver que inspiram a peça dentro do filme, a coisa fica ainda mais constrangedora: o escritor norte-americano era um mestre da sutileza, da sugestão, deixando sempre aberto, por entre as linhas, um espaço em que a vida, no que ela tem de pior e melhor, grandioso e medíocre, insinuava-se. Iñarrítu está a milênios-luz disso. Birdman não respira, por mais que os seus planos-sequência joguem os nossos olhos para lá e para cá, como se a própria câmera lutasse para não morrer sufocada. É uma luta inglória e inútil.