Quando eu era vivo foi descrito/vendido/rotulado por aí como um “filme de terror com a Sandy”. Felizmente, o longa de Marco Dutra tende a frustrar a ralé que vai atrás de um Atividade Paranormal brasuca e dá de cara com um sobrinho-neto de Roman Polanski. A questão é sempre a ideia que o “público em geral” (esse monstro de muitas cabeças e bem poucos olhos) faz do que seja um “filme de terror”, gênero dos mais ricos e variegados, capaz de comportar desde os zumbis de George Romero até um móvel de couro durabilíssimo como O Massacre da Serra Elétrica original, passando pela sutileza do já citado Polanski (O Bebê de Rosemary, Repulsa ao Sexo, O Inquilino).
O filme anterior de Dutra, o ótimo Trabalhar Cansa, já flertava com elementos do gênero de forma inteligente. Ali, tínhamos ambientes comuns (apartamentos de família, o mercadinho da esquina) cuja familiaridade era paulatinamente desmontada (oi, Roman). Em Quando eu era vivo, o procedimento é similar, mas o estranhamento é levado a um outro extremo. O Mal está encarnado na família, e o que acompanhamos é um lento e doloroso processo de desvelamento.
Alguém escreveu que um dos problemas do filme seria ele “não se assumir” como um “filme de terror”, o que é uma besteira. A essa altura, um cineasta bem informado como Dutra tem toda a liberdade para se servir dos elementos que lhe apetecer, e não só do gênero em questão, para colocar seus filmes de pé. Um juízo esdrúxulo desses tem a ver com aquela ideia pré-concebida de como filme e gênero devem ser para “funcionar”. O crítico vai ao cinema não para se deixar levar pelas imagens e depois refletir sobre o que viu, mas, sim, para ser “agradado” ou “desagradado” conforme suas expectativas.
(Aliás, é um problema enorme isso de o fulano já entrar no cinema com uma ideia bem clara do que esperar. Assistir a um filme serve não para experienciar algo, para estar aberto a, mas para confirmar tais e tais preconceitos, isto é, ensejar um fechamento. Tanto isso é verdade que não é raro um crítico “entender incompreendendo” esse ou aquele filme. Um exemplo: as reclamações de que O Lobo de Wall Street, um filme (irrepreensível, reitero) sobre o excesso, seja assim tão over.)
O cinema de Dutra, no modo tranquilo como brinca com elementos de diversos gêneros, incluindo o terror, pede que recuemos dois ou três passos a fim de observá-lo melhor. Aliás, a própria e aparente tranquilidade na condução de Quando eu era vivo é, em si, um indicativo do olhar que pede mais do que uma mera reação. O filme se deita e respira pausadamente. Sua monstruosidade repousa naquele estranhamento doméstico, no arrastar de cadeiras, nos berros que ecoam pelo centro da cidade, no remobiliamento do lar, no remexer de caixas e memórias, no resgate de algo que provavelmente nunca existiu, jamais esteve lá.