No intervalo doloroso.

[Trecho de Terra de casas vazias, meu romancemprogresso.]

Não demorou para que o desconforto de Camila fizesse com que Aureliano se cansasse de olhar para ela; sentou-se em uma das cadeiras que estavam junto à cama, as pernas afastadas, a mão direita sobre o joelho direito, a esquerda sobre o esquerdo. Não conseguia olhar para ela por muito tempo, mas que outra coisa havia para se ver ali? O quarto era um caixote branco dentro de um caixote branco maior, e esse caixote branco maior era quase infinito se imaginado dali de dentro, de um dos inúmeros caixotes menores. Cada parede branca, impassível, parecia refletir a parede defronte, e elas se repetiam monotonamente no decorrer daquele útero albino repleto de corredores que ligavam os caixotes menores sem, contudo, a imprevisibilidade de um labirinto ou de uma casa de espelhos: afinal de contas, as pessoas presas às camas estavam ali para ser encontradas.
Aureliano fitou o naco de parede entre a cama na qual estava Camila e a janela. Comparou o branco da parede com o dos joelhos da mulher, expostos. Não era mais propriamente branco, o dos joelhos dela, do corpo inteiro dela, mas algo esmaecido, desiluminado ou em processo de apagamento. A doença como que adoecia também o branco daquele corpo, corrompia de maneira sutil a sua brancura, aos poucos, mas inexoravelmente. As paredes, não: em seu branco-coisa, impassível, as paredes permaneceriam de pé por muito mais tempo. O branco da parede pareceu a Aureliano muito mais palpável que o do corpo de Camila, de suas pernas ali esticadas. O branco de uma parede contraposto ao branco de um fantasma, ou quase. É por isso que fantasmas conseguem atravessar paredes, ele pensou, e morrer também é isso, um apagamento, perder a cor aos poucos, o corpo esfarelando até que consiga atravessar uma parede, o teto, até que consiga atravessar. Fechou os olhos e se viu tentando desesperadamente segurar as pernas de Camila para que ela não fosse, não atravessasse, mas suas mãos não agarravam nada, ela já não tinha cor, não tinha corpo, as mãos dele riscavam o vazio. Sentiu raiva. Nas paredes eu confio. No branco delas. Sólido, concreto. Camila flutuava, seu branco esmaecido, esvaziado, confundindo-se com o branco tangível do teto.
Atravessou.
Foi embora.
— No que você está pensando?
Abriu os olhos. Ela o encarava, assustada. A mão direita veio até seu rosto e o acariciou fracamente. Quase não sentiu o toque. Ela já começara a desaparecer, a intangibilizar-se. Onde é que você está? Entre aqui e lá, ou nem lá e nem aqui. No intervalo doloroso. Em algum lugar-nenhum.
— Ainda não acabou — ele a ouviu dizer. — Você precisa se acalmar. Eu preciso que você se acalme. Ainda não acabou.

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